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Série do Globoplay destaca todas as facetas de Nara Leão, que completaria 80 anos no dia 19

Em cinco capítulos, 'O canto livre de Nara Leão' aborda do período de musa da bossa nova à contundência do show 'Opinião'
Nara Leão, que é tema de série no Globoplay Foto: Fabricio Umezaki e Raymundo Oliveira
Nara Leão, que é tema de série no Globoplay Foto: Fabricio Umezaki e Raymundo Oliveira

Renato Terra conta que, ao dizer que estava realizando uma série sobre Nara Leão, ouvia coisas como “a da bossa nova!”, “a do show ‘Opinião’!”. Os comentários reforçavam o que ele chama de “boa pretensão” do projeto: reunir os feitos da cantora para que ela tenha o reconhecimento merecido — e ainda não totalmente conquistado, na visão do diretor.

— Quando se apresenta todas as frentes que a Nara abriu, a gente percebe que ela é uma das artistas mais importantes do século XX e uma das pessoas mais importantes da cultura brasileira — afirma Terra, que, ao lado de Ricardo Calil, dirigiu os documentários “Uma noite em 67” (sobre o histórico festival de música daquele ano) e “Narciso em férias” (sobre a prisão de Caetano Veloso pelo regime militar).

Os cinco capítulos de “O canto livre de Nara Leão” (título de um disco da cantora) chegam amanhã ao Globoplay. No próximo dia 19, a artista completaria 80 anos. Morreu em 1989 em decorrência de um tumor na cabeça. A série é a nova produção do Conversa.doc, o núcleo de documentários do programa “Conversa com Bial” — do qual Terra é um dos roteiristas.

Foi após uma edição do programa dedicada a Nara, em 2019, que Terra expressou a Isabel Diegues — filha da cantora e do cineasta Cacá Diegues — o desejo de realizar algo mais amplo. Recebeu o ok.

— Ele descobriu coisas que eu não conhecia — diz Isabel, editora literária.

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Os pesquisadores da série (Julia Schnoor, Ferdinando Dantas, Priscila Serejo e Ricardo Calazans) localizaram fotografias e imagens em movimento de reuniões musicais ocorridas numa das sedes da bossa nova, no final dos anos 1950: o apartamento da família de Nara, em Copacabana, em frente ao Posto 4. Parte das fotos foi colorizada por Fabricio Umezaki e Raymundo Oliveira.

— Guardadas as devidas dimensões, é como se o espectador estivesse dentro do apartamento — diz o diretor.

O episódio inicial, “Bossa nova”, tem atrativos como o áudio da primeira apresentação em público de Nara: em 13 de novembro de 1959, na Escola Naval, no Rio. Ela ficou com o rótulo de “musa da bossa nova”, espécie de mascote dos homens. “Eles me tratavam mal, me achavam mixuruca”, contou ela num depoimento.

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Rompeu pela imprensa com o grupo e, levada por Carlos Lyra, aproximou-se de movimentos de esquerda como o CPC (Centro Popular de Cultura) e o Cinema Novo. Conheceu sambistas como Cartola, Nelson Cavaquinho e Zé Keti, autores de músicas presentes em seu primeiro disco, de 1964. Em dezembro do mesmo ano, estreou (com Zé Keti e João do Vale) “Opinião”, o primeiro espetáculo de reação ao golpe militar de março.

O episódio 2 (“Opinião”), segundo Terra, é mais sombrio do que o primeiro porque retrata esse momento. Em 1966, Nara atacou o Exército — e defendeu sua extinção — numa entrevista que lhe custou ameaças de prisão. Sua ficha no Dops (Departamento de Ordem Política e Social) está na série.

— Era novidade uma mulher se manifestar politicamente com aquela coragem — destaca Terra, que classifica a cantora como “suave e contundente”.

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Se queriam retratá-la como “engajada”, ela escapava e gravava “A banda”, de Chico Buarque. Em seguida, aliava-se aos tropicalistas. Poucos depois, voltava a cantar bossa nova. Mais à frente, fazia um disco apenas com canções de Roberto e Erasmo Carlos, dupla que ainda era rejeitada por parte da elite cultural — e é presença forte no capítulo 4, “Quero que vá tudo para o inferno”.

“Ela não se deixava conduzir por nada nem por ninguém”, afirma Chico Buarque em entrevista para a série.

Chico Buarque e Nara Leão: cantor dá depoimento à série do Globoplay Foto: Agência O Globo
Chico Buarque e Nara Leão: cantor dá depoimento à série do Globoplay Foto: Agência O Globo

O terceiro episódio, “A banda”, trata da relação de Nara com compositores para quem ela foi fundamental, sobretudo Chico. O último, “Nara na intimidade”, tem depoimentos dos filhos Isabel e Francisco, de Cacá e de amigos como Roberto Menescal.

— O Paulinho da Viola diz que ela era uma ponte, unindo mundos diferentes, rompendo preconceitos — diz Terra. — É a ideia de um Brasil que tem a diversidade cultural como trunfo. É na música que esse projeto é mais bem-sucedido. E Nara foi fundamental para isso.

O Conversa.doc tem outros quatro especiais no Globoplay: “Em nome de Deus”, “Arnaldo, sessenta”, “Erasmo 80” e “Marisa Monte — Portas e janelas”. Pedro Bial e Mônica Almeida assinam a supervisão artística de “O canto livre de Nara Leão”.

— Temos na equipe do “Conversa com Bial” gente muito talentosa que já fazia documentários — diz Mônica. — Então, por que não fazer aqui dentro? E a música é parte forte disso, por causa do tanto que há de coisas legais no Brasil e porque há na equipe pessoas que sabem à beça do assunto.