Ruth de Aquino
PUBLICIDADE
Ruth de Aquino

Tudo sobre a política de nossa vida e não de Brasília

Informações da coluna

Ruth de Aquino

Tudo sobre a política de nossa vida e não de Brasília. Cidadania, família, educação, amor, sexo, drogas, religião, envelhecimento, saúde, arte e viagens.

Por Ruth de Aquino

Quando descobrimos um cineasta que nos encanta, o mais natural é ir, ansiosa, assistir a seu filme seguinte. Especialmente se a atriz protagonista é Emma Stone. Assim fui ver “Kinds of kindess” – ou “Tipos de gentileza” – do grego Yorgos Lanthimos, num cinema com sofás impecáveis de veludo vermelho, no bairro londrino de Chelsea. Lanthimos é o realizador do filme-sensação do último Oscar, “Pobres criaturas”.

O longa de duas horas e 45 minutos é uma colagem de três curtas. Não fui só eu a sair da sala antes de terminar. Vários casais desistiram de ver até o fim a sucessão de crueldades gratuitas, que não conduzem a nenhuma reflexão sobre o comportamento humano. As cenas estão ali para chocar, escandalizar, ferir, como se a plateia fizesse parte do experimento do diretor. Qual é o limite dos espectadores? Até quando vão suportar a dor?

“Kinds of kindness” é um desvio – de um diretor jamais convencional, mas que agora extrapolou na bizarrice. O título nos prega uma peça. Não dá para chamar simplesmente de um título irônico. É um título fake. Eu me deixei iludir também pelo pôster e pelo trailer. Não há nuances na opção de Lanthimos pelo macabro. Pelo canibalismo. Auto-amputação. Violência animal. Abuso, sexual e moral. Devoção até a morte.

Na primeira história, um funcionário se entrega totalmente aos caprichos de seu chefe. É refém pessoal e profissional dele. Pratica maldades em casa e na rua para não perder seu posto e seus privilégios, casa, carro. Mas não são as maldades cotidianas que todos nós conhecemos. São piores.

A segunda história é sobre a volta ao lar de uma mulher que todos julgavam ter morrido num naufrágio durante uma expedição. Ela faz todas as vontades do marido policial, mas ele, paranoico, acredita estar vivendo com uma impostora, porque os pés dela são maiores e mais macios que os de sua esposa.

As cenas de sexo são ridículas e estereotipadas, pretendem humilhar. Não têm nem de longe o significado e o poder de "Pobres criaturas". A nudez e o sexo passam batido, diante das automutilações sangrentas de dedos e fígado. Os closes são mórbidos. Não vi humor em nada ali. Saí quando a terceira história começou num necrotério visitado por seguidores de um culto.

Cada um de nós tem preferência por um gênero no cinema. Comédia, drama, documentário, ficção baseada em fatos históricos, romance, ficção científica, terror, fantástico. Deveríamos talvez incluir um novo gênero: o cinema macabro. Sob o verniz de “anticonformista”. Para estômagos fortes e insensíveis.

“Tipos de gentileza” ainda não estreou no Brasil. Não é sexy, não é sensual, não é divertido, não é profundo, não é bom. É doente e pretensioso. Foi apresentado com pompa em Cannes, mas não deixou boa impressão no júri. Lanthimos talvez precise de outros atores além de Willem Dafoe. Ele só sabe agora fazer o personagem Willem Dafoe. Sem tirar nem pôr. Cansa.

Pontos altos: a música inspiradora de abertura, “Sweet dreams”, do Eurythmics; a fotografia, o uso das cores, a trilha sonora, a estética habitual dos filmes do diretor grego. Emma Stone, espetacular, merece mais daqui em diante.

E eu mereço não pagar mais ingresso para assistir a Yorgos Lanthimos. Se bem que, por eu sair antes do fim, reclamando que era um filme insano, me ofereceram dois ingressos para assistir a qualquer coisa ali na semana que vem. E se desculparam por Lanthimos não ser “my cup of tea”. Muito gentis. Só em Londres mesmo.

Mais recente Próxima Posando nua para o pai, Lucian Freud