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Sem brado retumbante: falta de planos do governo federal para o bicentenário da Independência preocupa bolsonaristas

Secretaria Especial da Cultura ainda não divulgou agenda de comemorações do 7 de setembro de 2022; militantes conservadores cobraram Mario Frias e André Porciuncula nas redes sociais
Quadro “Independência ou morte”, de Pedro Américo, parte do acervo do Museu do Ipiranga, em São Paulo, que será reinaugurado em 7 de setembro de 2022 Foto: Reprodução / Divulgação
Quadro “Independência ou morte”, de Pedro Américo, parte do acervo do Museu do Ipiranga, em São Paulo, que será reinaugurado em 7 de setembro de 2022 Foto: Reprodução / Divulgação

Os conservadores andam preocupados: falta pouco mais de um ano para o 7 de Setembro de 2022 e o governo federal ainda não soltou nenhum brado retumbante para dar início aos festejos do bicentenário da Independência. Alguns foram reclamar no Twitter. Em 21 de julho, o cineasta Josias Teófilo , diretor do documentário “O jardim das aflições”, sobre o ideólogo bolsonarista Olavo de Carvalho, cobrou o secretário especial da Cultura, Mario Frias, e o secretário de Fomento e Incentivo da pasta, André Porciuncula , pela ausência de preparativos para as celebrações.

“Nada foi divulgado até agora, e não existe nem tempo hábil para lançar um edital”, tuitou. Porciuncula desconversou: “Temos que lidar com a realidade orçamentária do país.” Outros militantes conservadores fizeram coro às reclamações de Teófilo, que suspeita que Frias e Porciuncula teriam mais tempo para preparar as comemorações do bicentenário se perdessem menos tempo brigando na internet.

— Porciuncula diz que os recursos são escassos, mas dinheiro para pagar o salário dele tem, né? Já tinha que ter filme, ópera, concerto e edital na praça — diz Teófilo. — Bolsonaro foi eleito para combater o socialismo internacionalista. Aí vem o bicentenário da independência, a data mais importante dos últimos anos para o Brasil, e eles não fazem nada? Não tenho palavras para expressar a vergonha que sinto.

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Ao menos no papel, o planejamento do bicentenário da Independência começou em 2016, quando o ex-presidente Michel Temer instituiu a Comissão Interministerial Brasil 200 Anos, sob a coordenação do extinto Ministério da Cultura. A comissão é formada por representantes da Casa Civil, da Defesa, da Educação e do Itamaraty e chefiada pelo secretário especial da Cultura, ou seja, por Frias. O decreto determina que a comissão se reúna “mensalmente em caráter ordinário”.

Desde 27 de julho, O GLOBO tem questionado a Secretaria Especial da Cultura sobre as atividades da comissão. Não houve resposta. Alguma notícia de um organismo ligado ao governo vem do Itamaraty, que afirmou, em nota, seguir “as orientações e diretrizes da Comissão Interministerial Brasil 200 Anos”, e planeja ações como mais de 130 eventos comemorativos nos consulados e nas embaixadas brasileiros, além da publicação da coleção “Bicentenário: Brasil 200 anos”, sobre a história da diplomacia nacional, disponibilizada gratuitamente pela Fundação Alexandre de Gusmão. O Itamaraty mencionou ainda outros projetos “em distintas etapas de preparação” em parceria com órgãos como o Instituto Camões e o Instituto Diplomático português. Já o Instituto Brasileiro de Museus informou, sem detalhar, que prepara exposições em algumas das 30 instituições que coordena, como o Museu Histórico Nacional, no Rio, e o Museu Imperial, em Petrópolis. Desde o ano passado, o Biblioteca Nacional realiza a série de lives "200 anos da Independência", na qual convidados discutem os eventos que culminaram na emancipação política do Brasil.

Pelos estados

A reportagem questionou sete secretarias estaduais de cultura sobre as celebrações. Rio Grande do Sul e Pará não responderam. Minas e Bahia são os mais adiantados. Os baianos planejam seminários, exposições e rotas turísticas. Os mineiros pretendem abrir os festejos com a encenação de uma ópera sobre Aleijadinho, em Ouro Preto. Pernambuco recentemente instituiu uma comissão para cuidar da festa. Rio diz que está “construindo a programação com suas instituições museológicas”.

São Paulo promete mobilizar 60 instituições do estado para as comemorações e vai reinaugurar o Museu do Ipiranga , fechado desde 2013. A reforma consumiu R$ 220 milhões. Os recursos vieram do governo, da prefeitura e da USP, de patrocínios privados e da Lei Federal de Incentivo à Cultura . Frias recorrentemente acusa o governador João Doria de omitir que a obra teria sido paga com verbas federais.

— Estamos perdendo uma oportunidade de estimular publicações, inaugurar obras e resgatar símbolos e personagens como Pedro de Alcântara e José Bonifácio, nossos pais fundadores — afirma o sociólogo Eduardo Matos de Alencar, que se meteu na discussão entre Teófilo e Porciuncula no Twitter. — Desde 2013, uma parcela da população se agregou em torno de símbolos como o hino e a bandeira. Um governo que nasceu desse movimento devia valorizar os símbolos e as datas nacionais.

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A historiadora Neuma Brilhante Rodrigues diz que governos do passado aproveitaram o 7 de Setembro para fazer propaganda nacionalista. Foi assim no centenário da Independência, em 1922, marcado pela Exposição Internacional, no Rio, e do sesquicentenário, em 1972, quando os restos mortais de Dom Pedro I foram trazidos de volta para o Brasil.

— Os governos usaram a efeméride para propagar uma imagem de Brasil que interessava. Houve festas, feiras e eventos acadêmicos que vendiam a narrativa de que o Brasil, desde a chegada da família real, em 1808, tinha sido uma experiência bem-sucedida e que o futuro seria glorioso — afirma. — Nas duas ocasiões, havia questionamentos severos a essa narrativa. Em 1922, ocorreu a Semana de Arte Moderna e estourou o movimento tenentista. Em 1972, havia muita contestação ao regime militar e até luta armada.

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Para o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), presidente da Comissão do Bicentenário do Senado, o descaso do governo revela que “o nacionalismo apregoado pelo presidente é fake”. Entre outros projetos, a comissão firmou parceria com a Universidade Católica da América , nos EUA, para publicar panfletos independentistas que circulavam no Brasil Colônia. O livro “Vozes do Brasil: linguagem política na independência (1820-1824)” será lançado no mês que vem.

— A ausência do governo federal é lamentável, mas o bicentenário não passará em brancas nuvens. Se eles não quiserem comemorar, nós o faremos — afirma