![Espetáculo 'Nós', do Grupo Galpão — Foto: Divulgação](https://s2-oglobo.glbimg.com/r-LEfMBHdB-pyEmZ5_KFYFG3y4k=/0x0:640x427/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2022/z/z/h7OyjATeOWvAlPX5lFGQ/8e268bb9-68c7-4f58-8094-ec3e7eb72623-credito-dinholacerda-nosbsb-31-min.webp)
Em 1982, o presidente da República era um general, Rita Lee tomava “Banho de espuma” nas rádios, enquanto Olivia Newton-John sacudia pistas de dança com “Physical”. No horário nobre da TV Globo, brilhava “Sol de verão”, de Manoel Carlos. Nas areias escaldantes cariocas, Asdrúbal já trazia o trombone há algum tempo. Neste contexto, nascia em Belo Horizonte a companhia de teatro Grupo Galpão, que este ano celebra 40 anos de atividades e apresenta três espetáculos nas próximas duas semanas no Rio de Janeiro.
A peça “Nós” abre os trabalhos com sessões até domingo no Teatro Prudential. Encenada pela primeira vez em 2017, a montagem confia a sete atores a tarefa de preparar uma sopa enquanto discutem assuntos contemporâneos. Entre momentos performáticos e contemplativos, eles falam sobre racismo, intolerância, exclusão e liberdade.
— Na época em que estreamos o texto, houve quem achasse que estávamos criticando o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, mas não havia nada disso no espetáculo. Agora, quem assiste à peça jura que o texto trata do momento político que vivemos no Brasil. Também não se trata disso —garante Eduardo Moreira, diretor artístico e um dos três integrantes remanescentes da formação original da companhia. — Acontece que este texto permite tantas interpretações que acaba se encaixando em diferentes contextos.
Os contextos diversos fazem parte dos alicerces criativos do grupo desde a gênese, quando ainda nem tinham uma sede própria. Apresentando-se não apenas como atores, mas também como pesquisadores de linguagens, os integrantes do Galpão orgulham-se de terem aprendido a tocar instrumentos musicais para produzir a trilha sonora dos próprios espetáculos. E parte do resultado desta experiência será apresentada no sarau literário-musical “De tempo somos”, que ocupará o Museu da República, no Catete, na próxima terça e quarta-feira, com sessões gratuitas. O “happening” consiste na execução de 25 canções do repertório do grupo, de montagens antigas até as presentes em trabalhos mais recentes.
— “De tempo somos” é a nossa história cantada —diz a atriz Ines Peixoto, que já contabiliza 30 anos na trupe, tempo suficiente para lembrar de perrengues antigos e recentes. —Em agosto, tivemos que interromper as apresentações de uma das peças porque um monte de gente do elenco pegou Covid .
A tal peça interrompida foi “Till, a saga de um herói torto”, que será encenada a partir da próxima quinta-feira, de novo no Prudential, e fala sobre um demônio charmoso e sedutor, que vem à Terra por conta de uma aposta que fez com Deus. Sob direção de Júlio Maciel, o texto de Luís Alberto de Abreu coloca em cena os 12 atores que compõem a formação atual.
Da música à farsa, do melodrama à comédia, o Grupo Galpão é também conhecido pela fluidez com que atravessam gêneros narrativos diversos para abordar temas da vida contemporânea. Uma experiência construída a partir do teatro popular, o principal pilar da produção cultural da trupe.
— É um dos diferenciais do Grupo Galpão a experiência do teatro de rua. Eles conseguem transitar destes espaços para os lugares fechados com facilidade — diz o crítico Daniel Schenker, que ressalta o caráter comunitário na produção da companhia. —Ainda que tenha conquistado notoriedade nacional, o Galpão nunca transferiu sua sede de Belo Horizonte para o eixo Rio-São Paulo, optando por ficar perto da realidade da qual faz parte .
As montagens do Grupo Galpão não têm apenas um único diretor, como é comum na maior parte das companhias de teatro. Já assinaram montagens da trupo nomes como Fernando Linares, Gabriel Villela, Paulo José, além dos próprios componentes, que também se revezam na direção Para Shenker, outra característica que os diferencia no cenário brasileiro:
— O Grupo Galpão é essencialmente uma companhia de atores e não de uma figura central. Isso confere uma renovação constante no trabalho que apresentam.
Quatro décadas foram suficientes para acumular mais de cem prêmios ao longo de mais de três mil apresentações em território nacional. As turnês no exterior começaram em 1989, num festival de teatro no Peru. De lá, foram para a Itália.
— Foi quando conseguimos comprar nossa sede, porque ganhamos em dólar — lembra Eduardo, acrescentando que o Galpão já se apresentou em 19 países, mas que o reconhecimento não garante sobrevivência. —Estamos sempre naquela luta pelo patrocínio.
Se o patrocínio é um desafio constante, a censura também já foi assunto de tirar o sono. Os primeiros anos de trabalho aconteceram no período final da ditadura, no governo João Figueiredo.
— Não sofremos aquela censura pesada que nossos colegas dos anos 70, mas ainda pegamos algum resquício — conta Eduardo. —Ainda assim, a perseguição explícita da cultura que vivemos hoje é algo que nunca vivi, nem naquele tempo.