“Estamos cuspindo?”, perguntou um homem diante da plateia abarrotada no 100 Club, um pequeno espaço subterrâneo cheirando a cerveja derramada e fumaça de cigarro, perto da Oxford Street, em Londres. Provavelmente estavam. O clube abrigou um show de início de carreira do Sex Pistols, que tem a história revisitada em “Pistol”, série de seis episódios sobre a banda britânica dirigida por Danny Boyle que será transmitida na Disney +, nos EUA, a partir de amanhã. No Brasil, será exibida no Star+, mas ainda não tem previsão de estreia.
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— Os Sex Pistols foram o pilar filosófico e o dresscode da revolução punk — diz Boyle.
— Tentei fazer a série de uma maneira caótica e fiel ao estilo dos Pistols. Rodamos performances inteiras sem saber se havíamos capturado a cena certa ou não. É tudo o que você foi ensinado a não fazer — brinca o diretor.
Com um virtuoso topete, Thomas Brodie-Sangster, que interpreta Malcolm McLaren, o empresário da banda, diz que a abordagem de Boyle era diferente de tudo que ele já havia experimentado em um set:
— Você sente que poderia dar errado, mas pode confiar em Danny, mergulhar, experimentar... É muito Sex Pistols!
O resultado é um retrato carregado e visceral da ascensão e da queda explosiva dos Sex Pistols, cuja breve existência entre 1975 e 1978 fez do punk rock um fenômeno mundial. E cujas canções anárquicas, como “God save the Queen” e “Pretty vacant”, tornaram-se hinos para os rebeldes.
Escrita por Craig Pearce, a série é baseada no livro “Tales of a lonely boy”, de Steve Jones, o guitarrista da banda. Mas Boyle conta que ele e Pearce tentaram imprimir as visões de todo o grupo, além da atmosfera daqueles meados dos anos 1970 quando surgiu o Sex Pistols. A banda originalmente era composta por Jones, o cantor John Lydon, conhecido como Johnny Rotten, o baterista Paul Cook e o baixista Glen Matlock, substituído em 1977 por Sid Vicious.
O primeiro episódio abre com imagens de arquivo, como a rainha acenando educadamente para a multidão; David Bowie se apresentando; trabalhadores em greve e lixo empilhado nas ruas. Quando conhecemos Jones (Toby Wallace), ele está ocupado roubando equipamentos de som de um show de Bowie. Num microfone ainda havia marca de batom do cantor. Jones e companheiros de banda estão com raiva, entediados e “tentando juntar o suficiente para outra cerveja”, diz o baixista, enquanto os integrantes discutem como devem se vestir.
— A promessa dos “Swinging Sixties” (a revolução cultural britânica dos anos 60) não foi cumprida. Havia a sensação de que se você nascesse em determinada classe, não poderia escapar. Então chega este grupo de garotos dizendo coisas como “você está vivendo como um sonâmbulo” — reflete o roteirista Craig Pearce.
Para o roteirista, Boyle sempre foi seu “diretor dos sonhos” para esta série.
— Sou muito ligado à música, mas nunca imaginei fazer os “Pistols” — diz o diretor, que aceitou o convite ao ler o roteiro. — O que foi ridículo — brinca, aos risos. — Já que nem sabia se teríamos a música.
Lydon se opôs ao uso da música do Sex Pistols e à série, mas acabou perdendo na Justiça, que reconheceu a votação majoritária de Cook e Jones. Boyle disse que tentou entrar em contato com Lydon durante a disputa. E acrescentou que esperava que a série “revelasse sua genialidade e humildade”.
— Cresci em ambiente de classe trabalhadora semelhante ao Steve e esses caras. Temos a mesma idade e sou obsessivo por música. Tive que explicar aos atores como eram os anos 1970. Eles não reconhecem o quão pouco de estímulo havia, ou como você esperava a semana toda por uma nova edição da (revista britânica) New Musical Express.
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Antes do início das filmagens, os atores que interpretavam os membros da banda passaram dois meses com uma rotina de aulas de música, treinamento vocal e corporal. O diretor relata que evitou escalar músicos tarimbados.
— Eu não queria ninguém preso a um conhecimento especializado — diz Boyle.
Boyle também decidiu não fazer trabalho de pós-produção na música. “Assim como os Pistols, só tínhamos que nos levantar e, por mais imperfeitos que fôssemos, ir em frente”, disse Sydney Chandler, que interpreta a cantora americana Chrissie Hynde. Ela é uma das várias mulheres memoráveis da série, ao lado da designer Vivienne Westwood (Talulah Riley), de Nancy Spungen (Emma Appleton) e do ícone punk Jordan (Maisie Williams).
A série mostra a infância infeliz de Jones, que Wallace enxergou como elemento central para a “raiva e frustração” do músico, que o levou a criar “uma banda que representa o não representado”.
Trabalhar na série, disse Boyle, o conscientizou da importância da banda além da música. Ele diz que os Pistols deram aos fãs permissão para fazer o que quisessem.
— Eles deram um senso de propósito à falta de propósito — finaliza o diretor.