Cultura

Simone: 'Tenho tesão pela vida e estou bem viva sexualmente'

Cantora fala do novo disco, do amor por ambos os sexos, revela que a violência de um abuso quando era criança impactou para sempre a sua relação com os homens e conta que quis ter filho com Toquinho
Simone: 'Gosto de namorar, se transar, de sentir prazer' Foto: LEO AVERSA / Agência O Globo
Simone: 'Gosto de namorar, se transar, de sentir prazer' Foto: LEO AVERSA / Agência O Globo

Nada é capaz de derreter mais o coração de Simone atualmente do que Lola, a biewer yorkshire terrier de 4 anos que lhe fez companhia durante o isolamento. Sentada no sofá do salão de festas de seu prédio, em São Conrado, a cantora beija, abraça e diz à cadela: "Vem com a mamãe". Simone é carinhosa. E, aos 72 anos, está apaixonada. Pela vida, garante.

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É esse sentimento que rega o novo disco da artista, "Da gente" (Biscoito Fino), lançado na última sexta-feira (18), nove anos após seu último álbum ("É melhor ser", de 2013). O trabalho soa como um projeto dos anos 1970, trazendo o vigor e a musicalidade com que Simone abalou os alicerces da MPB em seu início de carreira, com aquele vozeirão e enorme carisma. Traz também um tom esperançoso e de volta por cima.

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Além da vontade de fazer algo bonito após dois anos de pandemia, compartilhada por todos os artistas envolvidos, a "culpa" do resultado, segundo ela, é do "tesão". Desejo e sensualidade estão escancarados no disco, que tem direção artística de Zélia Duncan e musical do músico pernambucano Juliano Holanda, em canções como "Boca em brasa", "A gente se aproveita" e "Nua". As composições são de artistas nordestinos, região que a baiana quer celebrar "pela riqueza, poesia, calor, ritmo e pelo povo, a coisa do barro".

Novo disco de Simone traz, em sua maioria, canções de mulheres nordestinas: 'Acho que a gente tem que fortalecer umas às outras' Foto: LEO AVERSA / Agência O Globo
Novo disco de Simone traz, em sua maioria, canções de mulheres nordestinas: 'Acho que a gente tem que fortalecer umas às outras' Foto: LEO AVERSA / Agência O Globo

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Na conversa a seguir, Simone detalha o novo álbum e fala da paixão por ambos os sexos. Revela que sua relação com os homens sempre foi marcada pelo trauma de um abuso que sofreu na infância por parte de um conhecido da família. Conta que planejou ter um filho com o compositor Toquinho e lista suas amigas no universo repleto de rivalidades da MPB. Simone lamenta ainda a perda de uma irmã no ano passado e afirma: "Tenho pavor da morte, não quero saber dessa senhora".

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"Da gente" é um disco sem excessos. Aos 72 anos, chegou a um lugar essencial?

Fiz muita coisa com orquestras e há tempos não queria mais. "É melhor ser" ( 2013 ) já foi mais enxuto, "Em boa companhia ( 2010 ) também. Me assustei um pouco por não ter piano, mas tenho confiança enorme em ZD ( como Simone chama Zélia Duncan ), uma alma gêmea. Comprei ( a ideia ) com sobremesa e tudo. Ela falou: "Vamos fazer um trabalho com o Juliano ( Holanda )". Eu disse: "Vamos!". Para mim, a palavra dela basta. É muito dedicada, séria, uma maravilha.

Esse frescor de que você fala vem do tesão mesmo. Todo mundo fez querendo demais. Ficamos dois anos aprisionados, o medo da morte, a coisa da finitude... Todo dia eu achava que tinha contraído esse vírus.

Perdeu gente próxima?

Perdi minha irmã em junho. Ela saiu e teve um ataque do coração. Era uma época que a pessoa morria e logo tinha que ser enterrada. Chegou a ir para o hospital, mas ficou a dúvida se infartou por causa da Covid ou não. Uma coisa horrível. Que doideira! Esse vírus foi uma régua que passou e estamos vencendo. Temos que olhar para frente.

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No disco, você fala sobre a importância de viver o agora...

É o agora que importa! O passado já foi, e o meu é looooongo ( risos ). Muito maior que meu futuro... Pô, 72 anos! Não quero e nem há a possibilidade de chegar aos 140... Estou feliz. Levei tempos para fazer um novo trabalho porque queria esse, estava na minha cabeça há muitos anos.

É um álbum voltado para o Nordeste. Ao mesmo tempo em que mostra o que anda se fazendo por lá, é também uma volta às raízes, no sentido de valorizar a cultura seu território, uma região que sofre preconceito do Brasil...

Uma estupidez, né? Sou nordestina e gosto disso. Quando comecei a cantar, falavam que eu dizia ser baiana por status. Mas o Brasil é preconceituoso com o Nordeste. Esse negócio de preconceito... Nem sei mais como se fala hoje... Preto, branco amarelo, pardo... Tenho medo.

Às vezes, falo com o Martinho ( da Vila ) . Ele me chama de "minha nega". Penso: "Graças a Deus!", e respondo: "Ô meu nego, como é que tá o preto?". É um alívio falar assim. O cerco não precisa ser dessa maneira, né? É uma coisa afetuosa. Não tolham os nossos afetos. Vamos olhar com respeito, carinho.

Simone: 'Nunca me reprimi, só se vive uma vez' Foto: LEO AVERSA / Agência O Globo
Simone: 'Nunca me reprimi, só se vive uma vez' Foto: LEO AVERSA / Agência O Globo

A maioria das canções é de mulheres nordestinas. Socorro Lira, Karina Buhr, Cátia de França... Qual a importância de afirmá-las?

As mulheres... Ô coisa linda! Teve um dia que eu falei para ZD: "Deu uma olhada aqui como nós estamos?". Somos sete mulheres, olha que espetáculo. Não foi nada pensado, ninguém está querendo impor nada, de repente, estavam lá Cátia de França, Socorro Lira, ela, eu, Karina Buhr, Isabela Morais, Rogéria Dera, Joana Terra... Olhe a quantidade de belezas! Acho que, realmente, a gente tem que fortalecer umas às outras.

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Mas a rivalidade entre cantoras da MPB é famosa. De quem você é amiga e de quem não é?

Era amiga de várias pessoas. Mas nunca fui de muita gente. Tem um gap aí, porque você não vê as pessoas... Eu me dava bem com Elis, mas não era amiga... Rita ( Lee ), que conheci aos 18 anos, Marina ( Lima ), que adoro, é a nossa Sade, e ZD são um luxo. E está bom, entendeu?

"Haja terapia" é um hino à sobrevivência na pandemia, né? Como foi seu encontro com essa música?

Chorei no primeiro dia que ouvi. ZD disse: "Ouve isso aqui". Eu estava sentada no sofá, e entrou em mim uma energia... Comecei a chorar, eu, ela, Kati ( Almeida Braga, dona da gravadora Biscoito Fino ) ficamos impactadas. Juliano é uma fábrica. Ele e Zélia colocam a gente para interiorizar, sonhar e voar.

Simone: 'Minha família foi acolhedora comigo. Nunca falei na minha casa que tinha relacionamento com mulher, com homem, não precisava'  Foto: Divulgação/ Nana Moraes
Simone: 'Minha família foi acolhedora comigo. Nunca falei na minha casa que tinha relacionamento com mulher, com homem, não precisava'  Foto: Divulgação/ Nana Moraes

A letra dessa música diz: "Metade das coisas que ele diz não faz o menor sentido/ E a outra metade, eu preferia mesmo era nem ter ouvido/ Já era para ter saído"...  É um recado para alguém específico?

Cada pessoa manda no peito de alguém. Com certeza, é, sim, um desabafo enorme. A gente está vivendo num mundo horroroso. O vírus passou a régua e não foi uma questão de merecimento. "Haja terapia" me levou a muitas situações de fatiamento da minha vida, da finitude. Um descontentamento com a falta de humanidade, o descaso, as mortes tratadas como sabão, do encolhimento de pessoas que poderiam fazer o bem.

É uma questão de posicionamento perante o ser humano, a vida, a si próprio, de olhar para o espelho e não se envergonhar do que vê.

Enquanto não tiver o tripé educação, cultura e saúde, coisas que todo mundo promete e não cumpre, não vai adiantar nada. Como falava Gonzaguinha: "Palavras, palavras, já não aguento mais/ Você só fala , promete e nada faz". Cada vez a distância entre as classes é maior... Se você tem um carro maravilhoso e for um mal motorista não adianta nada.

Há eleições em outubro. Tem esperança de melhora? Você já falou que nunca votou no PT. E se a disputa for entre Lula e Bolsonaro?

Nunca deixei de votar. Poderia até não comparecer, mas não é o meu perfil. Óbvio que quero a Humanidade melhor, um país justo, que dê condições aos mais pobres, escola, moradia, saúde. Não perdi a esperança. Mas não posso afirmar, preciso ouvir mais. Crianças desse país merecem um dia ter alguém que vá mudar isso.

Você já se definiu como "analfabeta digital" . Mas, na pandemia, se virou, encarou as lives de maneira corajosa, fez 37! Sente-se renovada?

Tenho uma relação péssima com celular, perco, não respondo mensagens... Mas ele me salvou. Tinha horror desse negócio de Snapchat, essa coisa de come um bife e já fotografa, vai na varanda e tira uma foto do pé. A gente passeia aqui no calçadão e é um monte de gente fazendo bico.

Mas fui, aos trancos e barrancos, com o violão todo errado, mas mostrei a minha cara. Precisava fazer isso, para mim e para todo mundo, a gente tem que ajudar de alguma maneira, né? Tenho fraqueza com negócio de hospital, em enterro eu não vou. Só vi uma pessoa morta, a minha mãe. E está bom. Tenho uma amiga que diz tudo que vai acontecer no velório dela. Eu é que não vou!

As lives me salvaram porque eu precisava colocar aquilo para fora. Moro num lugar lindo e não podia sair que a polícia tirava. Ceifaram a nossa liberdade e voltamos a uma época que, para quem viveu a ditadura, não foi nada legal. Meu Deus, não posso sair. Por que? Porque tinha um bicho que a gente não sabia o que era...

Ah, quero deixar bem claro que não sou Bolsonaro, hein? Pelo amor de Deus, claríssimo! Mas, menina, o que comprei de Lysoform... Apertei o botão errado na hora de comprar e pedi uma quantidade que dava para limpar Niterói! ( risos ).

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Você sempre foi corajosa em relação às escolhas na carreira e na vida. Jamais se reprimiu, pelo que eu saiba, ou escondeu seus afetos. Hoje, quando lança um disco com a proposta de se desnudar e posa sem maquiagem, está mais bem resolvida do que nunca?

Nunca me reprimi, só se vive uma vez. Sempre fui muito bem resolvida, mas também tem as lutas, né? Meus problemas, resolvo comigo primeiro. Faço terapia há tempos. Durante um período, meu terapeuta foi o espelho. Ali, não dá para mentir. Você olha e fala: "Como posso ser tão babaca olhando para mim mesma e mentindo?".

Minha família foi acolhedora comigo. Nunca falei na minha casa que tinha relacionamento com mulher, com homem, não precisava.  Houve um período difícil, mas nunca deixei de falar a verdade. Meu pai me levava para o futebol, para consertar carro, tive uma vida linda com eles e fui respeitada sempre. Mas ele tinha cuidados. Eu era uma criança quando comecei a jogar basquete e havia esportes mal vistos para a mulher...

Futebol...

Futebol? Não podia. Eu gostava de basquete, bicicleta, carro. Ganhei minha primeira competição num velocípede. Tinha 8 anos. Sabe qual o presente o clube me deu? Uma cozinha! Fiquei puta! Eu queria uma bola, uma bicicleta... Mas, sabe, sempre assumi meus erros, defeitos, minhas cagadas. Porque já era difícil para mim... Eu era muito alta, aquela coisinha magra, andava desengonçada, a cabeça do lado de fora... Era "Olivia Palito", "Belém-Brasília"... Chegou uma hora em que falei: "Não!". Brinco que eu ainda não sabia o que eu era, mas se soubesse...

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Teria rodado a baiana mais cedo?

Claro! Nunca fui doida varrida. Tenho esse lado pé no chão. Comecei a beber vinho aos 38 anos, se posso falar de um vício... Parei de fumar há 30 anos. Cigarro, porque nunca fumei maconha. Até queria, para ver se relaxava, mas não vou impor... Não que tenha preconceito ou tabu. Experimentei e não gosto, fazer o que? Não gosto de cebola, de alho, não vou comer para ficar passando mal.

Teve uma época em que meu pai ficou doente e comecei a tomar uísque. Tomava um gole e já dava uma relaxada. Mas chegou uma hora em que eu não podia mais beber aquilo. Porque não tenho medida, entendeu? Quando descobri o Danone de pêssego... Comi tanto que não posso nem ver.

Uma vez, fui fazer uma cirurgia, essas coisas de mulher, e levaram para mim aquele Danoninho rosa que "vale um um bifinho", sabe? Nossa... Também não posso nem mais ver.

Simone: 'Não gosto da palavra sapatão. Também não acho lésbica bonito. Gosto de usar gay, acho alegre' Foto: Divulgação / Nana Moraes
Simone: 'Não gosto da palavra sapatão. Também não acho lésbica bonito. Gosto de usar gay, acho alegre' Foto: Divulgação / Nana Moraes

Disse em uma entrevista que o tempo correu a seu favor, te ajudou a colocar seus demônios para fora. Que demônios foram esses?

Como cantora, o pavor é de perder a voz. Tenho uma coisa contra mim que é a ansiedade. Sou muito ansiosa. Tive crises e não sabia o que que era. Quando você se dá conta, ela tomou todo espaço. Foi difícil. Eu passava mal de dor física, porque jogava para o corpo. Senti muitas dores, parecia uma faca nas costas.

Tive depressão gerada por ansiedade. Quando terminou a última live, desmontei. Amigas de São Paulo vieram de São Paulo me dar apoio. Aí você vê quem é quem na sua vida...

Tive uma hepatite medicamentosa com chá. Estava com fascite plantar, que me levou a fazer um tratamento com acupuntura e chá. Era o começo de uma turnê, fiz um show morrendo. Ninguém soube. Eu verde, com os olhos amarelos. Me safei disso. Mas ali formou um bloco de amigas que chamo de "pelotão da luz".

A "Magic" Paula ( ex-jogadora de basquete ) virou chofer, me levava e buscava do médico. Agora, faço um trabalho com uma fisioterapeuta maravilhosa. Tenho que aproveitar meu momento, que é agora.

Zélia Duncan me contou numa entrevista que, quando se descobriu lésbica, achou que estava doente e que demorou a se sentir digna de conviver com os outros. Como foi internamente quando você se deu conta de que também gostava de mulher?

A gente nasce e reconhece a mãe pelo cheiro, aquele carinho da mulher total e irrestrito... Dizem que todo mundo se apaixona pela professora, né? Amava a minha professora, a Tia Iara, mas nunca me apaixonei por ela, só por professores. Talvez eu tenha escondido o desejo em algum momento. Tinha vontade de casar, de ter filhos. Nunca tive problemas com homens, apesar de ter sofrido abuso. Os poucos homens que tive souberam o que eu passei. Eu dizia: "Não faça isso por que não é legal pra mim".

Lembro que, quando eu tinha 7 anos, minha irmã tinha uma amiga que eu adorava ver. Não ficava com tesão, mas sentia uma coisa... Na minha adolescência em Salvador, fui muito cortejada por mulheres, mas nunca tive nada. Tinha uns caras que eu queria namorar e não me quiseram. Aí, falei: "Ah tá, então, vou para quem me quer". Fui embora! Não foi transição, foi acontecendo. Aquela coisa do Martinho: "Já tive mulheres de todas as cores, várias idades, muitos amores" ( risos )...

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Foram tantas assim?

Não, mentira! Nunca fui de gandaia, de trair, sou quietinha, devo ser muito possessiva, porque me entrego. Então, é aquela cobrança. Sou um pouco infantil em relação a isso, sei que sou. Sou carente, maior abandonada, a sétima filha, tinha que gritar para ter carinho. Por isso falo alto, Deus me deu essa voz: "Pelo amor de Deus, me olhe" ( risos ).

Até que um dia... Demorei, sabe, mas acho que não tinha culpa. A coisa mais difícil talvez tenha sido falar para o meu analista que sentia atração ( por mulheres )... Aquilo para sair foi uma tremedeira.

Todo fim de semana eu pegava o Fusca e ia acampar em Ubatuba com a minha irmã. Um dia, encontrei meu analista no acampamento. Aí, nunca mais precisei falar nada sobre isso ( risos ).

Nunca conversou sobre o assunto com a sua família?

Quando eu tinha 23 anos, estava ensaiando no Rio e meu pai me ligou dizendo: "Vou aí, quero ter uma conversa com você". Chegou no bar do hotel, pediu uma caipirinha de lima de vodka, e eu outra. Olhou para mim e disse que fulana de tal, uma pessoa que eu tinha namorado, tinha dito não sei o que de mim. Iam reclamar com ele! ( risos ).

Então, olhou para mim e falou: "Você é feliz como vive?". Respondi que sim. E ele: "É o que me interessa". Aquele homem... Eu olhava para o meu pai quando criança e chorava de medo. Um respeito, sabe? Ele foi meu melhor amigo. Cuidava das mulheres dele. Mas era aquela coisa: os homens podiam ir para a gandaia, fazer o que quisessem, as mulheres, não.

Esse abuso que você mencionou, como ele te marcou e como buscou se curar?

É uma violência que marca a sua vida toda. Era um conhecido do meu pai e não falei para a minha família. Aquele filho da puta já morreu. A primeira vez que discuti isso foi em terapia. Eu tinha menos de 10 anos. Não foi um estupro. Lembro da atitude, da minha cabeça ser empurrada e ele querer enfiar o membro na minha boca. Acho que ele gozou na minha boca.

Para tirar isso de mim foi muito difícil. Recentemente, precisei tomar um remédio e foi muito difícil. Contei ao médico o que havia acontecido. Pedi que me desse pílula e não líquido. É um remédio para o estômago, uma película que protege faringe, esôfago. A primeira vez que tomei... Puta que o pariu!

Fazia a associação com sêmen?

Na hora! Aí descobri uma maneira de tomar o remédio e essa é a grande vitória, a volta por cima: abro a minha garganta e jogo ele lá dentro, não fico com ele na boca.

Também teve o caso de um ginecologista de São Caetano do Sul, que me examinou e disse: "Seu hímen é complacente". E eu: "Como? O que é isso?". Eu não tinha dado para ninguém, sabe, tinha uns 15 anos, e ele falando daquele jeito. Na primeira relação que tive ( com um homem ), eu não sangrei. Ali também houve um abuso. Ele foi um escroto.

As mulheres da minha idade... Nossa, passaram muita coisa. Acho que meu pai, também mulherengo, tinha clareza e não queria que a gente passasse por isso. Porque era aquela coisa "homem pode tudo". Pode tudo é o cacete!

Quando eu estudava no colégio Ipiranga e tinha uns 12 anos, comecei a jogar basquete. Iam começar as olimpíadas e o diretor, Angelo, me chamou: "Chegaram os uniformes novos, não quer experimentar?". Ele queria que eu trocasse de roupa ali. Aquilo foi assédio! Eu era criança, cara.

Outra coisa que Zélia disse é que as meninas mais jovens devolveram a ela o "orgulho de ser sapatão"...

Não gosto de usar "sapatão". Também não acho "lésbica" bonito. Gosto da palavra "gay", acho alegre.

Pegando o gancho da canção "Nua", que está no disco... É verdade que você gravava pelada no estúdio?

Houve vezes... Mas não que é que eu chegava tirando a roupa ( risos ). Sinto muito frio e estúdio é sempre gelado. Para mim, é um desconforto total, estou sempre com uma camisetinha segunda pele. Teve um dia em que falei: "Bote um biombo" e me separaram completamente de todos. Ficava ali sozinha. Se eu estava com roupa apertada, abria.

Um dia, caí na asneira de contar isso para o Bituca ( Milton Nascimento ) que, na época, fazia umas reportagens. Ele me perguntou: "É verdade". Eu falei: "É". Pronto, aí virou verdade. Não eram todas as vezes, mas, sim, o biombo, eu lá sozinha na minha "maluquês", imaginando sabe Deus o que... Mas só coisa boa, tá? ( risos ). Não estava fazendo mal a ninguém...

Ah, gente, roupa é muito chato. Se eu pudesse, andava sem roupa. É muito chato. Tem hora que a gente é escrava... Mas também já passei por isso, só uso jeans.

O fato de você só subir no palco de branco está ligado à religiosidade?

Está. Tive contato com o Mario Troncoso, da Fraternidade Branca, que trabalha com mestres espirituais, cores, cheiros pelos quais se recebe as energias, os chacras. Cada mestre tem uma essência ( Simone, aliás, prepara sua própria essência e borrifa por onde passa ) e um raio. O meu é recebido através do plexo solar. A cor é o branco. Comecei a entrar nessa vibração que é linda. Conheci o Mario em 1973. Tudo que ele falava para mim acontecia.

A história do apelido "Cigarra" eu recebi num banheiro em Itaipu. Estava fazendo xixi sozinha e ouvi três vezes. Sabe quando sussurram no seu ouvido? Da terceira vez que ouvi, dei um pulo e liguei correndo para o Bituca, que deve ter falado pro Ronaldo ( Bastos, parceiro de Milton Nascimento na famosa música gravada por Simone em 1978 ) com o mote da canção.

Toda vez que entro no palco, um lugar sagrado, peço licença. Sou um instrumento, a energia passa, depois eu passo. O canto é muito forte, o recebimento dessa luz que entra e varre tudo de boas coisas.

Simone: 'Tinha vontade de casar, de ter filhos. Nunca tive problemas com homens, apesar de ter sofrido abuso. Os poucos homens que tive souberam o que eu passei. Eu dizia: Não faça isso por que não é legal pra mim' Foto: Divulgação / Nana Moraes
Simone: 'Tinha vontade de casar, de ter filhos. Nunca tive problemas com homens, apesar de ter sofrido abuso. Os poucos homens que tive souberam o que eu passei. Eu dizia: Não faça isso por que não é legal pra mim' Foto: Divulgação / Nana Moraes

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Voltando ao disco, há várias músicas românticas ali. Falam de relacionamentos, desejo, fins, recomeços... Você está apaixonada? Muita gente se separou ou casou na pandemia, qual foi o seu caso?

Eu sou apaixonada. E estou quieta. A pandemia, para mim, foi uma continuação. Uma coisa de ficar todos os dias próximo, perto, dividindo tarefas, serviços. Sou caseira. Nesse aspecto, a pandemia não me afetou.

Mas está namorando? Com quem passou a pandemia?

Não foi sozinha... ( desconversa ). E a Lolinha ( a cadela ) não é uma pessoa? ( risos ).

Aos 50 anos de carreira, sente-se satisfeita?

Sim. Gosto muito de trabalhar. Tenho tesão em fazer o que eu faço. Literalmente, tenho muito tesão pela vida. Sou forte, gosto de viver. Eu amava a Hebe. Um dia eu a vi num restaurante com um prato de ostras enorme e falei: "Então, é isso". Porque ela falava "gente, eu tenho tesão".

Você fala de libido em relação à vida. Mas e o sexo, qual a dimensão que ele tem para você?

Não é a coisa mais importante do mundo, mas faço questão. Gosto de namorar, de transar, de sentir prazer. Estou bem viva sexualmente. Quando entrei na menopausa foi muito ruim. Minhas irmãs passaram longe, sobrou tudo pra mim!

Comecei a fazer tratamento, conheci o Doutor Eucimar e falei: "Doutor! Todo dia você é lembrado em algum canto, gritam o seu nome por aí ( risos )". Isso foi com 46 anos. Depois da reposição hormonal, rapidinho foi embora. Era um saco. Eu estava conversando e, de repente, começava a suar. Estava frio! Era um calor aqui atrás ( passa a mão na nunca ).

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É tranquila com a sua opção de não ter tido filhos?

Ah, sim. Não tive filho porque não engravidei. Mas tentei. Teve uma época em que quis muito, numa hora em que achava que dava tempo de criar. Gosto tanto do nome Maria que iria se chamar Maria Maria. Era um plano com alguém da MPB, mas falhou...

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Com Ney Matogrosso , com quem já contou ter namorado?

Não, eu quis ter filho com o Toquinho, namoramos por um tempo. Uma época eu achava que estava grávida. Tive uma cachorrinha que teve gravidez psicológica, e acho que também tive. Porque eu sentia a a barriga. Que coisa doida! Quando veio a menstruação, falei: "Não era para ser". Tenho muitos sobrinhos, 55. Um deles tem 62 anos, tem pequerrucho também. Não me causa nenhum problema não ter tido filho.

O que sente quando pensa na morte?

Não quero saber dessa senhora, morro de medo de morrer, nunca vou me acostumar com essa ideia.