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Cultura

Secretária do Audiovisual, Katiane Gouvêa é exonerada após duas semanas no cargo

Decisão ocorreu após o secretário Roberto Alvim tomar conhecimento de parecer do MP reprovando contas de candidatura eleitoral de Katiane de 2018
O secretário de Cultura, Roberto Alvim, e a ex-secretária do Audiovisual Katiane Gouvêa Foto: Ministério da Cidadania/Divulgação
O secretário de Cultura, Roberto Alvim, e a ex-secretária do Audiovisual Katiane Gouvêa Foto: Ministério da Cidadania/Divulgação

RIO e BRASÍLIA — Há apenas duas semanas no cargo, a secretária do Audiovisual, Katiane de Fátima Gouvêa, foi exonerada na manhã desta quarta-feira. Segundo comunicado divulgado pela Secretaria Especial da Cultura, a decisão ocorreu após o secretário Roberto Alvim tomar conhecimento de um parecer do Ministério Público Eleitoral com a reprovação das contas de Katiane quando ela foi candidata a deputada federal.

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O clima durante a reunião em que Alvim comunicou a decisão foi tenso, segundo relatos de pessoas ligadas à pasta. Katiane teria se exaltado, gritado e teve que ser contida e retirada por seguranças do prédio onde fica a Secretaria da Cultura.

Katiane era motivo de reclamações que chegavam a Alvim de pessoas próximas e outros funcionários da cultura desde que ela começou a trabalhar no órgão, antes mesmo de sua nomeação sair oficialmente. Um dos últimos episódios de que agravaram o desgaste teria sido uma discussão com o secretário de Economia Criativa, Reynaldo Campanatti.

Procurada pelo GLOBO, Katiane não quis dar entrevista, mas enviou um comunicado : “Se eu tivesse cometido alguma irregularidade, meu nome não teria passado pelo crivo da Casa Civil, que analisa a vida pregressa dos postulantes ao governo. Estou sendo retirada da Secretaria de Audiovisual simplesmente por não concordar com a gestão do Alvim.”

Sem relação com a área audiovisual, ela passou a rondar o núcleo político do setor em junho, quando participou de uma reunião com alguns integrantes da Secretaria Especial de Cultura . Segundo a notícia do encontro publicada na página oficial da Cultura, a reunião trato da Lei do Audiovisual e do fomento à "produção de conteúdos que destaquem símbolos nacionais, o patriotismo e a preservação da família". Ela é integrante da Cúpula Conservadora das Américas, organização de direita que tem entre seus líderes Eduardo Bolsonaro.

— Ela era praticamente a número 2 da Secretaria de Cultura. Começou uma hostilidade gratuita contra o cinema brasileiro. Foi ela que inventou essa história de cancelar a exibição de "A vida invisível" e de tirar os cartazes dos filmes da Ancine — diz Josias Teófilo, cineasta pernambucano que ganhou fama com seu documentário “Jardim das aflições” (2017), sobre o ideólogo de direita Olavo de Carvalho, e chegou a ser  impedido de captar verbas para o longa que preparava sobre os fatos que levaram à eleição de Bolsonaro.

Katiane concorreu na eleição de 2018, em Londrina (PR), pelo PSD com o nome Katiane da Seda, mas não conseguiu se eleger. A reprovação da prestação de sua contas foi pedida pela procuradora regional eleitoral Eloisa Helena Machado na terça-feira da semana passada. Ela apontou quatro "impropriedades" nos documentos apresentados pela campanha da então candidata.

Segundo a procuradora, há divergência sobre datas, comprovantes sem assinaturas, despesas de R$ 1 mil com combustíveis "sem o correspondente registro de locações, cessões de veículos ou publicidade com carro de som" e  discrepância entre dados de fornecedores informados por ela e a base de dados da Receita.

A área técnica do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Paraná opinou pela aprovação das contas com ressalvas. Mas, segundo a procuradora eleitoral, "tendo em conta as irregularidades apontadas, resta comprometida a confiabilidade das contas, que devem ser desaprovadas".

Ela embasou seu parecer, de duas páginas, na resolução do TSE que regulou a prestação de contas nas eleições de 2018. O texto diz que a Justiça Eleitoral deverá decidir "pela desaprovação, quando constatadas falhas que comprometam sua regularidade".

Progressista ou conservadora?

No ano passado, o jornal "Gazeta do Povo", do Paraná, fez um perfil dos candidatos no estado, em que foram feitas várias perguntas. Entre outros prontos, Katiane disse ser contra a descriminalização do aborto, contra a facilitação do porte de armas, contra a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, e a favor da "legalização da união estável homoafetiva e o reconhecimento como entidade familiar".

Já este ano, em um texto assinado por ela no blog "Conexão Política", Katiane cobrou o governo Bolsonaro que houvesse mais nomes conservadores para a área cultural em orgãos como a Ancine, pois "movimentos de direita possuem uma vasta gama de pessoas técnicas que prezam e respeitam a arte e cultura". Ela afirmou ainda que era "chegada a hora de uma nova política pública de cultura".

No mesmo texto, ela citou como referência o documento assinado pelo Movimento Brasil 2100, intitulado “O caos na cultura”, que levou o presidente Bolsonaro a ameaçar criar um "filtro" ou extinguir a Ancine. O documento foi divulgado pela editora conservadora Estudos Nacionais. A maior parte dos filmes condenados pelo documento tratava de temas como sexualidade, gênero e meio ambiente.

Quatro secretários

Katiane Gouvêa foi a quarta pessoa a assumir a Secretaria do Audiovisual só em 2019. O ano começou com Frederico Maia Mascarenhas, que entrou no cargo em meados de 2018 pra substituir o demissionário João Batista de Andrade. Depois, assumiu Pedro Peixoto, produtor e biógrafo de Alexandre Frota.

O terceiro nome a assumir foi Ricardo Rihan, produtor do filme "Real — O plano por trás da história" (2017), que acabou sendo exonerado quando o secretário Especial de Cultura, Roberto Alvim, assumiu seu mandato, no início de novembro. Katiane teve a passagem mais curta entre todos os secretários.

Leia a íntegra da nota da Secretaria Especial de Cultura:

O Secretário Especial da Cultura decidiu exonerar a Secretária do Audiovisual, Sra Katiane Gouvêa, ao tomar conhecimento de que ocorreram fatos em sua campanha eleitoral que, supostamente, podem configurar irregularidade.

Até que esses fatos sejam devidamente esclarecidos pela autoridade competente, o Secretário decidiu por bem, em nome da lisura da coisa pública, afastá-la de suas funções de imediato.