Cultura Teatro e Dança

Após o sucesso de ‘Esta criança’, Companhia Brasileira de Teatro volta à cena em ‘Krum’

Escrita pelo israelense Hanoch Levin, peça tem como pano de fundo os conflitos vividos pelo dramaturgo

Renata Sorrah (ao centro) divide o palco com oito atores em ‘Krum’
Foto:
Daniela Dacorso
Renata Sorrah (ao centro) divide o palco com oito atores em ‘Krum’ Foto: Daniela Dacorso

RIO — Três anos após o sucesso da peça “Esta criança” — vencedora de quatro prêmios Shell 2012 —, a Companhia Brasileira de Teatro e o diretor Marcio Abreu estão de novo ao lado da atriz Renata Sorrah. Ela não é a única convidada: o grupo curitibano chamou outros oito nomes para criar “Krum”, que estreia nesta quinta-feira, no Oi Futuro Flamengo.

Além de Renata e antigos colaboradores — Edson Rocha, Ranieri Gonzales, Rodrigo Bolzan e Rodrigo Ferrarini —, a companhia conta ainda com as cariocas Inez Viana e Cris Larin, a mineira Grace Passô e o paulista Danilo Grangheia. E, entre cenas festivas e tristes, uma delas, vivida por Grangheia e Grace, sintetiza boa parte da condição dos personagens imaginados pelo israelense Hanoch Levin (1943-1999). Nela, a atriz arranca uma fileira de poltronas que está no palco e as atira com força em cima de outra fila de cadeiras: “O mundo só tem isso pra te dar”, ela grita. E segue a repetir a frase, cujo alvo se chama Krum, personagem vivido por Grangheia, que emudece após o bombardeio verbal dirigido pela intérprete de sua mãe.

— A cena espelha a condição deles, que aceitam uma vida de baixas expectativas e sonhos risíveis — explica o diretor.

Escrita por Levin em um contexto de guerra — “Foram nove durante a sua vida”, diz Abreu —, “Krum” não mostra situações de conflito, mas imprime na cena o mal-estar causado por ele. Em vez de expor o instante da explosão de bombas, foca no momento posterior, em seus efeitos. Em suma, “Krum” é um desmoronamento, “uma vibração densa”, como afirma Grangheia. E a plateia percebe isso pelo que ouve e sente quando, volta e meia, uma sonoridade grave e trepidante faz vibrar o chão do teatro.

— É como se todos estivéssemos nesse campo minado, sofrendo o efeito das explosões ao redor — compara Renata.

Ou, como define o diretor, dos estilhaços que penetram a “vida íntima deles”:

— Esse texto nos mostra o estado das coisas e das pessoas em meio a um contexto opressor como esse — diz Abreu. — Condensa as impressões de um autor que viveu sob guerras.

Para Abreu, as tais guerras e as imposições da sociedade de consumo são os dois principais ataques totalitários que oprimem os personagens da trama e achatam seus sonhos:

— Quando grita para o filho que “o mundo só tem isso pra te dar”, essa mãe representa não só Israel, mas o mundo, e Krum somos todos nós, a humanidade e seus sonhos corrompidos ou suprimidos. Repetir essa frase no Brasil de hoje também nos faz questionar o país e o que ele oferece. É só isso? Será possível? Sim. E do início ao fim a peça pergunta isso.

Tudo começa quando Krum retorna de uma viagem. Ele volta para a mesma velha cidade, para o bairro de infância e, o pior, para a casa da mãe. A montagem, portanto, não é o desenrolar da “volta para a casa” do herói clássico. O ponto de partida de “Krum” é o momento da chegada à casa de um anti-herói fracassado, que a partir daí tenta se reconciliar com o passado, com aquilo de que um dia tentou se livrar quando partiu em viagem. Como sua jornada naufraga, resta-lhe a frustração com o futuro e um presente devastado.

— Ele é um cara que tentou sair de onde estava. Acreditou que poderia ter uma vida melhor, em outro lugar, com novas experiências e histórias, mas teve de se conformar com a volta. E de mãos vazias, sem nada — conta Grangheia.

Renata lembra “As três irmãs”, de Tchekov, com uma ressalva:

— Como elas, todos sonham sair de onde estão. Mas a Moscou idílica deles é menor: sonham com Acapulco, Los Angeles... Krum é como alguém que foi a Moscou, mas não viu nada lá e voltou.

TRAGÉDIA NO CASAMENTO E NA MORTE

Mas o ciclo de eterno retorno ao fracasso não é privilégio de Krum, enlaça também os outros personagens. Ligados intimamente a Krum estão a sua mãe e a sua ex-namorada Tudra (Renata), que, depois de abandonada, casa-se com o ordinário e bem-sucedido Tachtich (Rodrigo Ferrarini). Como eles, há o casal de desapaixonados Tugati (Ranieri Gonzalez) e Dupa (Inez Viana), mulher que sonha em se livrar do adoentado marido e fugir para a Ilha de Capri com o canastrão italiano Bertoldo (Rodrigo Bolzan). Além deles, Felicia (Cris Larin) e Dolce (Edson Rocha) formam outro casal, que se contenta com as pequenas cerimônias das redondezas: dois casamentos e dois funerais que acontecem na trama.

— O casamento e a morte são dois ritos de passagem, mas trágicos. O casamento não dá a eles nova vida, e a morte é a única possibilidade de escapar daquela rotina medíocre — diz Abreu.

Para dar o devido peso a personagens comuns, “Krum” traz como trunfo os atores, que se revezam para diluir o peso da desilusão que comprime a vida.

— A peça pergunta o tempo todo: “Como as pessoas mantêm suas esperanças?” — aponta Grangheia.

Renata responde:

— Se o mundo lá fora é triste, aqui dentro eu sou feliz. É incrível estar com esses atores. Eu olho para o lado e agradeço. Que bom poder exercer o melhor da minha profissão com eles.