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Por Talita Duvanel

Nos sete anos em que levou para pesquisar e escrever o livro “Rota 66”, sobre assassinatos cometidos pela Polícia Militar de São Paulo desde a sua criação, em 1970, o repórter Caco Barcellos chegava às comunidades onde os crimes aconteciam pensando num roteiro de cinema. Ouvia histórias de famílias dos mortos (a grande maioria, jovens negros sem passagem pela polícia, ao contrário do que o Estado dizia), anotava diálogos, recriava cenas, com o intuito de que, um dia, aquilo tudo fosse para a tela.

O livro, da editora Record, foi lançado em 1992. Trinta anos se passaram, outras pautas, livros e projetos vieram, e finalmente Caco agora pode ver sua obra literária traduzida em imagens. Não num filme, mas numa produção mais extensa: a série de oito episódios “Rota 66 — A polícia que mata”, que estreia amanhã no Globoplay, com dois capítulos semanais.

Com criação de Maria Camargo e Teodoro Poppovic e direção artística de Philippe Barcinski, a produção parte da vivência jornalística de Caco, interpretado por Humberto Carrão, para contar as execuções feitas pela Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar, o batalhão de elite da corporação). O espectador acompanha como o repórter, desde os tempos em que atuava na mídia impressa, começou a montar um banco de dados, com fichas à mão, sobre tiroteios que aconteciam na capital paulista. Na época, eram divulgados números de “criminosos” mortos, com nenhum PM ferido, em cenas de crimes alteradas. Catalogou os nomes dos oficiais matadores, traçou o perfil das vítimas, correu atrás de sobreviventes.

A série também se debruça sobre sua história pessoal, mostrando Cláudio (o nome real dele) como marido, pai e vizinho sem paciência para a fofoqueira do apartamento ao lado.

—Estive muito tenso antes de ver as primeiras cenas, mas acho que fiquei melhor na ficção do que na vida real (risos) — diz o jornalista, de 72 anos, que não participou dos roteiros. — Minha postura foi colaborar o máximo. Sugeri a eles: “Vão atrás das pessoas que não gostam do meu trabalho, não gostam de mim, para construir um personagem mais complexo, talvez”. E eles se dedicaram muito a me investigar. Quando você é investigado, claro que fica numa certa tensão. O que será que falam de mim por aí?

Ídolo de longa data

Humberto Carrão e Caco Barcellos — Foto: 	Aline Arruda - Vans Bumbeers
Humberto Carrão e Caco Barcellos — Foto: Aline Arruda - Vans Bumbeers

Nascido pouco meses antes do lançamento do livro, Humberto Carrão é conectado ao trabalho do jornalista gaúcho muito antes de a série cruzar seu caminho. Leu, em 2013, “Abusado”, sobre o traficante carioca Marcinho VP. Somente depois leu “Rota 66”, e outro dia a mãe lhe mostrou uma entrevista antiga em que ele dizia ter como programa favorito “Profissão repórter”, no ar desde 2006 na TV Globo.

— Essa entrevista tem séculos, e eu já estava atrás do Caco — diz Humberto, que não se preocupou em imitá-lo. — Tentei aprender as coisas do corpo, a forma de ouvir. Vi mil reportagens, de diferentes épocas, já que a série abrange dez anos. Isso cria um caldo de referências, e ainda tem a afetiva. Mas não senti um peso de que teria que ser o Caco.

O ator também passou dois dias com o repórter. Um deles na rua. Mais especificamente no Morro do Salgueiro, em São Gonçalo, no Rio, enquanto Caco fazia uma reportagem, no ano passado, sobre os dez anos do assassinato da juíza Patrícia Acioli, executada em Niterói por policiais.

— A construção do personagem foi também a partir dos dias com ele — diz Humberto, que reflete sobre a conexão da série e da premiada obra literária, que venceu o Jabuti em 1993. — O livro é sobre a polícia que mata, mas a ótica dele é sobre quem sofre a violência. É uma série dura, mas sobre quem fica.

E quem permanece é Anabela, interpretada pela atriz Naruna Costa, que tem o marido trabalhador assassinado. Ela é um mosaico das mulheres negras que perdem companheiros, filhos, netos de forma brutal. A personagem vira militante na luta contra a violência do Estado.

Naruna Costa em Rota 66 — Foto: Aline Arruda - Vans Bumbeers
Naruna Costa em Rota 66 — Foto: Aline Arruda - Vans Bumbeers

Naruna se preparou para o trabalho com as Mães de Maio de São Paulo, organização das famílias das quase 500 vítimas dos chamados Crimes de Maio de 2006, promovidos pela polícia em represália a ações de uma organização criminosa:

— Foi impactante ouvir o quanto uma morte numa família gera outras mortes simbólicas, de afeto, mas, ao mesmo tempo, geram também outras vidas. Afinal, muitas mulheres se descobriram líderes dentro de suas comunidades.

Atento à realidade

Gaúcho de Porto Alegre, formado em Jornalismo em 1975, Caco Barcellos entrou na TV Globo há 40 anos, em 1982. Saiu rapidamente no ano seguinte e voltou em 1984, já no vídeo, e lá permanece como um dos mais respeitados repórteres do Brasil.

Quando publicou “Rota 66”, já havia denunciado no Jornal Nacional, em 1986, simbólicos abusos policiais na favela de Heliópolis, em São Paulo. A reportagem resultou na expulsão de três oficiais. Mudou uma realidade, mas nunca um sistema, agora ainda mais sofisticado com as milícias. Caco, no entanto, diz que naquela época a “mentalidade miliciana” já operava no batalhão da Rota:

—O miliciano é essencialmente um preguiçoso. O violento não gosta de trabalhar, inclusive os fardados. Porque é complicado trabalhar, investigar. É mais simples, entre aspas, usar a perversidade da tortura.

Muitos relatos acabaram ficando fora do livro, conta Caco, como um episódio que quase nos tirou um ídolo da seleção brasileira. Ele lembra que ouviu a história de um hoje jogador de futebol famoso que, aos 12 anos, foi perseguido por policiais da Rota.

—Alguns meninos, com sorte, quando percebiam a chegada da polícia, corriam para não serem executados. E esse jovem, na época, já era um jogador de futebol em formação, e conseguiu saltar todos os muros. Escapou de virar um personagem do livro — diz o jornalista, que nunca teve autorização para revelar o nome do atleta.

À frente do “Profissão repórter” há 16 anos, dirigindo jovens jornalistas em pautas investigativas, Caco vê com preocupação o exercício da profissão não somente no Brasil, como em toda a América Latina. Mas tem por regra não focar “no próprio umbigo”, pensa em outros ofícios atacados e tem lampejos de esperança:

— A sociedade está acordando. A última pesquisa que vi é que 64% da população é contra a arma, um instrumento que não tem outra utilidade que não seja matar.

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