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Hétero top: Entenda por que rótulo gera crise entre os homens do 'BBB22'

Especialistas analisam os diversos aspectos do termo, que vem ganhando explosão de buscas na internet
Gustavo Marsengo (esq) e Lucas Bissoli: o "hétero top raiz" e o "hétero top do bem" Foto: Globo
Gustavo Marsengo (esq) e Lucas Bissoli: o "hétero top raiz" e o "hétero top do bem" Foto: Globo

RIO —  O clima está tenso no olimpo da masculinidade. Em evidência após virar pauta no “Big Brother Brasil 22” , o termo “hétero top” vem gerando um curto-circuito no conceito de “homem padrão”. A palavra foi criada para debochar de um tipo muito específico, o homem branco, hétero, entre 20 e 40 anos e com a autoestima lá em cima, no topo. Para quem se vê fora deste estereótipo, os hétero tops parecem produzidos em série, tamanha a semelhança entre seus espécimes. São fáceis de reconhecer, até porque todo reality show tem pelo menos um. Usam sapatênis e camisa polo (de preferência Calvin Klein), fumam cigarro eletrônico, frequentam camarotes exclusivos e se gabam de suas estratégias de conquista no campo afetivo.

Em 2021, as consultas por “hétero top” já haviam mais que dobrado no Google brasileiro. Com vários participantes do “BBB 22” usando a expressão para definir suas personalidades (ou para rotular seus adversários), o interesse explodiu.

Aumento de 430%

Na última semana, as buscas cresceram 430% em relação aos sete dias anteriores. O curioso é que elas vão além do termo em questão, estendendo-se a assuntos relacionados como “O que é heteronormatividade?”, ou ainda “O que é binarismo de gênero?”. Sinal de que as velhas certezas da virilidade foram colocadas em xeque?

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— Recentemente, surgiram diversas nomenclaturas para ridicularizar aquele cara que se acha o suprassumo, como hétero top ou esquerdomacho. E esse movimento partiu principalmente das mulheres — diz Pedro de Figueiredo, idealizador do Memoh, uma organização criada para promover a equidade de gênero fazendo os homens repensarem suas ações. — Isso fez com que os hétero tops ficassem na defensiva, porque entenderam que aquele lugar que sempre foi de muita afirmação não é mais tão legal.

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Não à toa, notórios “topzeras” do showbusiness declinaram de falar sobre o assunto após serem procurados pela reportagem. Segundo seus assessores, por causa da conotação que o termo ganhou. Fato: assumir o rótulo na atualidade envolve uma dose de provocação. É o caso do empresário curitibano Gustavo Marsengo, participante do “BBB 22”, que entrou no programa tentando criar uma polarização: lacrolândia x hétero tops. “O hétero top pintado hoje pela ‘lacrolândia’ é uma pessoa branca, bem-sucedida, e eu tenho orgulho de ser hétero top no meu conceito”, disse ele em sua apresentação.

Conscientes do sentido pejorativo da palavra, outros participantes tentam se afastar dela. Também confinado na casa, o estudante de Medicina Lucas Bissoli parece reunir todas as características de um hétero top clássico, mas jura que não é um. Ele usou até um novo termo para fugir do carimbo, autodenominando-se um “hetéro top do bem”.

Sem questionamento

Embora a gíria seja relativamente nova, o que entendemos hoje por hetéro top já existia em outras denominações que reproduzem expectativas de masculinidade. Antigamente, esse tipo de homem poderia ser chamado de “Mauricinho”, “playboy”, “sapatênis” ou “almofadinha”. Aliás, “hetéro top” surge em oposição ao emprego não irônico da palavra “top” — uma abreviação de “top de linha” — que muitas pessoas usam para definir aquilo que consideram diferenciado.

— O homem hétero top faz parte de uma categoria que já operava para as organizações das relações de classe e de gênero numa sociedade bastante hierarquizada e estruturalmente violenta — lembra a antropóloga Larissa Pelúcio, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), que pesquisa masculinidades contemporâneas. — Lugares como o dele sempre foram muito assegurados e naturalizados.

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Outra característica do homem que se autodefine pelo termo, segundo Pelúcio, é que ele não costumava, até aqui, questionar o seu lugar hegemônico. Daí o choque ao ser confrontado com uma nova crítica feminista, que vem encontrando um vocabulário mais preciso para denominar incômodos que não tinham nome.

— Os caras estão sentindo um contradiscurso, que criam abalos sísmicos nesses universos bem estruturados — diz Pelúcio.

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Em alguns casos, porém, os homens só descobrem que são vistos como hétero tops depois que saem de sua bolha e são avisados pelo “outro lado”. A percepção varia de acordo com a turma que se frequenta. O professor de educação física Rafael Carreira, de 29 anos, não acha que se encaixa no rótulo. Mas, ao ir a uma festa com uma galera mais “desconstruída”, como ele define, se surpreendeu ao ser classificado como tal por uma mulher que acabara de conhecer. Foi aí que uma amiga em comum veio ao seu socorro e corrigiu: “O Rafael não é hétero top, só tem cara.”

— Fiquei pensando: “O que é ter cara de hétero top?” — lembra ele. — Me disseram que é porque eu uso calça jeans e camisa Calvin Klein. Mas esse não é meu rolê, sou desconstruído desde a minha criação. Talvez eu tenha que comprar uma camisa no brechó para me misturar.

Hétero top ou bon vivant?

O influencer Bruno Couto, conhecido nas redes como Muito Humilde , usa o humor e a ironia para brincar com os estereótipos e quebrar a sua fama de hétero top. Ele, inclusive, recusa o rótulo e se autodenomina mais como um “bon vivant”. Muito atacado (mas também dono de um grupo fanático de seguidores, em sua maioria homens), Couto vê como “recalque” o atual movimento antitop.

— Geralmente, o hétero top é um sujeito empoderado, dono de si, mas que, como todo ser humano, tem defeitos — afirma Couto, que diz amar “belas mulheres, viagens e baladas”. — Falam mal na internet, mas na vida real adoram esse estilo.

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Após se reinventar como “hétero top do bem” no “BBB 22” , Lucas tem revelado um lado inesperado, revendo sua posição de privilégio e demonstrando empatia com outros participantes . Na vida real, entretanto, nem sempre o rebranding é acompanhado por ações práticas. Pedro de Figueiredo conta que, em sua vivência no Memoh, deparou-se muitas vezes com homens que visavam a transformações superficiais, apenas para atender demandas da moda.

Pesquisadora do Núcleo de Estudos Pagu (Unicamp) e especialista em masculinidades, a antropóloga Isabela Venturoza aponta caminhos para mudanças profundas:

— Ele pode buscar informações sobre equidade de gênero, feminismo, e os impactos dos modelos machistas. Também não basta ser bacaninha com mulheres mais próximas, é preciso entender como é seu diálogo com homens negros e de outros grupos sociais. Em resumo: ouvir os diferentes, ter uma postura cotidiana, nutrir relações mais profundas e promover uma cooperação cotidiana.

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