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'Se eu fechar os olhos agora': série da Globo investiga racismo e machismo num Brasil em transição

Trama com Antônio Fagundes e Mariana Ximenes estreia na segunda-feira no Globoplay
CAp 04 CENA 023
Adalgisa ( Mariana Ximenes ) dirige pela cidade. Para com a sinalização do guarda. Ela vê Renato e o chama, ele
acelera o passo e vai embora. Ela fica mexida. Foto: Mauricio Fidalgo
CAp 04 CENA 023 Adalgisa ( Mariana Ximenes ) dirige pela cidade. Para com a sinalização do guarda. Ela vê Renato e o chama, ele acelera o passo e vai embora. Ela fica mexida. Foto: Mauricio Fidalgo

RIO — No começo dos anos 1960 em uma cidadezinha pacata, dois meninos encontram a moça mais bonita da cidade morta e decidem investigar o crime por conta própria. Essa é a premissa de “Se eu fechar os olhos agora” , nova série da Globo que estreia na segunda-feira no Globoplay e, no dia 15, na TV aberta. Porém, a trama de Ricardo Linhares , inspirada no livro de Edney Silvestre , pretende ir além do enredo policial e fazer um estudo sobre a natureza humana dentro de uma sociedade opressora.

— Há várias pistas falsas, mas o importante para mim não é a investigação criminal, mas sim falar da vida daquelas pessoas. Os personagens daquela época viviam sobre uma ditadura do patriarcado branco. Eles não podiam sair de uma linha pré-estabelecida, em uma suposta harmonia. Mas a natureza humana é uma coisa muito difícil de se calar e chega uma hora que explode — afirma Linhares.

Amigo de Silvestre, o autor conta que sentiu o potencial do livro para uma adaptação para a TV no momento em que o leu. Mas também precisou tomar diversas liberdades para fazer com que a história rendesse dez episódios. Novas mortes foram acrescentadas, e a exuberante Adalgisa (Mariana Ximenes) , uma ex-miss de ares modernos e esposa-troféu do empresário Geraldo (Gabriel Braga Nunes) , foi criada para servir de contraponto ao conservadorismo dos moradores da fictícia São Miguel, no interior do Rio de Janeiro.

Antônio Fagundes como Ubiratan em 'Se eu fechar os olhos agora' Foto: Mauricio Fidalgo / TV Globo
Antônio Fagundes como Ubiratan em 'Se eu fechar os olhos agora' Foto: Mauricio Fidalgo / TV Globo

Além disso, Ubiratan, personagem solitário de Antônio Fagundes que ajuda os meninos Paulo (João Gabriel D'Aleluia) e Eduardo (Xande Valois) a procurar quem matou a jovem Anita (Thainá Duarte) ganhou um passado que lhe deu uma outra motivação para querer investigar o crime.

— Não vou me aprofundar muito para não dar spoiler, mas, por causa desse passado, o Ubiratan tem uma compaixão que falta um pouquinho aos outros adultos da trama. Ele tem uma vivência mais profunda, mais humana, mesmo que tenha sofrido alguns reveses na vida —  diz Fagundes, que também foi narrador do audiobook de “Se eu fechar os olhos agora”.

Para o ator, a vivência idílica dos meninos, em uma cidade pequena no meio do século XX, dá força à temática da perda de inocência que permeia toda a série — algo reforçado pela direção artística detalhada e poética de Carlos Manga Jr .

— Eles têm uma relação mais direta com a infância, uma coisa que a gente perdeu na cidade grande. Hoje uma criança perde a inocência na frente de um tablet, com cinco anos de idade — observa.

Mesmo assim, o que os meninos vão descobrir com o passar dos episódios não é distante de temas que cercam a atualidade. O machismo e o racismo se fazem presentes em diversos momentos da história, que é narrada pela versão adulta de Paulo (em uma participação especial de Milton Gonçalves). O retrato mais forte disso é Anita, que acaba sendo a primeira vítima do assassino. Cobiçada pelos homens da cidade, a jovem negra usa os cabelos louros e alisados.

— O cabelo dela é o reflexo de uma pressão social. Ela não se enquadra como uma mulher negra, por ocupar  um cargo social relevante, como a mulher do dentista da cidade pequena. É como um disfarce, uma máscara — comenta Thainá Duarte.

Os meninos Paulo (João Gabriel D´Aleluia) e Eduardo (Xande Valois) protagonizam 'Se eu fechar os olhos agora' Foto: Mauricio Fidalgo / TV Globo
Os meninos Paulo (João Gabriel D´Aleluia) e Eduardo (Xande Valois) protagonizam 'Se eu fechar os olhos agora' Foto: Mauricio Fidalgo / TV Globo

A necessidade desses disfarces passa por todas as mulheres da trama, incluindo também a primeira-dama  Isabel (Débora Falabella), mulher do prefeito Adriano (Murilo Benício). Para Linhares, o medo das mulheres era justificado, pois vivia-se numa época em que o feminicídio era praticamente legalizado.

— Naquela época, existia muito crime de honra. Se o marido descobrisse que ela era adúltera, podia matar e era absolvido.

Por isso, havia esse medo tão grande de desobedecer as regras impostas: elas realmente corriam risco de morte —  lembra o autor, que embora reconheça que as questões levantadas pela série continuem atuais, diz que não quis espelhar a sociedade de hoje em “Se eu fechar os olhos agora”. Para ele, 1961, o ano em que a série se passa, mostra uma sociedade em transição para uma era de costumes menos rígidos.

—  Não quis fazer uma ponte entre o passado e presente. Infelizmente, esses temas até hoje são atuais. São problemas que a gente continua vivenciando, mas não procurei trazer os conflitos modernos.