Teatro
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Por Daniel Schenker


Susana Vieira em cena da peça 'Uma Shirley qualquer' Divulgação — Foto:
Susana Vieira em cena da peça 'Uma Shirley qualquer' Divulgação — Foto:

A história da solitária dona de casa que conversa com as paredes e relata seu cotidiano ao público retorna ao palco com determinadas intervenções. Nessa nova montagem — dirigida por Tadeu Aguiar, com versão brasileira a cargo de Miguel Falabella — da peça de Willy Russell, Shirley foi afastada de seu contexto original (a cidade de Liverpool). O sobrenome mudou (em vez de Valentine, Valentim) e há breves menções a regiões e artistas brasileiros. Essas variações e inclusões, propostas com o intuito de aproximar Shirley da plateia local, têm efeito reduzido. Mais importante é a alteração estampada no título, “Uma Shirley qualquer”, que realça a sensação de anulação de uma personagem de horizontes estreitos, limitada a uma rotina doméstica marcada pela estupidez e falta de compreensão, principalmente por parte do marido.

Consciente dos anos que desperdiçou num dia a dia insosso, Shirley traz à tona um passado de felicidade. Não se trata tão somente de uma evocação nostálgica. Ela sonha recuperar uma existência repleta de experiências vigorosas. O gatilho para a transformação surge com o convite de uma amiga para viajar para a Grécia. Mas a verdadeira viagem empreendida por Shirley é interior. Ao trocar a monotonia da cozinha pelas belas paisagens naturais, ela realiza um reencontro consigo mesma. Essa jornada íntima, intransferível, é um ponto fundamental do texto, que aborda ainda o rompimento de um estado de submissão da mulher em relação ao homem, a libertação de um formato tradicional de casamento que deixou de oferecer qualquer tipo de vantagem.

Apesar da relevância dessas questões, a peça de Russell tem uma estrutura repetitiva — a “interação” de Shirley com as paredes, as agruras reveladas ao público, tudo disposto em longas cenas. Na passagem para o cinema (em filme dirigido por Lewis Gilbert, com Pauline Collins interpretando Shirley, papel que também desempenhou no teatro), houve um acréscimo de dinamismo. Os personagens apenas mencionados na peça ganharam vida e as falas destinadas à plateia foram resolvidas de maneira simples e eficiente, com Shirley/Pauline contando os acontecimentos para a câmera.

Em todo caso, o contraste entre presente insípido e passado luminoso, imperante no texto de Russell, atravessa essa montagem por meio de criações que tangenciam o realismo sem, porém, abraçarem integralmente essa linguagem. Natália Lana investe, no cenário, em cores quentes para o ambiente da cozinha, intensidade que remete a uma Shirley radiante. Em oposição, há elementos de tonalidade pálida que sugerem a condição atual da personagem. Uma concepção mais promissora do que a escolhida para o último trecho da encenação, quando uma pouco inspirada tela de fundo é utilizada para simbolizar a Grécia. Na iluminação, Daniela Sanchez aposta em cores fortes, condizentes com o passado de Shirley e com os estimulantes planos que ela faz para o futuro. Os figurinos de Karla Vivian frisam a transição da personagem, mas enveredam por uma dispensável linha caricatural.

Tadeu Aguiar não procura inovar na condução de uma montagem centrada no texto e no trabalho da atriz. Se em alguns momentos Susana Vieira ronda a personagem sem chegar a incorporá-la, em outros demonstra sensibilidade, particularmente quando Shirley expressa a saudade da juventude. É o instante em que o relato adquire um sabor melancólico, doce-amargo. Conhecida pelo registro interpretativo exuberante, expansivo, Susana Vieira acertadamente não se sobrepõe à personagem e não cede ao apelo da comunicação dispersiva com a plateia.

Susana Vieira em cena da peça 'Uma Shirley qualquer' Agência O Globo — Foto:
Susana Vieira em cena da peça 'Uma Shirley qualquer' Agência O Globo — Foto:

A montagem de “Uma Shirley qualquer” alcança melhor resultado quando destaca conteúdos da peça — o quadro emocional de uma personagem que, diante de seu processo de apagamento, decide reviver — do que ao lançar propostas exteriores — como a conexão com o Brasil — à obra. A irregularidade na concepção estética e o ritmo esgarçado do espetáculo se somaram, na noite da estreia para convidados, a um grave problema técnico: um ruído que atravessou toda a apresentação. Com uma atuação dedicada, Susana Vieira compensou, pelo menos em parte, os obstáculos.

Cotação: Regular.

Serviço

Onde: Teatro XP Investimentos. Jockey Club Brasileiro. Av Bartolomeu Mitre1.110, Leblon (3807-1110). Quando: Sex e sáb, às 21h. Dom, às 19h. Até 31 de outubro. Ingresso: R$ 100. Classificação: 12 anos.

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