A história implorava para ser adaptada para as telas: Jeremy Thorpe era líder do partido liberal britânico e um chefe de família com reputação ilibada até o ex-modelo Norman Scott acusá-lo de encomendar seu assassinato. O motivo? O secreto relacionamento que os dois tinham mantido no começo década de 1960, numa época em que a homossexualidade era crime no Reino Unido. Sonho delirante de qualquer editor de tabloide britânico, o escândalo — retratado com muito sensacionalismo e homofobia nos anos 1970 — já era mais do que conhecido na Inglaterra. Mas com “A very english scandal” , minissérie de três episódios da BBC disponível no Brasil pelo Globoplay, a história é recontada com humanidade e atuações primorosas de Hugh Grant (que, despido da pinta de galã, vive Thorpe) e Ben Whishaw , que conquistou o Globo de Ouro por sua atuação como o exuberante Scott. Há, ainda, a direção precisa de Stephen Frears , que explica por que o escândalo é tão inglês.
— É uma história sobre hipocrisia e corrupção, o que faz a vida ser interessante na Inglaterra — diz o diretor de “Ligações perigosas” (1988) e “A rainha” (2006), que, ao receber como resposta que corrupção e hipocrisia também são campeões nacionais no Brasil, explica:
— É, mas nós fazemos isso de um jeito cômico. Deixamos engraçado — afirma.
Ele resume assim por que a trama interessaria aos estrangeiros:
— É uma história de assassinato, e as pessoas gostam disso.
Segundo Frears, o caso não contribuiu em nada para uma discussão séria sobre sexualidade na Inglaterra. Ele lembra de manchetes como “Eu mordi o travesseiro”, tirada de um depoimento no tribunal em que Scott narrava como foi a primeira vez em que fez sexo com Thorpe.
— Se Jeremy (Thorpe) tivesse contado a verdade, teria sido outra coisa. Já Norman sempre foi visto como mentiroso e, agora, as pessoas acreditam que ele estava dizendo a verdade. Mudou completamente a vida dele.
Outro que vive nova fase graças à produção é Hugh Grant. Frears diz que “provavelmente dormiria” vendo as comédias românticas que consagraram o ator, mas também afirma não ter dúvidas da habilidade dele para a tragédia. E brinca com o talento de Whishaw:
— Eu nunca entendi realmente o que Ben fazia. Ele era misterioso. Hugh eu entendia. Mas Ben também era tão bom... E se é o jeito que ele faz, é o jeito que ele faz.
Tolice e desonestidade
Se a história se repete como farsa, Frears diz que não dá para saber se a classe política vai evoluir um dia ao ponto de parar de mentir incansavelmente.
![Stephen Frears dirige Helen Mirren como Elizabeth II em 'A rainha', de 2006 Foto: Divulgação](https://ogimg.infoglobo.com.br/in/23612290-8fe-19d/FT460B/300/34881995_SC-Rio-de-Janeiro-RJ-03-09-2012-A-Rainha-Helen-Mirren-Stephen-Frears.-Foto-Divulgacao.jpg)
— Parecia inacreditável na época (que um político mandasse matar alguém), mas Thorpe estava assustado. E acho que as pessoas continuam assustadas hoje em dia. (A primeira-ministra britânica) Theresa May passou metade de sua vida com medo. É sempre a mesma coisa: ela também não contaria a verdade (caso se envolvesse em um escândalo) — afirma ele, que, aos 77 anos, não descartaria fazer um filme sobre o Brexit.
— Mas daqui a dez anos —, ressalva. — Só agora estamos entendendo pedaços do que aconteceu. É uma história de muita tolice e desonestidade.
E o que o diretor de “A rainha” acha de “The crown”, a adaptação para a TV da vida de Elizabeth II?
— Nunca assisti. Só sinto inveja de quanto dinheiro eles ganham.