O sírio Kaysar Dadour conta que está com dor de cabeça há quatro dias. O motivo é a aparência realista do campo de refugiados montado pela Globo em Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio, para servir de cenário à novela “Órfãos da Terra”, que estreia na próxima terça-feira na faixa das 18h.
Ex-participante do Big Brother Brasil, o sírio, que integra o elenco da folhetim, não gosta de contar detalhes sobre a travessia de Aleppo, sua cidade natal, até Curitiba, onde encontrou um primo de seu avô que só vira uma vez na vida até então — com uma passagem pela Ucrânia. Mas ele não esconde o turbilhão de sentimentos que vem com o trabalho numa produção que irá contar histórias de pessoas que, assim como ele, deixaram a Síria por causa do conflito que assola o país desde 2011. Além da namorada, Kaysar conta ter perdido pelo menos vinte amigos por causa da guerra.
— Você quer fechar o passado, e de repente acontece uma coisinha e abre tudo de novo. Eu nunca imaginei isso, chegar no Brasil, fazer uma novela e ter um campo de refugiados, como se fosse tudo real. Achava que nunca mais fosse ver nada disso — comenta ele, que na trama vive Fauze, um dos capangas do vilão da novela, o sheik libanês Aziz, vivido por Herson Capri. — Eu já tive capangas atrás de mim na minha vida, vi o rosto deles. Não é uma lembrança boa. Mas tento pegar isso para construir o personagem.
Um dos motivos de o cenário montado em Santa Cruz parecer tão próximo da realidade para Kaysar é o fato de ele contar com equipamentos que foram de fato usados para receber pessoas em busca de abrigo.
Graças a uma parceria da Globo com o Acnur, alto comissariado da ONU para refugiados, a equipe de cenografia utilizou tendas que anteriormente serviram para receber os venezuelanos que chegavam a Boa Vista, em Roraima (em troca, a emissora forneceu novas unidades habitacionais). O Acnur ainda orientou a equipe da Globo sobre como montar o campo e colaborou com informações diversas sobre o tema.
— Normalmente, o que a gente faz é levantar um campo do nada, como esse daqui. A Globo conseguiu reconstituir um campo tanto nas qualidades quanto nos defeitos — observa Miguel Pachioni, assistente sênior de informação pública do Acnur no Brasil.
![Renato Goés nos bastidores das filmagens de 'Órfãos da terra' Foto: TV Globo/Paulo Belote](https://ogimg.infoglobo.com.br/in/23562675-aae-160/FT1086A/760/TVG_20190212-PB-Orfaos-da-Terra029.jpg)
Em “Órfãos da Terra”, Laila (Julia Dalavia) e toda sua família fogem da Síria após terem a casa bombardeada. Embora depois a trama se desloque para São Paulo, onde a família de Laila se estabelece, é num campo de refugiados do Líbano que a vida da mocinha começa a se transformar: lá, ela chama atenção do poderoso sheik Aziz, que quer tomá-la como mais uma de suas esposas, e também se apaixona por Jamil (Renato Góes), um dos funcionários do sheik. Para complicar ainda mais, Jamil é muçulmano, enquanto Laila é católica.
Para Julia, a história de amor no estilo “Romeu e Julieta” da novela também fala de superação.
— Tudo na vida da Laila é difícil, mas acho que ela é como os refugiados com quem eu conversei: todos contam suas histórias sempre com um sorriso no rosto, demonstrando uma superação que é inspiradora — acredita a atriz.
Para Renato, as gravações no campo de refugiados foram um momento importante de imersão em uma outra cultura.
— Para mim, esses dias foram muito bons para observar. Recebemos muitos atores e figurantes sírios e libaneses. Mais do que uma impressão sobre o que é o cenário e a novela, tenho as reações. As pessoas ficam muito impressionadas. E, de certa forma, isso é o mínimo que a gente pode fazer: ser fiel aos detalhes e à cultura deles.
No meio do “deserto” em Santa Cruz, Kaysar era mais um a manter o bom humor em meio à dura rotina de gravações. Ele não escondeu o lado brincalhão, fez piadas e distribuiu caretas. Segundo ele, faltaram apenas “uma rede e água de coco”.
— Sou sírio-brasileiro. Tenho dois tipos de sangue. Aqui, sírio, e aqui, brasileiro — diz Kaysar, que bate em cada braço para mostrar que está bem adaptado à cultura local. — Eu como todo dia arroz e feijão, e adoro. Tomo água de coco, gosto de sambar (ele desfilou pela Grande Rio no carnaval) e adoro funk. Agora não quero mais ir embora daqui. Ninguém me tira.
(Colaborou Leonardo Ribeiro)