Cultura Teatro e Dança

Nós do Morro celebra aniversário de 30 anos com ocupação artística

Grupo fundado por Guti Fraga leva projeto ao Sesc Copacabana

“Abalou, um musical funk”. Estreada em 1997, peça ganha nova montagem com 23 atores
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Divulgação
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Diego Najurieta
“Abalou, um musical funk”. Estreada em 1997, peça ganha nova montagem com 23 atores Foto: Divulgação / Diego Najurieta

RIO - Fundador do Grupo Nós do Morro, que completa três décadas neste ano, Guti Fraga olha para o tempo como um amigo a quem se visita para aquelas boas lembranças que reforçam de onde viemos, sem nostalgia ou cobranças. Pelo contrário, Fraga vê o passado como um pavimento que o traz ao presente, um lugar mais sólido, de onde ele mira o futuro com animação, apesar da crise econômica que impacta a saúde financeira do grupo, cujas atividades são patrocinadas pela Petrobras desde 2001.

— Acabamos de encerrar o último ciclo do nosso contrato ( com a Petrobras ), e agora vamos seguir trabalhando para manter nossas atividades — diz Fraga. — Assim que saí da presidência da Funarte ( em 2014 ) e pensei nesses 30 anos do Nós do Morro, decidi estar mais perto da minha galera, das aulas com a garotada, e criar algo que permitisse reviver intensamente os momentos da minha vida. Estamos trabalhando a questão da memória, acho que a arte está ligada à memória. Porque, quando a gente cria, a gente deixa um legado. Então esse novo projeto celebra essa trajetória, que segue. Estamos lutando para conseguir apoiadores.

Para o aniversário do Nós do Morro, fundado em 1986 no Vidigal, Fraga e os cofundadores do grupo, Fernando Mello da Costa (diretor e cenógrafo) e Luiz Paulo Corrêa e Castro (dramaturgo), conceberam a ocupação “Nós do Morro 30 anos de arte” ( veja mais na agenda abaixo ). Com peças, sarau, mostra de filmes e exposição, o projeto chegou ao Sesc Copacabana na sexta passada com uma peça inédita, “Bataclã”, e continua nesta quarta com a estreia de uma nova versão para um espetáculo de 1997, “Abalou, um musical funk”, que marcou a primeira temporada do grupo na Zona Sul.

— Foi um trabalho muito emblemático, o primeiro que nos rendeu prêmios — diz Fraga. — Era a primeira vez que saímos do Vidigal para Ipanema, e num espetáculo que falava sobre essa relação entre viver dentro e fora do morro.

No trabalho, há tanto um personagem do asfalto, o Maestro, que sobe o morro para tentar fazer um novo tipo de funk, misturando Beethoven e Caetano Veloso, como Tininha, que sonha em deixar a favela para morar em Copacabana e enfrenta a resistência da turma de outra moradora do morro, Martinha, seguidora fiel dos MCs Pilantra e Lagartão. Para a nova montagem, Corrêa e Castro adaptou o texto, considerando as circunstâncias políticas do país, o crescimento e as novas formas de conflito e conciliação na favela.

— É uma história romântica, da época da ascensão do rap e do funk — conta o autor. — A ideia era mostrar personagens que olham para dentro e para fora da favela, para o local e para o mundo. Era um momento em que sentíamos, no grupo, a necessidade de ampliar nosso horizonte. E a peça mostra as dificuldades e as descobertas de quem coloca o pé fora do morro. Mas é um passo necessário. Transcender limites e transformar pessoas.

Nesse sentido, Guti Fraga não vê distância entre o passado e o presente do Nós do Morro. E, de lá para cá, o projeto iniciado para “formar artistas, técnicos e público de teatro no morro”, como define Corrêa e Castro, tornou-se referência no teatro, no cinema e na TV, como um celeiro de novos talentos.

— Sempre trabalhamos com uma coisa na cabeça: como a arte pode transformar as pessoas — diz Fraga. — Nesse caminho, são muitas histórias e divisores de água, como o filme “Cidade de Deus” ( de Fernando Meirelles, 2002 ), que revelou uma porção de atores. Até hoje é assim, com muitos talentos surgindo. Isso prova que as pessoas só precisam ter oportunidade para sonhar.