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João Vicente: 'Se pegasse tanta gente assim, seria um sheik'

De despedida de 'Espelho da vida', ator explica por que nunca teve medo de ser acusado de assédio e avisa: o homem bobo está perdido
De despedida do seu primeiro protagonista em uma novela, o esquentado Alain, o ator não gosta de ser chamado de galã: “Se você falar em herói, eu gosto mas. Mas galã? Primeiro, eu não acho que sou bonito para isso” Foto: Leo Martins / Agência O Globo
De despedida do seu primeiro protagonista em uma novela, o esquentado Alain, o ator não gosta de ser chamado de galã: “Se você falar em herói, eu gosto mas. Mas galã? Primeiro, eu não acho que sou bonito para isso” Foto: Leo Martins / Agência O Globo

João Vicente mostra um quadro na sala com uma carteira, um maço de cigarro e dois isqueiros. Foi um presente de aniversário de sua mãe, a estilista Gilda Midani, que teve a ideia de reunir em uma moldura os pertences que estavam no bolso do pai do ator, o jornalista Tarso de Castro, quando ele morreu em 1991. Aos 36 anos recém-completados, João fala aqui sobre como foi viver Alain, seu primeiro protagonista, em “Espelho da vida” (novela das 18h que chega ao fim hoje), planos para o futuro (inclusive de ser pai) e a sua fama de sedutor.

Como foi viver seu primeiro protagonista?

Eu não sabia o que eu estava aceitando, por não ter uma experiência muito grande de televisão. Tive que fazer dois personagens, foi uma grande faculdade. Quando o Pedro (Vasconcellos, diretor artístico de “Espelho da vida”) me chamou, disse que eu ia entrar um e sair outro. É verdade, estou saindo outra pessoa.

Como você sentiu a reação do público ao personagem?

Foi muito diferente, tanto em tamanho, quanto em instabilidade. O Alain era um protagonista que tinha traços pouco carismáticos: ele brigava muito com as pessoas, era muito agressivo, muito sofrido, muito humano. As pessoas estão acostumadas a ver uma coisa mais simples de deglutir. Surpreendeu que o Alain tenha sido aprovado pelo público do meio para o final. As pessoas começaram a entender ele. O Alain foi se tornando mais doce e as pessoas se identificaram com esse Alain, torto, humano.

A novela fala de vidas passadas. Você acredita nisso?

Tenho minha fé em algum lugar. Não posso dizer que sou agnóstico, sou uma bagunça nesse quesito. A verdade é que eu gostaria de acreditar, acho que uma vida só é pouco.

E como é ser galã nos tempos de hoje?

Esse termo é muito reducionista. O galã é uma coisa que você não trabalhou para ser. Se você falar em herói, eu gosto mais. Mas galã? Primeiro, eu não acho que sou bonito para isso.

Muita gente discorda.

Pode até discordar, mas, esteticamente, o rapaz perfeitinho, eu não sou. Tenho o meu charme, gosto muito do que eu sou fisicamente, mas sei do que não sou.

Te pergunto sobre isso porque a gente vive num momento em que parece que o homem está meio perdido diante das conquistas dos movimentos feministas. Como é estar dentro de um padrão de masculinidade quando tudo isso está mudando?

Para mim, é o homem bobo que está perdido. Nós, homens progressistas, que entendemos que o feminismo é um movimento legítimo, estamos nos enquadrando. Porque machistas, todos somos. Nós temos reflexos machistas, automáticos. Eu, pelo menos uma vez por dia, me vejo fazendo um machismo de salão. Estou no momento melhorando, me desconstruindo.

Tipo o quê?

Por exemplo, outro dia estava com a Julia Lemmertz, ela estava com uma bolsa e eu fiquei insistindo para carregar. Aí tem uma sintonia fina da gentileza. Em geral eu uso assim: eu faria se fosse um homem? Nesse caso, sim. Quando falam que o homem hoje em dia está passando por uma situação difícil… Eu não tenho pena nenhuma desse homem. É quase a mesma coisa que falar que os senhores de engenho, com a abolição da escravatura, estão numa situação difícil. Fodam-se eles, é isso aí. Estava havendo uma injustiça que agora não está existindo mais.

João Vicente de Castro posa na sua casa, no Rio Foto: Leo Martins / Agência O Globo
João Vicente de Castro posa na sua casa, no Rio Foto: Leo Martins / Agência O Globo

Uma coisa comum é os homens ficarem preocupados entre o que é assédio ou não. Você já teve essa dúvida?

Claro que não, isso é uma bobagem. Todo mundo sabe o que é assédio e o que é flertar. Nunca estive nem perto de assediar alguém. Quando teve aquela (campanha na internet) “meu primeiro assédio” , alguns amigos meus tiveram medo. Eu não tive nenhum. E não é porque eu apoio o feminismo. É até porque o flerte me interessa. Não me interessa meter a mão na bunda de ninguém. Tanto é que eu nunca saí com uma garota de programa, porque me interessa a construção do amor, do sexo. Então, talvez por isso, eu nunca tenha passado dos limites. Acho uma coisa de homem se vitimizando.

Falando sobre os privilégios de ser homem, hétero e branco, nunca te bate um sentimento de culpa?

Nenhuma. E acho um erro culpar um homem hétero branco por ser um homem hétero branco. Acho um acerto você cobrar que esse homem se sacuda. Embora eu sinta uma vontade de certas pessoas de que eu e outros privilegiados se culpem. A pessoa é culpada se quiser perdurar esse privilégio, o que é muito comum, mas não de ter nascido assim.

E quais são os projetos para este ano?

Tenho uma série para fazer no Porta dos Fundos e estou escrevendo dois programas para o GNT. E estamos internacionalizando o Porta dos Fundos: levamos agora para o México e depois iremos para os Estados Unidos. Trabalho é o que não falta.

Você também já falou que está com vontade de ter um filho no futuro…

Estou com vontade no presente, só falta a mãe.

Mas como você pretende criar esse filho? Atualmente isso é mais difícil?

Não acho mesmo. Filho você cria à base de exemplo. Sempre vi minha mãe comer salada, por isso como salada. Meu pai gostava de ler, isso me fez gostar de ler. Se você for um ser humano coerente, se tiver empatia, é fácil criar. Difícil é acordar de madrugada várias vezes…

Você comentou em outras entrevistas que está pensando em adotar. É isso mesmo?

Eu estou há três anos solteiro. Não me apaixonei. Então não estou vendo muito futuro por enquanto. A adoção não é só um gesto de amor, como socialmente é muito importante. Gostaria, mesmo que eu tenha filhos biológicos. A adoção é inclusive uma boa maneira de dividir privilégios.

E estar solteiro não te incomoda?

Não, pelo contrário, senão não estava até hoje.

Então você está por que quer?

Não é porque eu quero, é porque eu só estou. Mas eu gosto dessa solidão, de ficar nesta sala sozinho numa sexta-feira à noite. Para uma mulher entrar na minha vida, eu tenho que estar apaixonado. Ela tem que somar muito na minha vida e eu na dela. Eu não vou estar junto, como vejo amigos e amigas minhas, porque é bom assistir série de TV juntos. Se for para ser médio, prefiro ficar só.

E as especulações em torno de com quem você está saindo, como você encara?

Eu acho surreal… Se eu pegasse tanta gente assim, sei lá, eu seria um sheik árabe. Se eu encosto em alguém, já dizem que tô pegando, é uma loucura. Não sou esse garanhão todo que falam, não, sou bem quietinho. Já fui. Mais jovem eu era mais… lascivo. Hoje em dia, eu gosto de ficar aqui, sair pra jantar. Ah, eu sou um partidão, viu!

Vou botar isso no jornal, para te ajudar (risos) .

Bota na manchete, “sou um partidão”. Me ajuda. Vou criar uma caixa postal (risos) .