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Cultura TV

'Sinto inveja de quanto dinheiro eles ganham', diz Stephen Frears, diretor de 'A rainha', sobre 'The crown'

Sempre irônico, Stephen Frears assina 'A very english scandal', série com Hugh Grant que ridiculariza hipocrisia britânica
Hugh Grant vive o político Jeremy Thorpe em 'A very english scandal', série da BBC disponível no Globoplay Foto: Sophie Mutevelian / Sophie Mutevelian/BBC/Blueprint
Hugh Grant vive o político Jeremy Thorpe em 'A very english scandal', série da BBC disponível no Globoplay Foto: Sophie Mutevelian / Sophie Mutevelian/BBC/Blueprint

A história implorava para ser adaptada para as telas: Jeremy Thorpe era líder do partido liberal britânico e um chefe de família com reputação ilibada até o ex-modelo Norman Scott acusá-lo de encomendar seu assassinato. O motivo? O secreto relacionamento que os dois tinham mantido no começo década de 1960, numa época em que a homossexualidade era crime no Reino Unido. Sonho delirante de qualquer editor de tabloide britânico, o escândalo — retratado com muito sensacionalismo e homofobia nos anos 1970 — já era mais do que conhecido na Inglaterra. Mas com “A very english scandal” , minissérie de três episódios da BBC disponível no Brasil pelo Globoplay, a história é recontada com humanidade e atuações primorosas de Hugh Grant (que, despido da pinta de galã, vive Thorpe) e Ben Whishaw , que conquistou o Globo de Ouro por sua atuação como o exuberante Scott. Há, ainda, a direção precisa de Stephen Frears , que explica por que o escândalo é tão inglês.

— É uma história sobre hipocrisia e corrupção, o que faz a vida ser interessante na Inglaterra — diz o diretor de “Ligações perigosas” (1988) e “A rainha” (2006), que, ao receber como resposta que corrupção e hipocrisia também são campeões nacionais no Brasil, explica:

— É, mas nós fazemos isso de um jeito cômico. Deixamos engraçado — afirma.

Ele resume assim por que a trama interessaria aos estrangeiros:

— É uma história de assassinato, e as pessoas gostam disso.

Segundo Frears, o caso não contribuiu em nada para uma discussão séria sobre sexualidade na Inglaterra. Ele lembra de manchetes como “Eu mordi o travesseiro”, tirada de um depoimento no tribunal em que Scott narrava como foi a primeira vez em que fez sexo com Thorpe.

— Se Jeremy (Thorpe) tivesse contado a verdade, teria sido outra coisa. Já Norman sempre foi visto como mentiroso e, agora, as pessoas acreditam que ele estava dizendo a verdade. Mudou completamente a vida dele.

Outro que vive nova fase graças à produção é Hugh Grant. Frears diz que “provavelmente dormiria” vendo as comédias românticas que consagraram o ator, mas também afirma não ter dúvidas da habilidade dele para a tragédia. E brinca com o talento de Whishaw:

— Eu nunca entendi realmente o que Ben fazia. Ele era misterioso. Hugh eu entendia. Mas Ben também era tão bom... E se é o jeito que ele faz, é o jeito que ele faz.

Tolice e desonestidade

Se a história se repete como farsa, Frears diz que não dá para saber se a classe política vai evoluir um dia ao ponto de parar de mentir incansavelmente.

Stephen Frears dirige Helen Mirren como Elizabeth II em 'A rainha', de 2006 Foto: Divulgação
Stephen Frears dirige Helen Mirren como Elizabeth II em 'A rainha', de 2006 Foto: Divulgação

— Parecia inacreditável na época (que um político mandasse matar alguém), mas Thorpe estava assustado. E acho que as pessoas continuam assustadas hoje em dia. (A primeira-ministra britânica) Theresa May passou metade de sua vida com medo. É sempre a mesma coisa: ela também não contaria a verdade (caso se envolvesse em um escândalo) — afirma ele, que, aos 77 anos, não descartaria fazer um filme sobre o Brexit.

— Mas daqui a dez anos —, ressalva. — Só agora estamos entendendo pedaços do que aconteceu. É uma história de muita tolice e desonestidade.

E o que o diretor de “A rainha” acha de “The crown”, a adaptação para a TV da vida de Elizabeth II?

— Nunca assisti. Só sinto inveja de quanto dinheiro eles ganham.