Cultura Leo Aversa

Sensualizando a Simone

Quando a editora deste caderno me pediu para fotografar a Simone, o nervoso aumentou. Não é só que ela é um ícone, mas – muito mais importante – é ídolo da minha mãe

Fotografar ícones da MPB ainda hoje me dá uma certa paúra. Pode parecer estranho, estou clicando artistas há mais de trinta anos, mas é que cresci ouvindo rádio FM, conheço as músicas de cor, me lembro de cada disco. É difícil ter a indiferença que as pessoas esperam de um fotógrafo. Pelo contrário, tenho é que segurar a vontade de pedir autógrafo, uma selfie para impressionar os amigos e, claro, um videozinho para a família.

Como já disse antes, sou desses.

Quando a editora deste caderno me pediu para fotografar a Simone, o nervoso aumentou. Não é só que ela é um ícone, mas – muito mais importante – é ídolo da minha mãe. Aí sim a coisa complica. Se a foto não ficasse boa ia ter bronca no almoço de domingo. Mamãe não admite algo malfeito. Os filhos têm que se esforçar. Ainda hoje quem não tiver uma boa desculpa para um fiasco não ganha sobremesa.

Mamãe é dessas.

A cantora Simone Foto: Leo Aversa / O Globo
A cantora Simone Foto: Leo Aversa / O Globo

Maria, a sagaz autora da entrevista , teve a ideia: "e se você fizesse uma foto sexy, mostrando como ela está um mulherão, aos 72 anos"? Na teoria achei ótimo, Simone está muito bem. Porém, ciente da minha timidez para esses assuntos — e várias outros — perguntei: "Maria, você acertou isso com ela?" "Claaaarooo", respondeu. "Você vai na sessão de fotos?" "Hummm, acho que não vai dar..."

Para bom entendedor pingo é letra e logo desconfiei do que ia acontecer. Sim, leitor, Maria até falou, só que não esperou a Simone responder.

A grande artista já entrou na sala me dando uma situada: “Você acha que vou fazer uma foto desse jeito?!” Quase congelei de medo. Me ocorreu correr para a porta, descer os quinze andares de escada e nadar até as Cagarras, onde ficaria morando para sempre. Na hora me pareceu a solução mais sensata, só que me faltou coragem.

Como o leitor já deve ter reparado nos filmes e séries, o fotógrafo é sempre um sujeito bonitão, safo, malandro e sedutor, quase um 007, só que em vez de uma pistola leva uma câmera. Na realidade, como vocês ver nessa foto aí do canto e ler nesta coluna, a coisa é beeem diferente.

Depois de gaguejar um pouco, me ocorreu dizer à Simone que ela estava ótima – o que é verdade – e que, aos 72, muito melhor do que eu. O comentário arrancou gargalhadas na sala: ao que parece estar melhor que eu não é exatamente um grande feito.

Ao menos consegui descontrair o ambiente.

Aproveitando a situação sugeri, num súbito acesso de cara de pau, uma camisa branca aberta, sem nada por baixo. Foi a hora em que as vozes na minha cabeça – que misteriosamente tem o mesmo tom de voz de mamãe- me deram uma bronca: “como você ousa propor algo assim a uma senhora, seu pervertido!”

Dei sorte: a Simone topou, mas a camisa não ficou bem. “Que ideia péssima, hein...”, disseram as vozes. “Além de pervertido, incompetente”, completaram. Já me imaginava sem sobremesa no domingo.

Por sorte surgiu uma jaqueta que resolveu a questão. Woohoo! Mas faltava algo. O que é um pingo para quem já está todo molhado, pensei. “Simone...ahnnn... você pode abrir o botão...ahnnn... da calça?” disse com a voz mais sumida do mundo. “Olha o respeito! Seu insolente!” Disseram em alto e bom som as vozes. Me fiz de surdo e a Simone topou a ideia. Consegui a imagem.

“Deu sorte dessa vez, hein...” admitiram as vozes, enquanto eu saboreava o pudim com creme. Foi só uma trégua, na próxima estarão de volta.

Elas são dessas.