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‘Nerium Park’ é suspense sobre jovem casal cujos sonhos se desintegram

Escrita por Josep Maria Miró, peça é dirigida por Rodrigo Portella, de 'Tom na fazenda'
Pri Helena e Rafael Baronesi protagonizam a peça “Nerium Park” Foto: Renato Mangolin / Divulgação
Pri Helena e Rafael Baronesi protagonizam a peça “Nerium Park” Foto: Renato Mangolin / Divulgação

RIO — A peça começa, e um jovem casal acaba de chegar em seu novo apartamento, uma das unidades de um novíssimo empreendimento imobiliário chamado Nerium Park. Ali, nada está pronto. Nem no apartamento, nem no prédio, nem no condomínio — construído nos arredores de uma grande cidade —, no qual o casal é o primeiro a chegar.

“A peça explora o contraste entre a expectativa do ideal e uma realidade em que sonhos se desmoronam. Esse casal se desestrutura. A história nos faz pensar na incapacidade da nossa geração de lidar com as transformações do mundo”

Rodrigo Portella
Diretor

A mudança, portanto, está em curso, e com ela fluem todos os sentimentos que uma mudança traz: expectativa, ansiedade e uma felicidade cruzada com medo do desconhecido. A tensão, portanto, é o que domina tanto o ambiente do tal apartamento como a atmosfera cênica da peça “Nerium Park”, que estreia sábado no Teatro Glaucio Gill.

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Escrita pelo dramaturgo catalão Josep Maria Miró, “Nerium Park” se desenvolve como um thriller minimalista, uma série teatral de suspense passada em 12 cenas curtas, que acompanham o estranho processo de mudança de um casal. Trata-se, portanto, de uma dramaturgia incomum. Não tanto por sua forma, mas sobretudo pelo clima que a obra instaura.

Tudo se passa num único ambiente, mas seus personagens se mantêm atentos a algo com cheiro de ameaça que vem do lado de fora. Nos instantes iniciais da peça, a mulher do casal (Pri Helena) se coloca diante da janela e diz ver alguma coisa lá embaixo. Mas o que ou quem? Aonde? Não se sabe, mas ela sabe que viu. Mas será que havia algo? Mais do que a resposta, é a indefinição que importa. É a lacuna que há entre uma percepção e a sua confirmação, entre a intuição e o fato, instaurando o mistério que faz avançar a trama e que atraiu o diretor Rodrigo Portella para o projeto.

— Fui convidado pelo Rafael (Baronesi, ator e idealizador da montagem) para ler o texto, e fui lá sem saber de nada, numa de dar uma força e tal... Quando terminamos a leitura, estava impactado pela experiência — diz Portella. — Há algo no gênero da peça, o suspense, que me interessou muito. Porque é uma atmosfera rara de ser encontrada no teatro, e muito exercitada no cinema e na literatura.

"VIDA MARGARINA"

“Nerium Park” é a segunda criação deste dramaturgo catalão a chegar nos palcos da cidade. Antes dela, “Princípios de Arquimedes” cumpriu a função de apresentar as credenciais de Josep Maria Miró e seu domínio no terreno do suspense, numa montagem dirigida em 2017 por Daniel Dias da Silva. No mesmo ano, o texto inspirou a criação do filme “Aos teus olhos”, de Carolina Jabor, que tomou a peça como ponto de partida para o seu roteiro.

Agora, “Nerium Park” chega aos palcos com direção de Portella, logo após uma boa série de realizações do encenador: as peças “Alice mandou um beijo”, “Tom na fazenda” e “Insetos”. Estimulado com o convite, o diretor acredita ter encontrado nesta dramaturgia a possibilidade de construir uma encenação não realista para um texto misterioso, que oscila entre o surreal e o naturalismo, entre os planos do delírio e da realidade.

— Por uma lado, é uma peça realista, linear, mas ela abre lacunas, e é isso que gera todo um clima de mistério e suspense — diz o diretor. — Há uma tensão constante. Esse casal está diante do desconhecido em alguns níveis: estão num apartamento novo, são os únicos a morar ali até o momento, começam a ver ou a evocar a presença de figuras ou espectros... Existe, portanto, um atrito entre o realismo do texto e uma encenação que busca amplificar em imagens e sons o que o texto não diz.

O diretor Rodrigo Portella Foto: Renato Mangolin / Divulgação
O diretor Rodrigo Portella Foto: Renato Mangolin / Divulgação

Além das possibilidades cênicas, “Nerium Park” também aborda diferentes facetas do declínio capitalista e da dissolução dos ideias da jovem burguesia. Fala de especulação imobiliária, desemprego, insegurança masculina e das maquinações destrutivas do que se convencionou chamar de progresso. Em “Nerium Park”, o sonho da “vida margarina” — apartamento próprio, emprego fixo, filhos, cachorro e carro na garagem — ganha um contraponto nebuloso.

O título da peça faz referência a um arbusto tóxico chamado Nerium Oleander, e a obra acompanha, por 12 meses, os efeitos do ar contaminado na vida de um casal: a revelação do avesso dos sonhos.

— A peça explora o contraste entre a expectativa do ideal e uma realidade em que sonhos se desmoronam. Esse casal se desestrutura. A história nos faz pensar na incapacidade da nossa geração de lidar com as transformações do mundo, e com os transtornos do ideal de progresso e desenvolvimento — diz Portella, que além de “Nerium...” segue em turnê com “Insetos” e “Tom na fazenda”, e se prepara para uma jornada internacional com “Tom...”: até 2020 a peça fará turnês na França, no Canadá, na Espanha, na Bélgica e nos Estados Unidos.

“Nerium Park”

Onde: Teatro Glaucio Gill — Praça Cardeal Arco-Verde, s/nº (2332-7904).

Quando: Estreia dia 18/8. De sex. a seg., às 20h. Até 10/9.

Classificação: 16 anos.