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Cultura

'Sou favelada, danço funk e tenho orgulho das minhas raízes', diz Lellê

Prestes a participar de um filme da Netflix e de série no GNT, ex-integrante do Dream Team do Passinho prepara show no Rock in Rio e lança o primeiro single de sua carreira solo, ‘Mexe a raba’
Lellê Foto: Rafael Pavarotti
Lellê Foto: Rafael Pavarotti

RIO — O black power da menina, que até os 14 anos teve o cabelo alisado pela mãe, foi crescendo junto com seu orgulho negro — à medida em que entendia quem era e a importância de valorizar suas raízes, a juba aumentava. Agora, sete anos depois, ela aparece mais armada do que nunca no clipe “Mexe a raba”, primeiro single da carreira solo de Lellê, ex-Lellêzinha do Dream Team do Passinho, que será lançado amanhã na internet, pelo selo Blacktape, de Preta Gil. Dirigido por Lellê (em parceria com o amigo Jeff), que assina também o roteiro, o vídeo tem um elenco 100% negro, dançando como se não houvesse amanhã.

Nascida  na Praça Seca e criada pela mãe manicure (o pai morreu quando ela tinha 7 anos), Alessandra Aires Landin, a Lellê, de 21 anos, aprendeu a dançar lá pelos 6, graças ao irmão de criação, que trazia os passos dos bailes funks e os ensinava a ela. Foi descoberta numa batalha de passinho e escolhida para integrar o grupo de dança que a projetou.

Com o primeiro salário, comprou uma geladeira para a mãe e outra para a avó. Ganhou papel em “Malhação”, fez comercial com o cantor colombiano Maluma e cantou com Alicia Keys no Rock in Rio 2017. Agora, ela fará seu próprio show no Palco Sunset (é a atração de abertura). Também vai rodar o filme da Netflix “Ricos de amor”, de Bruno Garotti (o mesmo de “Cinderela pop”) e, em agosto, estará em “Autênticas”, série do GNT sobre os bastidores da vida de vários artistas.

Lellê no clipe de "Mexe a raba" Vincent Rosenblatt Foto: Vincent Rosenblatt / Divulgação
Lellê no clipe de "Mexe a raba" Vincent Rosenblatt Foto: Vincent Rosenblatt / Divulgação

Quais foram suas referências para o clipe?

Nos inspiramos em batidas, melodias e interpretações da década de 1970. Em Donna Summer, Diana Ross, Boney M. No Soul Trains ( programa musical da TV americana). Na época do soul, que tem essa entrega da dança, da força, da mensagem e da moda. Misturo soul com trap, música 100% negra que está ficando cada vez mais forte.

Enfrentou resistência por causa do título “Mexe a raba”?

Disseram para eu mudar, mas achei necessário bancar. Não tenho outro melhor para falar o que desejo. Quero chamar atenção, que as pessoas se assustem com a coragem. A música fala disso: de se mexer, dançar, extravasar. O Brasil está doente, precisamos colocar para fora o que estamos sentindo, de forma dançante, feliz, com arte. Quero dizer para as pessoas se entregarem à vida e não ficarem só prestando atenção nas coisas ruins.

Até os 14 anos, sua mãe alisava o seu cabelo. Hoje, ele está cada vez mais black. Como foi a construção da sua autoestima como mulher negra?

Eu não conhecia meu cabelo. Quando eu era criança, o cabelo natural do negro, o volume, não era considerados legal, aceito. Sempre senti que faltava algo em mim, não me encontrava porque me anulava. Nunca gostei da ideia de ser obrigada a nada. E aquela não era a minha obrigação. Eu não gostava. Comecei a conversar com os mais velhos e, com 14 anos, decidi que não ia passar mais química. Sofri com a transição, porque é algo que demora bastante a sair. A gente que é mulher e sofre uma cobrança pela beleza, fica vulnerável. Não queria ir à escola nem ver ninguém. Rolava um bullying, e eu não queria que ninguém me visse.

Quando se libertou da química, se descobriu de verdade?

Começou o autoconhecimento. A partir do meu cabelo, brincando com ele, comecei a entender o meu lugar como cidadã negra no Brasil. Ao abandonar a química, passei a me olhar e aquilo me deu horizonte. Nunca tinha tido aquela sensação,bom que foi bem cedo.

Por que fez a mudança em seu nome, de Lellêzinha para Lellê?

Nada a ver com numerologia ( risos ). Não foi nada muito simbólico, apenas para marcar uma nova fase mesmo. Todo mundo já me chamava de Lellê. Lellezinha foi uma construção do projeto Dream Team do Passinho. Aprendi tudo ali, mas virei outra pessoa.

Como é a sua personagem no filme “Ricos de amor”?

Faço uma secretária que tem uma vida normal, de comunidade e trabalha em uma empresa. Aí, conhece o filho do dono, herdeiro do negócio, que chega com uma atitude que ela não acha legal. Diz: “Quero um café”. Ela responde: “A máquina está ali”. Ela tem essa sagacidade e entende o valor daquele trabalho. Coloca ele no lugar dele.

Você lançou a música “Nega braba” para o filme “Correndo atrás”, de Jeferson De. É você a nega braba?

A letra é o resumo da minha vida: sou favelada, quero dançar funk e tenho orgulho das minhas raízes. Coloquei minha história ali porque as nossas histórias ( da mulher negra no B rasil) são parecidas mesmo. A partir da música, ganhei o apelido. A nega braba é foda, não aceita certas coisas. Sou a nega braba, sim, pela minha história, meu caráter.

O que está preparando para o show no Rock in Rio?

Vou cantar “Proud Mary”, de Tina Turner, trazer artistas negros que influenciaram a minha carreira e minha vida. Estou muito ansiosa.