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Cultura

Rita Lee fala sobre ser avó: 'Sou um misto de Dona Benta com Dercy Gonçalves'

Aposentada do palco há 8 anos, cantora relança livros infantis, enquanto vive praticamente confinada em uma casa no mato com Roberto de Carvalho, seu 'namorado e parceiro há 43 anos'
A cantora, compositora e escritora Rita Lee Foto: Guilherme Samora / Divulgação
A cantora, compositora e escritora Rita Lee Foto: Guilherme Samora / Divulgação

RIO —  Em meio à pandemia e a participações em lives, a cantora e compositora Rita Lee, de 72 anos, volta à cena esta segunda-feira com o relançamento, pela Globo Livros, de “Dr. Alex e os Reis de Angra” e “Dr. Alex e o Phantom” — os livros finais da tetralogia infantil que ela publicou entre 1986 e 1992 (ano passado, foram reeditados os dois primeiros volumes, “Dr. Alex” e “Dr. Alex na Amazônia”).

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Com textos reescritos pela autora e novas ilustrações (de Guilherme Francini e Quihoma Isaac), as obras apresentam às novas gerações mais algumas aventuras do ratinho Alex e seus amigos telepáticos na luta contra os que querem acabar com o planeta.

— Os livrinhos foram escritos nos anos 1980, quando quase ninguém falava em meio ambiente, defesa dos animais, mineração descontrolada e outras causas trágicas. Hoje, tais assuntos estão na boca dos brasileiros e nessas é bom para as crianças, que vão herdar nossa Nave Mãe Terra, aprenderem desde cedo a respeitar todas as formas de vida — diz Rita, por e-mail. — Não é de agora que a Amazônia vem sendo estuprada. E também o Pantanal. Mas, nesse momento, tudo está ainda pior. Basta ler nos jornais e ver no noticiário as queimadas, a devastação, o garimpo ilegal, a contaminação da água e do solo...

'Religião e política misturados dá nisso'

Ao acompanhar as manifestações de individualismo e de questionamento da ciência (quando não, puro negacionismo) que vêm ocorrendo durante a pandemia, Rita Lee começou a desconfiar seriamente que a raça humana “é um experimento que não está dando muito certo”.

— Desse deus, com minúscula mesmo, esse que os terráqueos arrogantemente se acham a imagem e semelhança de, sou ateia — diz. — Religião e política misturados dá nisso: cagações de regras e dane-se o povo. Estamos vivendo um filme de horror, a verdadeira Primeira Grande Guerra Mundial, cujo inimigo comum é um vírus invisível. Por outro lado, os humanos vêm se comportando visivelmente como um vírus destruidor da nossa Nave Mãe Terra. O próximo filme é um misto de "Apocalipse Now" e "Mad Max".

Para “Dr. Alex e o Phantom”, que foi lançado originalmente em 1992 com o título “Dr. Alex e o Oráculo de Quartz”, a cantora incluiu ainda um novo personagem, a Vovó Ritinha – segundo ela, uma “velhinha fofa que conta histórias verdadeiras para crianças saberem dos perigos que ameaçam os reinos mineral, vegetal e animal através do ratinho Alex”.

Capa do livro 'Dr. Alex e o Phantom', da cantora e escritora Rita Lee Foto: Divulgação
Capa do livro 'Dr. Alex e o Phantom', da cantora e escritora Rita Lee Foto: Divulgação

— Dr. Alex é um ambientalista meio mago e chapa de extraterrestres. Faço coleção de cristais Phantom. Já presenteei David Bowie e Brigitte Bardot com Phantoms especiais da minha coleção. Tenho um Phantom mágico de verdade, é hipnotizante. Os brasileiros não dão muita bola para nossas pedras brutas semipreciosas, enquanto os gringos caem de boca — conta Rita, que é avó de Ziza, de 15 anos, e de Tutui, de 3. — Digamos que sou um misto de Dona Benta com Dercy Gonçalves. Conto diferentes histórias, de acordo com a idade deles, e sou bem desbocada. Com essa maldita pandemia, as contações caseiras deram um tempo, agora é apenas um alô diário via Skype. O pior é não poder dar uns amassos pessoalmente nos filhos e nos netos.

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As crias fazem muita falta a Rita que há oito anos, desde que se aposentou dos palcos, vive praticamente confinada em uma casa no mato. Com Roberto de Carvalho (“meu namorado e parceiro há 43 anos”), ela passa os dias cercada de animais de estimação os mais variados — e são eles que ajudam a amenizar a saudade da família:

— Sophia, minha gata preta vira-lata, que viveu 25 anos comigo, se foi esta semana... Era minha guardiã e melhor amiga. Ando chorando pelos cantos da casa, e meus outros bichinhos não desgrudam de mim, tão fofos. Animais são a face selvagem do Divino. Quer dar um up no seu confinamento? Adote um bichinho e você terá a companhia de um anjo da guarda que só quer dar e receber amor.

Parceria de vida

Na quarentena, Rita conta que as lives de Milton, Gil e Caetano “deram um quentinho na alma”.

— Fiz umas aparições virtuais aqui e ali, mas ando com o coração doído demais para fazer uma live au grand complet e mostrar uma alegria que, no momento, não tenho – admite ela que, no entanto, vem se mantendo ativa em outras frentes. — Escrevo agora uma espécie de diário sobre 2020, este ano em que a Terra parou. Também quero continuar mirando na criançada e seguir com as aventuras do Dr. Alex contra o bando sinistro. Nesses oito anos longe dos palcos, Roberto e eu gravamos demos de músicas inéditas que daria para fazer pelo menos três discos. Nunca paramos de compor. Durante 2018 e 2019, escrevi um livro meio “psicodélico” de 200 páginas, mas talvez tenha ficado datado por causa desse turbilhão que vivemos hoje.

No meio da pandemia, completaram-se os 40 anos de um dos maiores hits de Rita, “Lança perfume”, aniversário que motivará ainda em 2020 o relançamento em vinil de “Rita Lee”, LP de 1980 que ainda trouxe outros sucessos como “Baila comigo”, “Caso sério” e “Nem luxo, nem lixo”. Um clássico da música brasileira e da parceria/casamento com Roberto de Carvalho.

— Roberto abriu meus horizontes musicais trazendo uma experiência nunca dantes navegada por mim, um maestro do bom gosto. Meus “roquinhos” ganharam harmonias mais elaboradas, com um cotè pop-chique. E também pude me aventurar em outros estilos: de tango a bossa nova; de bolero a rockarnaval; de balada a pauleira... very tropicalista indeed — conta. — Éramos fazedores de hits e de filhos lindos. Good old times. Minha união com Rob vem de outras vidas, se é que eu acredito nisso. Só sei que em matéria de casamento musical e amoroso, eu ganhei na loteria.

Com um show (“CeLeebration”, do filho Beto Lee, do qual ia fazer uma participação) e um longa-metragem (a adaptação cinematográfica de sua “Autobiografia”, de 2016 ) adiados indefinidamente pelas incertezas da pandemia, Rita diz não ter ilusões acerca de um “novo normal”.

— Sem ser pessimista e já sendo, essa questão da vacina virou uma guerra de egos entre países e desconfio que nenhum deles está nem perto de apresentar uma solução definitiva. Basta lembrar que até hoje não conseguiram uma vacina para a Aids — ilustra. — Em toda pandemia que já houve, a raça humana sempre aprendeu alguma coisa, seja na ciência, seja nos usos e costumes, seja espiritualmente. Com esta não vai ser diferente, resta saber se a lição a aprender desta vez será para evoluirmos ou nos aniquilarmos.