Cultura

'Se os políticos falam sobre o passado e não oferecem visão de futuro, não vote neles', diz Yuval Harari, autor de 'Sapiens'

O historiador israelense participou do evento Cidadão Global 2019 ao lado do biólogo americano Jared Diamond em São Paulo
Jared Diamond (esq) e Yuval Harari, no evento Cidadão Global Foto: Ana Paula Paiva / Valor
Jared Diamond (esq) e Yuval Harari, no evento Cidadão Global Foto: Ana Paula Paiva / Valor

SÃO PAULO – Esqueça a polarização nacionalismo versus globalismo . Para o historiador israelense Yuval Harari , autor de best-sellers como “Homo Deus: uma breve história do amanhã” e “21 lições para século 21”, não há contradição entre nacionalismo e globalismo. Pelo contrário: o globalismo, entendido como cooperação internacional para a resolução de problemas que afetam todo o planeta, só é possível graças a valores fomentados pelo nacionalismo, como a solidariedade e a sobreposição dos interesses coletivos aos individuais.

Ao lado do biólogo americano e vencedor do Pulitzer Jared Diamond , Harari, que nunca tinha vindo ao Brasil, participou, na manhã desta quarta-feira (6) do evento Cidadão Global 2019, realizado em São Paulo pelo jornal “Valor Econômico”, editado pelo Grupo Globo, e pelo banco Santander. Harari e Diamond falaram sobre o tema “O mundo em transformação – narrativas do século 21”. No sábado, o israelense estará no Rio para falar no lançamento da 3ª LER - Salão Carioca do Livro, no Teatro Municipal, às 19h30. Os ingressos já estão esgotados.

Em uma palestra de 45 minutos, Harari sugeriu novas definições para palavras que costumam inflamar o debate político – como nacionalismo, globalismo e fascismo – e afirmou que há três principais ameaças ao futuro da humanidade: a guerra nuclear, a disrupção tecnológica e o colapso ecológico.

Leia: Yuval Harari: 'Brasil pode contrabalançar poder de EUA e China'

Para Harari, o nacionalismo não deve ser identificado à xenofobia, ao ódio ao estrangeiro, mas à capacidade de amar o “estranho”, aquele com quem compartilhamos não laços de sangue, mas a nação.

– Nações são comunidades imaginárias – disse Harari. – O projeto nacionalista é criar laços com os estranhos e colocar o interesse da nação acima do interesse individual. Isso foi muito importante para o desenvolvimento da espécie humana. Sem o nacionalismo, viveríamos no caos, não em um paraíso liberal. Sem uma ideia de nação, não é possível criar sistemas de saúde, educação e seguridade social. A democracia não é possível sem um sentimento patriótico.

O israelense também argumentou que globalismo não é abandonar tradições e escancarar fronteiras, mas o compromisso com princípios capazes de regular as relações entre as nações. Essa definição de globalismo não é incompatível com os nacionalismos e um bom exemplo disso, disse ele, é a Copa do Mundo, quando as mais diversas nações concordam sobre algumas regras básicas sem abrir mão do patriotismo.

– Se você gosta da Copa do Mundo, você é um globalista – provocou.

O desafio, afirmou Harari, é incentivar os valores nacionalistas sem jogar lenha na fogueira da xenofobia e do fascismo. E exigir compromisso dos políticos com os problemas que ameaçam o futuro da humanidade.

– O fascismo é perigoso hoje porque nos levaria não só à guerra e ao genocídio, mas também nos impediria de lidar com ameaças existenciais que exigem cooperação global: guerra nuclear, colapso ambiental e disrupção tecnológica – afirmou. – Minha principal mensagem é a seguinte: nas próximas eleições pergunte aos políticos o que eles vão fazer, se eleitos, para diminuir os riscos da guerra nuclear e das mudanças climáticas e como vão regular a tecnologia. Pergunte como eles veem o mundo de 2050. Se eles não oferecerem uma visão de futuro ou falarem constantemente do passado, não vote neles.

Como superar crises

Em sua palestra, Diamond, autor do “Armas, germes e aço”, e do recém-lançado “Reviravolta: como indivíduos e nações bem-sucedidas se recuperaram das crises”, recorreu a exemplos da história e da clínica de sua mulher, Marie, que é psicóloga, para explicar como superar crises – sejam elas nacionais ou individuais.

– O primeiro passo é reconhecer que se está passando por uma crise. Depois, assumir nossa responsabilidade e fazer mudanças seletivas, mantendo o que está funcionando – disse Diamond, carismático, de blazer, gravata e meias vermelhas. – Em tempos de crise, é importante pedir ajuda e se inspirar em modelos testados. Depois, ter paciência e tentar, tentar, tentar e tentar. Falhar, ter paciência, e continuar experimentando.

O americano citou o Japão como exemplo de um país capaz de superar crises e os Estados Unidos como o de uma nação que optou por uma estratégia suicida. Quando soube que não podia mais manter seu milenar isolamento, o Japão, argumentou Diamond, abraçou mudanças, como a indústria e o parlamentarismo, mas manteve suas tradições, como a monarquia. Também recorreu a modelos europeus e americanos para reformar suas instituições e não negou a ajuda oferecida.

Os EUA, disse Diamond, confiaram demais no “excepcionalismo americano” e não foram capazes de lidar com a crise que resultou no aumento da polarização e desigualdade.

– Nós, americanos, pensamos nos EUA como a terra da oportunidade, mas a realidade é que somos um dos países onde a mobilidade social e econômica é mais difícil – afirmou. – Nós não reconhecemos que quem está arruinando a democracia americana somos nós. Não é culpa dos chineses, dos mexicanos ou dos canadenses.

Ele ainda acrescentou que há quatro problemas que ameaçam o futuro da humanidade: as mudanças climáticas, a extinção dos recursos naturais não renováveis, a guerra nuclear e o aumento da desigualdade.

Diamond também nunca havia visitado o Brasil, mas não pôde estender essa viagem. Ele explicou por quê: nesta quinta-feira (7) é aniversário de sua mulher Marie.

– Seria matrimonialmente impossível passar mais tempo aqui – brincou.

Conselhos para o Brasil

Depois das palestras, Harari e Diamond conversaram o Ronaldo Lemos, professor da Universidade de Columbia e advogado especialista em tecnologia. O papo passeou por temas como os riscos da automatização, a relação pessoal deles com a tecnologia (Harari não tem smartphone e Diamond só tem um porque Marie o obrigou) e saúde mental. No final, Lemos pediu que cada um deles desse conselhos ao Brasil.

Diamond alertou para o cuidado com a Amazônia.

– O Brasil corre o risco de um suicídio econômico se não gerenciar direito as suas florestas – afirmou.

Harari pediu atenção para a democracia.

– Enfatizo a importância de manter a democracia funcionando. Em todo o mundo temos visto menos fé na democracia, mas no longo prazo, ela é o que garante estabilidade às nações.

Diretor-geral do Infoglobo, Valor Econômico e Editora Globo, Frederic Kachar ressaltou a interdisciplinaridade e questionou o conhecido ceticismo dos palestrantes.

– Eles são muitas vezes apontados como céticos. Eu discordo. Os alertas deles não podem ser confundidos com pessimismo – disse. – Além da discussão sobre democracia, ciência e política, o contexto exige uma discussão mais profunda sobre ciência e tecnologia.