Cultura Teatro e Dança

Dramas familiares norteiam nova peça da Cia. Cortejo

‘Alice mandou um beijo’ é dirigida por Rodrigo Portella

Vivian Sobrinho e Bruna Portella em cena na peça ‘Alice mandou um beijo’
Foto: Renato Mangolin / Divulgação
Vivian Sobrinho e Bruna Portella em cena na peça ‘Alice mandou um beijo’ Foto: Renato Mangolin / Divulgação

RIO - Costuma-se dizer que, nas artes, uma obra só atinge status universal se retratar uma cena profundamente local. A máxima, atribuída ora a Tolstói, ora a Joan Miró, parece descrever a história do autor e diretor Rodrigo Portella. Nascido em Três Rios, no interior fluminense, ele acreditava que só conseguiria construir uma carreira em artes cênicas em um grande centro. Porém, depois de um diploma em direção teatral pela UniRio e 12 anos sem conseguir quebrar a barreira invisível que separa produções de grande público daquelas consideradas “alternativas”, ele decidiu embarcar no contra fluxo. Prestes a estrear seu novo texto, “Alice mandou um beijo”, Portella recebeu a reportagem do GLOBO após um ensaio. O espetáculo, codirigido por Leo Marvet, entra em cartaz amanhã no mezanino do Espaço Sesc, em Copacabana.

— Meu filho nasceu, e eu já estava cansado de bater cabeça aqui no Rio. Percebi que precisava inventar alguma forma nova de fazer teatro — conta ele, que fez as malas e deixou a capital em 2010.

De volta a Três Rios, Portella investiu em três frentes: fundou a companhia teatral Cortejo; abriu um centro de formação de atores e técnicos; e criou o festival Off Rio — Multifestival de Teatro de Três Rios, que tem sua 5ª edição neste ano. Se, por um lado, ele levou o talento de artistas como Denise Stoklos, Armazém Cia. de Teatro e a diretora Inês Viana ao público do interior fluminense, por outro, a Cia. Cortejo rendeu a Portella o reconhecimento que ele nunca havia recebido enquanto morava no Rio de Janeiro. Foi com o grupo trirriense que ele recebeu duas indicações ao prêmio Shell em 2013, por “Uma história oficial” (melhor direção) e “Antes da chuva” (melhor autor).

Depois do sucesso de “Uma história oficial”, cujo texto foi construído com base na prosa de Gabriel García Márquez e Mario Vargas Llosa e nas premissas de Eduardo Galeano sobre a história da América Latina, ele decidiu que precisava conhecer melhor o continente sobre o qual estava falando. Percorrendo de carro países do Sul até a Bolívia, seu foco era compreender os costumes, a geografia e as relações familiares de cidades pequenas. E, para sua surpresa, eles não se mostraram tão diferentes daquilo que o autor conhecia no Brasil.

— Você chega a qualquer cidadezinha do interior da Argentina ou do Chile e sempre tem uma praça no centro e algumas instituições no entorno disso. E a nossa cidade é exatamente assim — compara.

Depois da experiência, ele finalmente se sentiu à vontade para investir em um trabalho mais autoral — “Antes da chuva” era inspirado em “O amor nos tempos do cólera”, de García Marquez. O texto de “Alice mandou um beijo” não retrata nenhum episódio autobiográfico, mas bebe nas memórias de Portella sobre a morte da avó paterna, quando ele tinha 10 anos. Até então, a família morava na mesma casa, e a vida parecia imbuída de uma estabilidade eterna:

— Quando a gente é criança, vê o mundo de uma forma muito tipificada. Depois da morte da minha avó, entendi que as pessoas são complexas.

Com o objetivo de colocar essa complexidade em cena, o autor usou a morte da Alice do título como ponto de partida. A súbita ausência de um parente aos poucos se revela como elemento propulsor de mudanças, dissolvendo a antiga estrutura. Não é a história da família Portella, mas poderia ser a de qualquer outra.