Ruth de Aquino
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Tudo sobre a política de nossa vida e não de Brasília

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Ruth de Aquino

Tudo sobre a política de nossa vida e não de Brasília. Cidadania, família, educação, amor, sexo, drogas, religião, envelhecimento, saúde, arte e viagens.

Por Ruth de Aquino

Não saí no meio de “Tudo em todo lugar ao mesmo tempo” por obrigação profissional. Precisava assistir. Afinal, o filme foi o que ganhou mais estatuetas do Oscar nesta última edição. Um filme ungido por especialistas e que achei infantiloide, ridículo, barulhento, chato, escatológico, pretensioso e, no fim, piegas. Há algo errado comigo, que amo cinema de paixão, o maior entretenimento?

Vi filmes muito bons, o sueco Triângulo da Tristeza do Östlund, os Fabelmans do Spielberg e outros. Um deles – ainda não chegou ao Brasil – foi ignorado pela Academia, Império da Luz, de Sam Mendes, com Olivia Colman esplendorosa. Conversei com um crítico que respeito, Marcelo Janot, e não me senti tão sozinha. “Esse filme 'Tudo em todo lugar' é horroroso, é muito bizarro ter sido tão premiado, quando só merecia o prêmio de montagem”.

Segundo Janot, o Oscar está ficando entediante e previsível porque segue as escolhas de sindicatos do cinema. Até os bolões perderam a graça. ‘Tudo em todo o lugar’ seria uma zebra mas adquiriu uma aura cult na turma antenada. Por não ter grandes estrelas nem um orçamento de blockbuster e por focar em multiversos delirantes. Por apelar a jovens, já que o Oscar tem pavor de envelhecer. Mas não dá para comparar a boa atuação de Michelle Yeoh com a antológica Cate Blanchett em Tár.

Melhor filme, direção, atriz, roteiro original, montagem, ator e atriz coadjuvantes. Que lavada. Qual mensagem se passa a jovens cineastas? Claro que tem quem goste do filme. Fala de imigrantes chineses numa briga interminável com a Receita nos Estados Unidos, e de uma mulher que seria heroína em outros universos, mas não no cotidiano estressante de dona de lavanderia pública. O casal mora no andar de cima, a filha é gay, o avô Gong Gong é desmemoriado e claudicante. Essa é a parte boa, real e não fantasmagórica. Alguns minutos em mais de duas horas.

O resto é muito trash. A execução do filme, com seus multiversos, monstros e pobres referências cinematográficas, ofende a inteligência, nivela as plateias por baixo, tenta transformar em inovadora e modernosa uma linguagem batida, das lutas marciais. Já explorada com sofisticação por outros diretores. “O cinema de hoje, pós-pandemia”, diz Janot, “está dominado pela estética de super-herói, pelo que chamamos de filme de boneco para quem vai às salas consumir pipoca e refrigerante. Nada de plateia madura ou adulta. O que eu noto, como crítico, é uma infantilização do cinema que reflete a infantilização da sociedade”.

Hoje, basta ser superficial para encontrar acolhimento na bolha. Há uma glorificação da ignorância. Do radicalismo, do preconceito e da patrulha. Janot publicou uma imagem do filme, o plug anal, que é um portal para se transportar para outro universo. Traduzindo: o lutador marcial encaixa o rabo num troféu pontudo e ganha superpoderes. “Uma cena escalafobética. Mas teve gente no Instagram que me chamou de homofóbico só por mostrar o objeto. O cara me descascou: ‘Sua geração não entende esses filmes inclusivos’. Porque agora é assim, é o etarismo”. Você é velho e velha se tem mais de 50 anos, você é descartável, ultrapassado, não conta.

Outra tendência clara do Oscar é se penitenciar por décadas de prêmios que privilegiaram a elite branca e americana. Está certo ampliar os votantes. Está certo premiar a inclusão, as minorias. Enfim mesmo! Palmas. Mas não se encontrou um equilíbrio. Hoje, na hora de fazer um filme que aspire a um prêmio, o diretor ou o roteirista precisa preencher requisitos. Como se fosse um formulário para ir ticando. Tem mulher empoderada? Tem negro? Tem índio? Tem asiático? Tem trans? Tem homossexual? Tem pobre se vingando de rico?

Sim, o cinema é feito de mensagens, de símbolos, e também é político. Mas a sétima arte não pode se restringir ao ativismo.

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