Série do Globoplay destaca todas as facetas de Nara Leão, que completaria 80 anos no dia 19

Em cinco capítulos, 'O canto livre de Nara Leão' aborda do período de musa da bossa nova à contundência do show 'Opinião'
Nara Leão, que é tema de série no Globoplay Foto: Fabricio Umezaki e Raymundo Oliveira

Renato Terra conta que, ao dizer que estava realizando uma série sobre Nara Leão, ouvia coisas como “a da bossa nova!”, “a do show ‘Opinião’!”. Os comentários reforçavam o que ele chama de “boa pretensão” do projeto: reunir os feitos da cantora para que ela tenha o reconhecimento merecido — e ainda não totalmente conquistado, na visão do diretor.

— Quando se apresenta todas as frentes que a Nara abriu, a gente percebe que ela é uma das artistas mais importantes do século XX e uma das pessoas mais importantes da cultura brasileira — afirma Terra, que, ao lado de Ricardo Calil, dirigiu os documentários “Uma noite em 67” (sobre o histórico festival de música daquele ano) e “Narciso em férias” (sobre a prisão de Caetano Veloso pelo regime militar).

Nara em maio de 1981. Documentário mostra a cantora capixaba como artista engajada, transgressora e defensora de pautas feministas Foto: Paulo Moreira / Agência O Globo
A cantora Nara Leão em cena do documentário "O Canto Livre de Nara Leão", que estreia dia 7 de janeiro no Globoplay Foto: Fabricio Umezaki e Raymundo Oliveira / Agência O Globo
Ícone da MPB, Nara morreu em 1989 e completaria 80 anos em 2021 Foto: Reprodução
Documentário com cinco capítulos tem depoimentos de nomes como Chico Buarque (foto) e Roberto Menescal Foto: Reprodução
Nara em foto de 1964. Força e doçura da personalidade da cantora são retratadas em documentário do Globoplay Foto: Arquivo / Agência O Globo
Nara Leão durante o show "Opinião", lançado meses depois do Golpe Militar, com João do Vale e Zé Kéti Foto: Reprodução
A cantora Nara Leão, em 1959, com o cantor João Gilberto Foto: Divulgação
Nara Leão, em 1959, no Tijuca Tênis Clube Foto: Divulgação
Em 1963, ensiando o musical 'Pobre menina rica', com Carlos Lyra, Vinicius do Moraes e Aloysio de Oliveira Foto: Divulgação
Em 1968, com Caetano Veloso e Rita Lee Foto: Divulgação
Em 1970, com o marido Cacá Diegues e a filha Isabel Foto: Divulgação
Em 1963, com o sambista Nelson Cavaquinho (ao violão) Foto: Divulgação
Em 1982, com os filhos Francisco e Isabel, em foto do encarte do livro 'Ninguém pode com Nara Leão' Foto: Divulgação
Em 1960, com o violonista e compositor Roberto Menescal Foto: Divulgação

Os cinco capítulos de “O canto livre de Nara Leão” (título de um disco da cantora) chegam amanhã ao Globoplay. No próximo dia 19, a artista completaria 80 anos. Morreu em 1989 em decorrência de um tumor na cabeça. A série é a nova produção do Conversa.doc, o núcleo de documentários do programa “Conversa com Bial” — do qual Terra é um dos roteiristas.

Foi após uma edição do programa dedicada a Nara, em 2019, que Terra expressou a Isabel Diegues — filha da cantora e do cineasta Cacá Diegues — o desejo de realizar algo mais amplo. Recebeu o ok.

— Ele descobriu coisas que eu não conhecia — diz Isabel, editora literária.

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Os pesquisadores da série (Julia Schnoor, Ferdinando Dantas, Priscila Serejo e Ricardo Calazans) localizaram fotografias e imagens em movimento de reuniões musicais ocorridas numa das sedes da bossa nova, no final dos anos 1950: o apartamento da família de Nara, em Copacabana, em frente ao Posto 4. Parte das fotos foi colorizada por Fabricio Umezaki e Raymundo Oliveira.

— Guardadas as devidas dimensões, é como se o espectador estivesse dentro do apartamento — diz o diretor.

O episódio inicial, “Bossa nova”, tem atrativos como o áudio da primeira apresentação em público de Nara: em 13 de novembro de 1959, na Escola Naval, no Rio. Ela ficou com o rótulo de “musa da bossa nova”, espécie de mascote dos homens. “Eles me tratavam mal, me achavam mixuruca”, contou ela num depoimento.

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Rompeu pela imprensa com o grupo e, levada por Carlos Lyra, aproximou-se de movimentos de esquerda como o CPC (Centro Popular de Cultura) e o Cinema Novo. Conheceu sambistas como Cartola, Nelson Cavaquinho e Zé Keti, autores de músicas presentes em seu primeiro disco, de 1964. Em dezembro do mesmo ano, estreou (com Zé Keti e João do Vale) “Opinião”, o primeiro espetáculo de reação ao golpe militar de março.

O episódio 2 (“Opinião”), segundo Terra, é mais sombrio do que o primeiro porque retrata esse momento. Em 1966, Nara atacou o Exército — e defendeu sua extinção — numa entrevista que lhe custou ameaças de prisão. Sua ficha no Dops (Departamento de Ordem Política e Social) está na série.

— Era novidade uma mulher se manifestar politicamente com aquela coragem — destaca Terra, que classifica a cantora como “suave e contundente”.

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Se queriam retratá-la como “engajada”, ela escapava e gravava “A banda”, de Chico Buarque. Em seguida, aliava-se aos tropicalistas. Poucos depois, voltava a cantar bossa nova. Mais à frente, fazia um disco apenas com canções de Roberto e Erasmo Carlos, dupla que ainda era rejeitada por parte da elite cultural — e é presença forte no capítulo 4, “Quero que vá tudo para o inferno”.

“Ela não se deixava conduzir por nada nem por ninguém”, afirma Chico Buarque em entrevista para a série.

Chico Buarque e Nara Leão: cantor dá depoimento à série do Globoplay Foto: Agência O Globo

O terceiro episódio, “A banda”, trata da relação de Nara com compositores para quem ela foi fundamental, sobretudo Chico. O último, “Nara na intimidade”, tem depoimentos dos filhos Isabel e Francisco, de Cacá e de amigos como Roberto Menescal.

— O Paulinho da Viola diz que ela era uma ponte, unindo mundos diferentes, rompendo preconceitos — diz Terra. — É a ideia de um Brasil que tem a diversidade cultural como trunfo. É na música que esse projeto é mais bem-sucedido. E Nara foi fundamental para isso.

O Conversa.doc tem outros quatro especiais no Globoplay: “Em nome de Deus”, “Arnaldo, sessenta”, “Erasmo 80” e “Marisa Monte — Portas e janelas”. Pedro Bial e Mônica Almeida assinam a supervisão artística de “O canto livre de Nara Leão”.

— Temos na equipe do “Conversa com Bial” gente muito talentosa que já fazia documentários — diz Mônica. — Então, por que não fazer aqui dentro? E a música é parte forte disso, por causa do tanto que há de coisas legais no Brasil e porque há na equipe pessoas que sabem à beça do assunto.