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Cultura

Série de contos de F. Scott Fitzgerald retrata os bastidores de Hollywood

'As aventuras de Pat Hobby' traz linguagem que remete ao jornalismo e é protagonizado por um escritor fracassado
O escritor F. Scott Fitzgerald Foto: Divulgação / Agência O Globo
O escritor F. Scott Fitzgerald Foto: Divulgação / Agência O Globo

Testamento literário de F. Scott Fitzgerald, que morreu precocemente em 1940 como vítima de um infarto, “As histórias de Pat Hobby” são também uma espécie de prenúncio do melhor jornalismo literário feito anos depois. Afinal, o livro de contos funciona também como um quadro da indústria de cinema de Hollywood daqueles anos dourados, mais exatamente da passagem do cinema mudo e preto e branco dos anos 1920 para o filme colorido. A capa da edição brasileira, cheia de cores quentes e combinações aberrantes, parece representar essa transição ao tecnicolor.

Além do mais, as 17 histórias reunidas no volume foram publicadas originalmente a partir de janeiro de 1940, em séries mensais na revista “Esquire”, uma das publicações pioneiras do “novo jornalismo” americano.

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Sobretudo pelo estilo, nota-se uma adequação a certas fórmulas jornalísticas, com títulos diretos, conflitos claros, formato de seriado — todas as histórias são protagonizadas pelo mesmo personagem — e assuntos de largo alcance, em clima bem diverso dos “Contos da era do jazz”, publicados mais de dez anos antes.

Mais pela sua temática, estas histórias também refletem uma parte da vida de Fitzgerald: as situações em que fracassou atuando como roteirista em Hollywood. Conforme lembra o crítico e tradutor José Geraldo Couto no prefácio à edição, a passagem de Fitzgerald por Hollywood ocorre em diferentes oportunidades, sempre malsucedidas, seja pelas características industriais do trabalho nas quais o escritor não se adequava, seja por sua permanente instabilidade.

Capa do livro 'As histórias de Pat Hobby', de F. Scott Fitzgerald Foto: Divulgaçao
Capa do livro 'As histórias de Pat Hobby', de F. Scott Fitzgerald Foto: Divulgaçao

Em 1939, chegou a colaborar com o roteiro do clássico “E o vento levou”, mas seu nome não chega a aparecer nos créditos — a falta de nome do roteirista nos créditos é o tema de uma das histórias deste livro, “A pré-estreia de Pat Hobby”. Tratava-se de um período especialmente conturbado da vida de Fitzgerald, envolvido em problemas graves com o álcool, certo ostracismo — o sucesso dos anos 1920, quando publicou “O grande Gatsby”, já era distante — e as sucessivas internações da esposa Zelda Fitzgerald, diagnosticada então como esquizofrênica.

Toque de humor

Estes são os motivos pelos quais Pat foi interpretado como sendo um alterego de Scott, cujos nomes soam semelhantes. Pat Hobby também é um escritor ultrapassado de roteiros de cinema, além de ter uma incorrigível queda por álcool e mulheres, como Fitzgerald. O tema do fracasso, que rondou os últimos anos da vida do grande escritor, talvez seja o assunto principal destas histórias.

No entanto, como defende o autor do prefácio, as semelhanças terminam aí. Pat Hobby, além de não possuir qualquer talento literário, e nem sequer se parecer com um escritor, é um vigarista que vive de pequenos golpes e grandes bicos — características aliás que dão o tom humorístico e aventureiro às suas histórias. A certa altura, ficamos sabendo que “ler em demasia fazia sua cabeça latejar”.

Intelectualmente tosco, pouco confiável, nada atraente, invejoso, ladrão de ideias, mentiroso compulsivo, especialista em pedir dinheiro emprestado — “Para pedir dinheiro emprestado com elegância é preciso escolher o momento e o local” —, o protagonista vai expondo involuntariamente suas piores mazelas enquanto busca arrumar um contrato de trabalho decente, mais pela grana mesmo.

Já o narrador, em terceira pessoa, se não faz qualquer julgamento moral do protagonista, zomba dele o tempo inteiro, assim como também zombam os outros figurões de Hollywood, que costumam apresentar Pat como “o melhor escritor canhoto” das redondezas.

Outro aspecto interessante do livro: embora se proponha a representar um mundo glorioso e repleto de grandes estrelas, as histórias são contadas pelo olhar de uma figura sem nenhuma importância naquele contexto, dando ao conjunto uma visão de Hollywood nada romântica e submundana.

Nesse sentido, há espaço também para diversas ironias aos cacoetes e às modas dos estúdios, como o jeito que os roteiristas davam de enfiar o tema da guerra em tudo. E nas histórias também registram-se as novidades: o ressentimento que Hobby sente por Orson Welles, às vésperas do lançamento de “Cidadão Kane”, é o tema de outro conto, que se inicia com a pergunta que o protagonista faz a um amigo: “Quem é esse tal de Welles?”

A pergunta não tem resposta porque Orson Welles é um personagem menor nestas histórias totalmente hilárias de Fitzgerald. O que importa saber, na verdade, é quem é esse tal de Pat Hobby. E por que afinal não lhe oferecem uma sala decente e um contrato duradouro com um bom ordenado pago em parcelas semanais.

“As aventuras de Pat Hobby”

Editora: Todavia.

Tradução: José Geraldo Couto

R$ 49,90

Cotação: Ótimo

*Victor da Rosa é crítico e professor de literatura da Universidade Federal de Ouro Preto