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Michel Marc Bouchard, um dos principais dramaturgos do Canadá, estreia no Rio

Autor de ‘Tom na fazenda’ diz confiar na relação entre poética e política em cena
Em cena. A partir da esquerda, os atores Gustavo Vaz, Armando Babaioff e Kelzy Ecard Foto: Divulgação/José Limongi
Em cena. A partir da esquerda, os atores Gustavo Vaz, Armando Babaioff e Kelzy Ecard Foto: Divulgação/José Limongi

RIO — Um dos principais nomes da dramaturgia contemporânea do Canadá, Michel Marc Bouchard permanecia inédito no Brasil até a semana passada, quando se deu a estreia de “Tom na fazenda”, no Oi Futuro Flamengo. Escrita em 2011, “Tom...” é certamente um dos seus grandes trabalhos, mas não o único, e esta primeira montagem brasileira tem boas chances de impulsionar a descoberta da sua obra no país, tanto por diretores e atores como por editoras.

Até aqui, Bouchard e “Tom na fazenda” haviam passado pelo Brasil através de outra plataforma, o cinema, com o filme homônimo do cineasta Xavier Dolan, que se juntou ao dramaturgo para transformar a peça em roteiro em 2013. O longa conquistou prêmios internacionais e chamou a atenção para a peça, desde então traduzida e encenada em mais de dez idiomas. Foi a partir do filme que o ator Armando Babaioff chegou ao texto e decidiu traduzir e produzir a peça, que, segundo ele, “parte da sexualidade para falar de modo amplo sobre relações humanas”. Aqui, o autor fala de sua história de amor entre dois homens, que pode ser lida como um poético grito contra a homofobia.

O que o levou a escrever este texto?

Quando escrevo uma peça o primeiro objetivo é dividir uma questão. Comecei a escrever porque estava chocado com uma história, a de um amigo que perdeu o namorado e descobriu, após a morte, que ninguém da família do seu companheiro sabia que ele era gay. A família não fazia ideia do que acontecia entre esses dois homens. E essa é a história da peça. ( Nela, Tom vai à fazenda onde se dá o funeral do seu ex-companheiro, mas ao chegar lá descobre que não sabiam da sua existência ). No primeiro momento há o choque da morte, depois o mergulho na tristeza, mas, nesse caso, a tristeza é roubada, porque Tom precisa ser o agente da verdade, ele precisa dizer a realidade para aquela família, o que ocorreu entre esses dois homens.

O que torna singular, a seu ver, o modo como seu texto aborda a homofobia?

Não sei se o meu ponto de vista é singular ou original em relação à homofobia. Há, nessa peça, uma espécie de tragédia, e o crime homofóbico em questão acontece anos antes de Tom chegar à fazenda. Quero dizer que, na peça, ele é vítima de uma cultura homofóbica e sim, também, de um ato de homofobia. Baseei meu trabalho nesse ponto, o da homofobia, e, a partir dessa questão, outras surgiram... Às vezes nos apaixonamos por alguém que nos faz um mal absoluto, e isso acontece em relacionamentos héteros ou gays... E a questão é: por que somos atraídos por esse tipo de poder? Por que caímos nesse tipo de relacionamento violento, abusivo, masoquista? Esse foi o começo.

Você localiza a peça num ambiente austero e atual. O que o levou a esse espaço-tempo?

Há 25 anos escrevi “Lillies”, um drama histórico e romântico, gay, mas com “Tom...” o foco era a homossexualidade nos dias de hoje. Mais especificamente, questionar o imaginário pornográfico. Na pornografia gay há muitos elementos que remetem à fantasia sadomasoquista, e isso foi me soando cada vez mais horrível. Então quis questionar esse tipo de imaginário.

Como você avalia a dimensão política da sua obra, e o lugar do seu trabalho na discussão pública sobre sexualidade no seu país?

Considero o movimento LGBT um movimento político, e hoje me sinto completamente identificado. No início, eu só queria poder escrever com toda a integridade possível, mas me tornei, sem qualquer pretensão, uma espécie de ícone, como escritor gay, no Canadá. Bom, acho que ao levar uma história à cena abrimos, também, um debate político, seja sobre imigração, ecologia ou outro tema. Considero meu trabalho político nesse sentido... Mas como se trata de arte, há sempre duas forças em ação. Uma é “o que se quer dizer”, e a outra é “como dizer”. É nesse segundo sentido que se dá boa parte do meu trabalho, sobretudo em relação aos diálogos, para que eles sejam absolutamente musicais. Acredito que o que escrevo seja, também, uma música. Uma música capaz de criar imagens.