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Cultura

Slam: a poesia falada da periferia se fortalece em solo brasileiro

Tema de documentário que estreia na quinta-feira, as batalhas de versos ganham mais vozes femininas e servem como megafone para pautas identitárias
Competição de slam na Flup Foto: Divulgação
Competição de slam na Flup Foto: Divulgação

RIO - As regras são simples: cada poeta tem até três minutos para se apresentar, sem acompanhamento musical, com tema livre. O júri, formado aleatoriamente entre os espectadores, julga quesitos como originalidade, performance e recepção do público, dando uma nota de 0 a 10.

Idealizado na década de 1980, em Chicago, pelo poeta Marc Smith, o poetry slam , misto de expressão artística com competição, completa dez anos no Brasil, tendo como marco inicial a edição inaugural do Zona Autônoma da Palavra (ZAP), em São Paulo, considerado o primeiro slam nacional.

Hoje, a cena de poesia falada brasileira tem se proliferado e ganhado características particulares, como a preferência por palcos externos, ocupando o espaço público, enquanto em países tradicionais na modalidade, como Estados Unidos, Canadá e França, os poetas costumam ter bares e teatros como sede.

— O número de mulheres slammers cresceu vertiginosamente. As pessoas que frequentam são mais jovens, cada vez mais. E a periferia tomou muito conta da cena. Consequentemente, ele ganhou esse perfil de rua, que também é uma diferença em relação a quando começamos — aponta Roberta Estrela D’Alva, fundadora do ZAP e pioneira do slam brasileiro.

Roberta assina com Tatiana Lohmann a direção de “Slam — Voz de levante”, documentário vencedor de dois prêmios no Festival do Rio do ano passado, que chega ao circuito comercial na próxima quinta-feira. Em meio a debates sobre o universo da poesia falada, o filme mostra a primeira edição do ZAP, em 2008, a participação de Roberta na Copa do Mundo do Slam, na França, em 2011, e da paulistana Luz Ribeiro, em 2017, além de pioneiros da poesia falada americana, como Smith.

O longa tem ainda como cenário recorrente a Rio Poetry Slam, competição organizada por Roberta que faz parte da Festa Literária das Periferias (Flup) desde 2014 e é considerada a maior disputa de poesia falada da América Latina, recebendo os principais nomes do slam nacional e internacional.

A Flup é vista como um dos polos nacionais da modalidade, ao pôr em contato diferentes artistas que despontavam nas periferias das grandes capitais do Brasil. Foi num desses encontros que surgiu a ideia da poeta Leticia Brito de fundar o coletivo Slam das Minas do Rio. A carioca teve contato com Tatiana Nascimento — que, junto com Meimei Bastos, havia criado o primeiro slam só de mulheres em Brasília, em 2015 — e organizou a versão carioca em 2017, reunindo 400 pessoas na estreia no Largo do Machado. Hoje, o Slam das Minas está também presente em estados como São Paulo, Bahia, Pernambuco e Pará.

Segundo Leticia, os saraus tradicionais ainda são espaços muito elitizados, o que faz com que muitos poetas não se identifiquem com os lugares. No slam, por outro lado, elas veem um lugar seguro para expressar suas visões políticas e artísticas com mais liberdade.

— O slam nos deu um poder de fala. Essa forma de poesia nos deu dignidade, e me possibilitou viver de arte — diz Leticia, que, assim como suas cinco companheiras de Slam das Minas, vive exclusivamente da poesia, seja com a venda de livretos ou passando o chapéu nos eventos de batalhas, que ocorrem uma vez por mês.

Diante do caráter urbano, com força nas periferias, a cena do slam no Brasil é fortemente atravessada pelas pautas identitárias. Racismo, machismo, homofobia são temas incansavelmente rimados e poetizados. A poesia falada tornou-se uma espécie de megafone (literalmente, às vezes) das vozes e vivências de artistas que atuam fora dos circuitos de arte tradicionais — apesar de cada vez mais ocuparem estes espaços, com muitos slammers lançando livros. A busca por representatividade é uma métrica adotada por esses poetas.

— O slam no Brasil tem um forte pulso do negro, e é maravilhoso ver como mesmo nos diversos estados, sotaques, estilos, os negros estão por toda parte, falando dos mesmos problemas: genocídio da juventude negra, resgate de autoestima, sexualização do corpo negro, escravidão, eugenia, enfim, racismo — comemora a pernambucana Bell Puã, destaque da última edição da Festa Literária de Paraty (Flip) com uma apresentação potente.