'Se eu pudesse, ninguém saberia nada sobre mim', diz Cláudia Abreu
Em cartaz no teatro adulto após hiato de 20 anos, atriz ensaia série de suspense para o Globoplay, escreve sua primeira peça e diz que se tornou exceção ao ter quatro filhos: ‘Virei tipo Guinness’
Maria Fortuna
10/06/2019 - 04:30
/ Atualizado em 11/06/2019 - 09:04
RIO - A frase acima poderia soar blasé se não saísse da boca de Cláudia Abreu. Conhecida pela discrição, a atriz sempre se preocupou em chamar mais atenção com os personagens do que com a vida pessoal.
— Quanto menos dados tiverem sobre você, mais embarcarão na ficção — acredita.
Mas nem sempre ela consegue. Dias atrás, uma foto sua de biquíni estampava um site de celebridade, que destacava sua “excelente forma física, aos 48 anos”. A maturidade ajudou a ligar o botão do dane-se nessas situações.
— Deixei muito de ir à praia. Hoje, não tô nem aí, me libertei.
A atriz só quer gastar energia com o que considera importante. Como refletir (e fazer refletir) sobre a falência da humanidade em “Pi — Panorâmica insana”, em cartaz no Teatro Prudential. Colagem de cenas que espelham o caos, a intolerância e o clima depressivo que devasta a sociedade, o espetáculo marca a volta da atriz ao teatro adulto depois de 20 anos. O exercício tem feito bem não só a ela, como ao público, convidado a gritar, ali, o que está entalado na garganta “em vez de destilar ódio pelas redes sociais”.
— Tive a ideia em Curitiba, cidade do Moro e onde Lula está preso. O lugar é a síntese do país dividido, e o convite para o grito, democrático — diz ela, que não tem Facebook nem Twitter, só Instagram profissional.
A peça despertou a a vontade de não sair mais do palco. Tanto que ela já escreve um espetáculo sobre Virginia Woolf, que marca seu
début
como autora teatral.
Criada nas areias do Leblon pela mãe funcionária pública, Cacau, como é conhecida pelos amigos, é filha caçula de três irmãos e sempre foi a síntese da garota carioca Zona Sul. Mas não aceitou fazer sempre o mesmo papel na carreira, que iniciou aos 15 anos, no Tablado.
Encarnou, entre vários outros, uma retirante nordestina, em “Caminho das nuvens”, e uma cabeleireira suburbana, em “O homem do ano”, longa dirigido por seu marido, José Henrique Fonseca, com quem está há 22 anos. Mãe de um “portfólio de filhos” (Maria, de 18 anos, Felipa, 12, José Joaquim, 8, e Pedro Henrique, 7), se interessa mais em crescer do que aparecer.
Quando engravidou pela primeira vez, aos 30 anos, foi cursar filosofia. É estudiosa também na composição dos personagens (faz até playlists), mas aposta no instinto na hora do jogo cênico.
Quando a barra da vida pesa, descarrega na natureza. Só toma banho gelado e tem como referências as atrizes Marília Pêra, Renata Sorrah e Drica Moraes. Ex-musa dos caras pintadas, se posiciona politicamente quando acha necessário — como agora, por exemplo.
“O que estão fazendo com a cultura adoecerá a sociedade. “Nem os conservadores, a favor dessa nova forma de poder, suportariam a realidade sem arte, é asfixiante”.
A proposta era das mais arriscadas: pegar uma das obras mais louvadas dos quadrinhos e retomar seu universo décadas após o fim da história original. Mas Damon Lindelof conseguiu e fez talvez a melhor série do ano. Ao unir a obsessão com heróis ao conflito racial, "Watchmen" é tão perturbadora quanto urgente.
'Years and years'
Sem alardes, a parceria da BBC com a HBO nos conquista mais a cada novo episódio e assusta ao mostrar um futuro próximo, catastrófico e totalmente plausível. Ascensão de líderes populistas, desemprego em massa, caos tecnológico, desastres ambientais. Tudo isso está lá, contado do ponto de vista de uma carismática família.
'Succession'
Se a primeira temporada de "Succession" foi apenas boa, a segunda fez da série de Jesse Armstrong uma das melhores produções no ar. Ao retratar a disputa familiar dentro de um conglomerado de mídia, a série expôs, com humor mordaz, a desconexão do 1% com o resto do mundo, com direito a uma virada eletrizante no final
'Dark'
Em sua segunda temporada, a série alemã da Netflix aprofundou as qualidades que a fizeram um fenômeno:
tramas intrincadas
, suspense em alta voltagem, ótimas atuações e mais linhas do tempo para desgraçar a sua cabeça. Raras foram as vezes que uma atração usou o conceito de viagem no tempo de forma tão interessante e complexa.
'Chernobyl'
Roteirista de comédias como "Se bebe não case parte II", o americano
Craig Mazin
criou provavelmente a produção mais instigante do ano com "
Chernobyl
", minissérie dramática da HBO. Sem sotaques caricatos,
Jared Harris
,
Stellan Skarsgård
e
Emily Watson
revivem o drama humano e político por trás do desastre nuclear
ocorrido em 1986 na União Soviética
.
Com a segunda temporada de "Fleabag",
Phoebe Waller-Bridge
consolidou seu lugar como uma das criadoras mais originais da televisão (ela também está por trás de "
Killing Eve
"). Ao fazer do telespectador seu cúmplice, Waller-Bridge compartilha os dramas de uma jovem mulher que não pede desculpas por ser quem é — e nos emociona e diverte no caminho. Ah, e falamos
daquele padre
?
'Derry Girls'
Anárquica e hilária, "Derry girls" é uma joia escondida na Netflix. Uma semi autobiografia, a sitcom de Lisa McGee aborda os conflitos na Irlanda do Norte dos anos 1990 a partir da visão ingênua de quatro adolescentes esquisitonas — e um rapaz inglês — que estudam juntos num colégio católico para garotas.
'True detective'
Após uma segunda temporada decepcionante, foi uma alegria ver "
True detective
" retornar à boa forma em 2019. Boa parte do sucesso é graças a
Mahershala Ali
, que nos brinda com uma atuação magistral como um detetive atormentado por um caso não resolvido em três diferentes fases da sua vida.
'Game of thrones'
Correram com a trama! O roteiro ficou cheio de buracos! O final não fez sentido! Foi ridícula aquela cena do (incluir cena que você achou ridícula)!... Pois é, não faltaram críticas ao final de "GoT", mas
mesmo quem detestou, não falou sobre outra coisa
. Foi o desfecho de um dos maiores fenômenos da TV, que certamente ainda vai render assunto.
'Olhos que condenam'
Não é fácil assistir à minissérie de Ava DuVernay para a Netflix. Não pela falta de qualidade — ao contrário, a produção é impecável. Mas sim porque o caso dos cinco meninos negros e latinos, condenados injustamente por um estupro em 1989, evidencia a crueldade do racismo estrutural — e quão pouco avançamos desde então.
"Sex education" é a prova de que dá para falar de sexo para e com adolescentes de forma inteligente — mas incrivelmente divertida. Com franqueza, a série da Netflix mostra que, com todo o acesso à informação da geração Z, a adolescência continua sendo uma experiência tão dolorosa e esquisita quanto era nas comédias dos anos 1980.
'A very english scandal'
Destaque no Globo de Ouro em janeiro, a minissérie da BBC "
A very english scandal
" chegou apenas este ano ao Brasil, via Globoplay. Com direção de Stephen Frears e grandes atuações de Hugh Grant e Ben Whishaw, a história do político que tentou matar seu amante é um irresistível estudo sobre a hipocrisia.
'Veep'
Bem que as "atuações" dos políticos na vida real tentaram tirar o brilho de Selina Meyer. Não conseguiram. Estrelada por Julia Louis-Dreyfus, "
Veep
", comédia da HBO sobre uma política sedenta por poder a todo custo, teve um "series finale" brilhante. Resta agora torcer para que surja uma nova sátira à altura dos absurdos da política no século XXI.
'The ABC murders'
Dirigida pelo brasileiro Alex Gabassi,
“The ABC murders”
é mais uma produção de excelência da televisão britânica que chegou ao Brasil pelo Globoplay. Nesta versão para o clássico de Agatha Christie, quem se encarrega de viver o detetive belga Hercule Poirot é John Malkovich. Em mais uma grande interpretação, ele tira Poirot da caricatura e revela um fato surpreendente sobre o passado dele. A minissérie ainda atualiza a trama ao abordar a xenofobia, que segue rondando a Inglaterra do Brexit.
O ser humano não deu certo? Consegue ser otimista?
Não deu certo. Temos usado a inteligência para a violência e perversidade. É um canibalismo simbólico, ódio, cobiça e poder. Governos que desmerecem o que o anterior fez de bom, um eterno começar de novo. Mas sou otimista, não alimento os momentos
down
. Fico o tempo necessário para ser profunda, mas depois busco e positividade.
Como será a série “Desalma”, escrita por Ana Paula Maia, dirigida por Carlos Manga Jr., e que vai ao ar, no ano que vem, pelo Globoplay?
Flerta com suspense e terror. Faço uma mulher com desequilíbrio psíquico, que tem caso sobrenatural na família. Estou lendo bastante sobre depressão e assisti à série "Dark", como referência.
Como surgiu a série infantil “Valentins”, que a Zola, sua produtora com Zé Henrique, seu marido, fez para o canal Gloob? E do que se trata sua primeira peça?
Sempre inventei histórias para meus filhos dormirem e, como eles gostavam, me animei. Faço uma aula com Carmen Hanning (
mestra em literatura
), e ela disse que o que eu estava escrevendo tinha a ver com Virginia Woolf. Voltei aos livros dela e tive uma identificação imediata, cumplicidade. A peça será em cima da literatura e da vida dela.
O que a leva a aceitar um papel? Já escolheu errado?
Meu norte é a intuição, entender se aquele trabalho é para mim. É preciso estar forte para fazer algo forte, porque o instrumento é você. Todas as vezes que aceitei papel para agradar alguém, não fui feliz.
Sua novela mais recente, “A lei do amor”, foi considerada um fiasco. Encara como fracasso?
Deu errado para todos, ali nada deu certo. Mas foi bonita a postura coletiva de não desanimar. Quando fiz minha primeira protagonista, aos 20 anos, em “Barriga de aluguel”, Daniel Filho me disse: “Quando dá certo, é ótimo para todos. Mas quando algo não vai bem, a primeira a dar o tom é você, sua postura é que determinará o clima”. Nunca esqueci disso.
Havia aquela cultura da revista de celebridade, e eu nunca quis ir para ilha, mostrar casa, filhos. Já me exponho no trabalho, estou ali a serviço de todo tipo de situação. Preciso de mistério. Que confidência sobraria para fazer a uma amiga? Fica tudo tão gasto. Não tenho porque fazer análise em público. Análise, eu pago e... guarde bem os meus segredos (
risos
).
Você é super amiga do Fábio Assunção. O que achou dos memes que fizeram dele
?
Um absurdo. As pessoas perderam a educação, o respeito, a noção compaixão. Será que é um fenômeno brasileiro? Alguém fez o mesmo com o Robert Downey Jr? Fazer máscara de carnaval? Quem acha graça disso?
Como lida com a passagem do tempo?
Comecei a trabalhar cedo, tive que amadurecer logo. É como se tivesse ficado velha muito cedo e começasse a rejuvenescer de espírito. As pessoas só falam do tempo de forma negativa, de rugas. Fora o que não tem jeito, a idade ajuda a nos libertar de ansiedades e grilos. É tão bonito poder ser uma mulher de verdade e não de plástico, que não quer ter idade. Mas me cuido, vou ao dermatologista, tiro mancha, uso laser...
Mas sempre teve esse estilo natural, de garota carioca...
Adoro Havaianas, jeans, vestido longo, saião e o meu passado “hippiezinha do Tablado”. Nunca quis montar uma imagem pública. Se eu pudesse, ninguém saberia nada sobre mim. Se isso não fosse antipático e impossível, hoje, com a internet. O ideal para o ator é que não se saiba com quem é casado, quantos filhos, ideologia política. Há várias atrizes que têm três filhos. Tive quatro e virei a exceção, tipo Guinness.
Te incomoda ter a imagem muito ligada à maternidade?
A culpa é um pouco minha, sou apaixonada, falo dos meus filhos. Mas as pessoas passaram a se relacionar comigo muito nessa questão. Entro em cena e já pensam: “Nossa, mas ela é mãe de quatro filhos, casada há mais de 20 anos, flamenguista...”. Vem todo esse julgamento. Se você se posicionou politicamente então...
O que te fez a mulher que é hoje?
Ver minha mãe lendo livros e o fato de ela ser amorosa. Me deu a segurança emocional de saber que eu tinha com quem contar. Ela sempre foi politizada, independente financeiramente e emocionalmente. Preservo minha individualidade. Me dedico muito aos meus filhos, mas minha individualidade acontece quando vou trabalhar, que é quando tenho tempo pra mim. Não posso me dedicar e depois jogar na cara. Quando eles dizem “queria que você não trabalhasse”, respondo: “A boa mãe é a mãe feliz”. Se ficasse só em cima deles, viraria uma chata, iam querer me ver pelas costas.