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Selton Mello diz por que quis voltar às novelas e como reagiu às críticas a 'O mecanismo'

Papel de D. Pedro II marca retorno aos folhetins após 20 anos: 'Esgotou meu estoque no ‘Vale a pena ver de novo’'
O ator Selton Mello Foto: Divulgação
O ator Selton Mello Foto: Divulgação

RIO - Nos 20 anos em que esteve longe das novelas, Selton Mello foi movido por um incansável espírito explorador. Arriscou-se para além dos territórios cômodos, onde já tinha conquistado a aclamação unânime. Fez muito cinema e virou diretor. No streaming, viveu o atormentado delegado da PF Marco Ruffo em “O mecanismo” (Netflix). Em 2012, assumiu a direção de “Sessão de terapia”, do GNT, e, agora, grava a quarta temporada da série, que reestreará no Globoplay no segundo semestre. Desta vez, acumulará o papel do protagonista, o psicanalista que comanda as sessões do título.

Prepara-se ainda para, no ano que vem, interpretar Dom Pedro II em “Nos tempos do Imperador” , trama das 18h da TV Globo. Selton, que começou na TV aos 7 anos, em 1979, em “Dona Santa” (Band), explica sua volta às origens com uma frase que pode até parecer uma contradição: “Fazer novela agora era o que havia de mais inusitado e novo para mim.”

Nessa entrevista, feita ao longo de semanas numa extensa troca de e-mails, ele explica o que orienta sua rota.

Em vinte anos longe das novelas, você recebeu muitos convites para voltar. Sempre recusou. Por que só agora resolveu aceitar?

Experimentei tudo. Dirigi, escrevi, atuei em cinema, TV paga e streaming . E ficou bem claro: o poder da TV aberta ainda é muito acima da média. A novela segue conversando com o público brasileiro de uma forma direta. Eu me sinto um aluno voltando para a escola, estou verdadeiramente comovido com esse retorno às origens. Quando rompi contrato, há vinte anos, todos diziam que eu era doido de abandonar algo certo, um contrato bom. Depois, vi vários atores fazendo o mesmo. Chegou a hora de eu voltar ao folhetim tradicional e bem engendrado. Fui convidado inúmeras vezes, mas sempre esbarrava na questão do tempo longo. Compromissos acabavam me impedindo.

O que mais te atraiu nesse projeto de viver Dom Pedro II em “Nos tempos do Imperador"?

Um protagonista raro, mítico e cheio de imperfeições, um diretor com quem fui muito feliz em “Ligações perigosas” ( Vinícius Coimbra ), e dois autores cheios de criatividade ( Thereza Falcão e Alessandro Marson ), que não estão interessados em inventar a roda ou imitar as séries. É uma trama clara, muito bem escrita. A simplicidade me cativou. Voltei porque esgotou meu estoque no canal Viva e no “Vale a pena ver de novo” ( risos ). Esperava um personagem icônico, como é o imperador Dom Pedro II. E uma telenovela de época, com todo o apuro estético e dramatúrgico, contando uma passagem da História do Brasil.

O que te diferencia hoje daquele ator que fez “Força de um desejo”, em 1999?

Selton aos 11 anos, com Lauro Corona na novela “Corpo a corpo” Foto: Divulgação
Selton aos 11 anos, com Lauro Corona na novela “Corpo a corpo” Foto: Divulgação

O fato de ter me tornado diretor. Dirigir é cuidar de 200 coisas, atuar é concentrar em uma coisa, com fé. Agora, sei as dificuldades, então, atuar é algo leve, me reconecto com o menino que começou nas novelas. Atuar é brincar, nunca perdi essa capacidade. É o formato que me ensinou muito do pouco que sei. Parei em “Força de um desejo” pois me vi burocrata, sem tesão. Então fui me testar, experimentar as possibilidades da imaginação. O que me fez voltar foi o mesmo motivo, olhei para os lados e entendi que fazer uma novela era o que havia de mais inusitado e novo para mim. Estou sempre em busca do brilho nos olhos.

Já está trabalhando nesta nova novela?

Nossa preparação começa mais para o fim do ano, e as gravações estão previstas para janeiro. Estou terminando o trabalho de pós-produção de “Sessão de terapia”, depois terei um descanso, para poder chegar tinindo nessa nova aventura emocional. Amo meu ofício, ele é meu farol, e quando estou apaixonado por algo, o espectador sente isso claramente. Não vejo a hora de botar a mão na massa.

Você falou de streaming. Como foi fazer um delegado em “O mecanismo”, série que ficcionaliza a Operação Lava-Jato, recebida por tantas críticas?

Foi uma baita experiência. Algo totalmente fora de minha zona de conforto, portanto tive confirmação íntima de que realmente não gosto de política. Esse é meu limite. Minha sensibilidade funciona de outra forma, sempre tive dificuldade de falar sobre isso, e a série me libertou. Nunca me envolvi nesse mundo truncado da política partidária, onde as coisas mudam como as nuvens no céu, não tenho político do peito, nem me sinto alinhado a nenhum partido. Nem sei se existe mais esquerda e direita, talvez só exista o em cima e o embaixo, ou o dentro e o fora. O povo certamente sempre esteve de fora e embaixo. Mas muita gente pensa diferente. É a beleza da democracia. O que vivemos no país deve ser contado, debatido, com olhares distintos. E a expressão artística deve ser ampla, não seletiva.

O que ‘O mecanismo’ te trouxe de bom e de ruim? Que críticas você, Selton, pessoalmente, faz às críticas ideológicas que rolaram?

Como o marcante Augusto de Valmont, de “Ligações perigosas” Foto: Divulgação
Como o marcante Augusto de Valmont, de “Ligações perigosas” Foto: Divulgação

Ele me proporcionou um amadurecimento pessoal absurdo. Uma libertação de poder ser quem eu sou. O mundo das artes é bastante politizado, admiro demais quem tem essa capacidade. Eu não tenho. Eu sou isso que deu para ser. Então é ótimo poder me sentir finalmente livre para dizer que não gosto desse universo. Não tenho opinião sobre todos os assuntos, não sou um especialista em tudo, sei um pouco do meu trabalho, do poder transformador da arte. Eu faço meu caminho, errando ou acertando, mas usando minhas próprias pernas. Acho que entre o preto e o branco temos bem mais do que 50 tons de cinza.

Você acompanhou os debates nas redes sociais?

Os dois lados polarizados possuem algo em comum: tentam ditar o que deve ou não ser falado e como deve ser falado. Eu acompanhei, com muito interesse, os debates nas duas temporadas e aprendi mais sobre quem falou do que o que foi dito. Quando Paulo fala de João, sei mais de Paulo do que de João. Já sou recolhido por natureza, me exponho na internet tanto quanto me exponho na vida, ou seja, pouco ( risos ). Rede social eu trato como um grande grupo de WhatsApp, onde me divirto com memes aleatórios, me distraio, procuro usar com moderação, pois pode ser um ambiente tóxico. Utilizo como um espaço para divulgar meu trabalho, posto coisas leves para tentar compensar a dureza da vida offline.

Você dirige e atua em “Sessão de terapia”, para o Globoplay e o GNT. A série original é israelense . Quais são as marcas brasileiras dela?

Na série “O mecanismo”, que provocou debates acirrados nas redes sociais; “Aprendi mais sobre quem falou do que o que foi dito”, diz o ator Selton Mello Foto: Divulgação / Karima Shehata/Netflix
Na série “O mecanismo”, que provocou debates acirrados nas redes sociais; “Aprendi mais sobre quem falou do que o que foi dito”, diz o ator Selton Mello Foto: Divulgação / Karima Shehata/Netflix

Amo esse trabalho, um dos mais importantes que já fiz. O público adora, se emociona e ao mesmo tempo faz terapia indiretamente. Ele se identifica com os personagens. Muitos psicanalistas também já me disseram que a série desmistifica o trabalho deles, mostrando o terapeuta também com suas questões, suas dificuldades. Ou seja, fazer o “Sessão” é uma alegria, totalmente minha praia, humano, sensível e ainda por cima ajuda as pessoas do outro lado da tela. O Brasil é o único lugar no mundo onde a série chegou à quarta temporada e ainda fez a troca dos protagonistas ( Selton assume o posto do psicanalista no lugar de ZéCarlos Machado ). O Hagai Levi, criador israelense, nos apoia muito, ele adora os caminhos que exploramos. Agora, Morena Baccarin atua pela primeira vez em português fazendo a terapeuta do meu personagem. A parceria do GNT com o Globoplay ampliará as janelas de exibição. Estamos todos orgulhosos com o que está para chegar.

E quais são as marcas pessoais que você considera ter imprimido?

Dirigi sozinho as quatro temporadas, uma quantidade absurda de trabalho: 150 episódios. Amei cada segundo com cada ator que brilhou naquela sala. Antes de diretor, sou um ator. Na medida em que trabalhava com tantos atores distintos, vindos de escolas diferentes, eu não só exercitei meu trabalho como diretor, mas aprendi, como ator. O material humano em “Sessão de terapia” é vasto e lindo demais. Faz bem fazer e faz bem assistir, algo raro. Algo em particular adorei ter feito: brincar com o tempo. Tudo é corrido hoje, e a série tem o tempo do pensamento dos personagens, nem sempre o que é dito é o mais importante, os subtextos falam, o silêncio é eloquente. Muito acontece nas entrelinhas. A série traz reflexão e emoção. “Sessão de terapia” é uma flor que ofereço ao público. Em tempos duros, sinto que apresentar algo tão cheio de humanidade e empatia é uma missão.

Como será o psicanalista que você vai interpretar? Qual o desafio de dirigir e atuar?

Caio Barone, o novo terapeuta, é mais jovem, mais sanguíneo que o Theo ( papel de ZéCarlos Machado ). Ele vive conflitos pessoais gigantes e ao mesmo tempo é um terapeuta excelente. Dirigir e atuar é algo bem orgânico. Atuo desde criança, é leve pra mim. Como diretor eu já havia estabelecido o tom da série, então tudo se encaixou sem sobressaltos. Costumo dizer que dirigir e atuar é mais surpreendente para quem está de fora. Para mim é normal ver minha cabeça hiperativa e minha sensibilidade se expressando em sua totalidade.

Quando estreia?

A previsão é no início do segundo semestre, em uma data ainda não definida, no Globoplay. Mais adiante a série migra pro GNT, sua casa original. Mais uma vez teremos 35 episódios, sete semanas de terapia para cada personagem. E os novos pacientes são fascinantes, trabalhos irretocáveis: Fabiula Nascimento, a estreante Livia Silva, David Jr. e Cecilia Homem de Mello. Não vejo a hora de dividir com o público que fizemos!