Cultura

Roberto Alvim minimiza protesto contra suspensão da montagem da peça 'Res pública' na Funarte

Dramaturgo e diretor do Centro de Artes Cênicas disse que carta foi recebida 'com completa indiferença' na fundação
O dramaturgo Roberto Alvim, direitor do Centro de Artes Cênicas da Funarte Foto: Leonardo Aversa : Leo Aversa / Agência O GLOBO
O dramaturgo Roberto Alvim, direitor do Centro de Artes Cênicas da Funarte Foto: Leonardo Aversa : Leo Aversa / Agência O GLOBO

SÃO PAULO - Uma carta em protesto contra a suspensão da peça "Res pública" pelo diretor do Centro de Artes Cênicas (Ceacen) da Funarte, Roberto Alvim, contou com a assinatura de 19 entidades da classe teatral e também da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo. Divulgado na sexta-feira, o documento diz que os signatários repudiam "a censura, de triste memória no período ditatorial".

No texto, as entidades lamentam interferência nos resultados de editais e os cancelamentos de espetáculos. Para elas, isso tudo demonstra que "o dirigismo cultural vem sendo aplicado de modo disfarçado, como 'filtro'".

O caso começou na semana passada, com a exoneração da antiga coordenadora da Funarte em São Paulo, Maria Ester Moreira . Ela trabalhava há dois anos e oito meses na entidade e era responsável pela gestão do Complexo Cultural Funarte em São Paulo. Em mensagem nas redes sociais, afirmou que sua exoneração estava relacionada ao fato de não ter acatado "um posicionamento de seu atual diretor sobre um projeto de ocupação de uma das salas do Complexo Cultural Funarte SP”.

Alvim chamou a carta de "falaciosa". O também dramaturgo argumentou que não havia contrato assinado com o grupo A Motosserra Perfumada, que montaria e encenaria a peça:

— O que eles chamam de censura é curadoria. Essa carta-denúncia foi recebida dentro da Funarte com completa indiferença — reagiu ele.

O diretor do Ceacen também repetiu que os critérios utilizados para rejeitar o projeto de encenação de "Res pública" obedeceram a  parâmetros puramente artísticos. Ele reiterou ainda que deve mudar o sistema de triagem dos projetos, que desde 2016 eram aprovados por ordem de chegada, excetuando grandes espetáculos e propostas de grupos amadores.

— Todos os espetáculos contratados até o fim do ano serão exibidos. Mas a partir do ano que vem, cada um dos oito aparelhos administrados pela Funarte em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Brasília terá seus próprios curadores. A curadoria sob a minha gestão não aceitará mais peças com viés ideológico, seja de esquerda ou de direita, e que não sejam obras de arte — disse ele

O secretário municipal de Cultura de São Paulo, Alê Youssef, justificou a subscrição de sua pasta à carta dizendo que, na visão dele, a rejeição do projeto da peça está "100% alinhada" com o que vem declarando o presidente Jair Bolsonaro:

— Como disse o prefeito ( de São Paulo ) Bruno Covas, filtro tem nome, e é censura. Não importa se esteja relacionado a cinema ou teatro. E a secretara do maior polo cultural do país tem a obrigação de se manifestar contra qualquer tipo de ataque à liberdade de expressão e contra a criminalização dos artistas e da cultura — disse Youssef.

Grupo A Motossera Perfumada, que propôs a montagem da peça 'Res pública' Foto: Camilla Rios / Divulgação
Grupo A Motossera Perfumada, que propôs a montagem da peça 'Res pública' Foto: Camilla Rios / Divulgação

O grupo A Motosserra Perfumada, responsável pelo projeto rejeitado por Alvim, já havia se manifestado na última quarta-feira, também em uma carta aberta endereçada a "todos os artistas do Brasil". Nela, os integrantes da companhia rejeitam o critério de qualidade artística que Alvim disse ter aplicado para suspender a montagem e que ele "apenas cumpre a surrada agenda do bolsonarismo".

De acordo com o grupo, a peça foi concebida em fevereiro de 2016, durante manifestações políticas que dividiam o país. A trama se passa no Reveillon de 2023,  quando a divisão se consuma, e acompanha um grupo de jovens que vive em uma república e se mobiliza para montar um sistema de proteção.

O diretor da peça, Biaggio Pecorelli, disse que o grupo continua ensaiando em um espaço localizado na rua Augusta, próximo do Centro de São Paulo, e garante que ela ainda será encenada:

— Ainda não podemos divulgar nada, mas estamos em contato com alguns espaços. Com certeza, vamos encenar "Res pública" — concluiu.