Teatro
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Por Gustavo Cunha — Rio de Janeiro

Clayton Nascimento levou um susto, dias atrás, ao ser abordado por Julia Lemmertz na fila de um teatro. “Peraí, você é quem faz ‘Macacos’, né?!”, questionou a atriz. O paulistano de 34 anos — “que nunca soube fingir costume”, como ele mesmo brinca, ao falar de si — é, sim, aquele que atua, dirige e escreve um dos espetáculos mais concorridos e elogiados da atual temporada teatral no país.

Há duas semanas, nomes como Marieta Severo (que afirma ter vivido “o momento mais pleno em teatro dos últimos tempos”), Renata Sorrah (“me vi diante de um gênio”), Camila Pitanga, Deborah Evelyn e Zezé Polessa fizeram questão de reverenciar o artista após uma das sessões da peça no Teatro Ipanema, na Zona Sul do Rio de Janeiro. Enquanto elas e tantos outros o abraçavam, uma indagação pairou no ar: “Você tem noção de que vai fazer esse espetáculo ao longo da sua vida?”, perguntavam a Clayton.

— E aí eu respondo que não sei de nada, justamente porque estou no aqui e no agora da vivência — ressalta o ator, aos risos. — Sou tão jovem… Penso: “Nossa, mas já tenho o espetáculo da minha vida?” Achei que só o encontraria aos 50 anos.

Clayton Nascimento em cena da peça 'Macacos': ator ganhou o Prêmio Shell de Teatro pelo trabalho — Foto: Divulgação
Clayton Nascimento em cena da peça 'Macacos': ator ganhou o Prêmio Shell de Teatro pelo trabalho — Foto: Divulgação

Meu quarto é o palco

Laureado, neste ano, com o Prêmio Shell de Teatro e o troféu da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA) — ambos na categoria melhor ator —, “Macacos” foi concebido e gestado num dos quartinhos do alojamento estudantil da Universidade de São Paulo, a USP. Em 2014, o então aluno da Escola de Arte Dramática precisou criar uma cena teatral, do zero, para um trabalho da faculdade. Começou então a escrever sobre a realidade de divas pretas da música, como Elza Soares e Bessie Smith, ambas “aplaudidas à noite, mas hostilizadas durante o dia”, como Clayton frisa. Nesse período, o jovem se deu conta de que lidava, em certa medida, com o mesmo fato: na USP, professores e colegas o enalteciam; fora do ambiente universitário, desconhecidos mudavam de calçada ao avistá-lo.

Até que, numa noite qualquer, em casa, Clayton ligou a TV e se deparou com torcedores do Grêmio xingando o goleiro Aranha, do Santos, após o jogador defender um lance. Na arquibancada, uma massa branca gritava: “Ma-ca-co! Ma-ca-co!” Fermentava ali, naquele cenário absurdo e sobretudo real, o assunto que ele apresentaria em sala de aula.

— A câmera foi dando close nos rostos, e eu fui entendendo que havia uma força histórica naquelas palavras — Clayton rememora. — Como pode tanta gente ter a segurança social de dizer aquilo sabendo que está sendo televisionada?

O ator Clayton Nascimento em cena da peça 'Macacos' — Foto: Divulgação/Bob Sousa
O ator Clayton Nascimento em cena da peça 'Macacos' — Foto: Divulgação/Bob Sousa

As reflexões suscitadas pelo episódio não couberam nos 15 minutos do tal trabalho universitário. À medida que ia alongando o pequeno monólogo, Clayton decidiu se aventurar por festivais de peças curtas em diferentes cidades. Apresentou-se no Rio, em Brasília, Manaus, Belo Horizonte... Em cada lugar, garimpava histórias relacionadas à estruturação do racismo no Brasil — e assim a dramaturgia foi ganhando fôlego.

Quando a obra ultrapassou a duração de uma hora — e ele só ouviu “não” de artistas para quem pedia ajuda técnica —, Clayton se “internou”, como o próprio diz, em bibliotecas. Estudou temas como a colonização portuguesa no Brasil e a história do saneamento básico e da educação no país, enquanto se equilibrava numa rotina exaustiva: das 7h às 17h, batia ponto como educador num museu; às 18h30, tinha aulas na USP; às 23h, fazia um bico como caixa de uma “balada”.

— As pessoas me perguntam: “Mas quando você ensaiava?” Fazia isso nos dias de folga, normalmente às segundas-feiras e aos sábados à tarde — relembra ele, que sempre contou com o apoio dos pais, piauienses.

Lá vem História

Hoje, “Macacos” pode ser lido como uma espécie de documento historiográfico. Sozinho no palco ao longo de mais de duas horas, Clayton resgata, sob a ótica de um homem preto, episódios importantes na trajetória de um país fundado por meio da violência. Estão lá, no tablado, as histórias que a História muitas vezes não conta, de 1500 até hoje — e que, sim, transtornam, emocionam, provocam o choro e o riso, como se nota entre a plateia.

Clayton Nascimento, em cena da peça 'Macacos' — Foto: Divulgação/Bob Sousa
Clayton Nascimento, em cena da peça 'Macacos' — Foto: Divulgação/Bob Sousa

O monólogo recompõe casos reais, como a trajetória do menino Eduardo, morto com um tiro de fuzil na cabeça, disparado por policiais, enquanto brincava na escada de fora de casa, no Complexo do Alemão. No Rio, onde o espetáculo volta ao Teatro Ipanema — com apresentações entre amanhã e domingo —, Terezinha de Jesus, mãe do garoto, costuma subir ao palco ao fim das sessões.

Publicada em livro pela editora Cobogó, a dramaturgia passou a ser adotada, no início deste ano, como parte do material didático das escolas da rede pública de São Paulo. É um feito e “uma honra”, como celebra Clayton. Ele levou seis anos para ser aprovado num edital público que lhe permitisse encenar a peça num teatro. A conquista demorada fez nascer um fenômeno: na principal sala do Centro Cultural São Paulo — onde a peça cumpriu sua primeira temporada, em 2022 —, “Macacos” se consagra até hoje como o monólogo que por mais tempo lotou aquele espaço, com cerca de 400 lugares.

O plano agora é encenar a peça por escolas de várias cidades do país, em 2024. Ele sabe da dificuldade de conseguir apoio financeiro, mas não se intimida. Dará um jeito.

— Levei seis anos para conquistar o primeiro edital. Quantos anos serão para o próximo? Não sei! Mas não vou desistir... Desistir não faz parte da minha narrativa — reforça. — Há duas coisas que digo. A primeira é: se Fernanda Montenegro, Lázaro Ramos e Taís Araújo forem me ver, serei um dos artistas mais felizes do Brasil (risos). E a segunda é a seguinte: jovens, especialmente os pretos e periféricos, es-tu-dem. Se minha voz chegasse ao país, falaria isso: “Estudem!” É assim que dá para chegar pertinho dos sonhos.

Na telinha

O gosto pelo estudo é herança familiar. Filho de uma manicure e um trabalhador da construção civil, Clayton foi matriculado, aos 8 anos — com bolsa de estudos — na Casa do Teatro, instituição na capital paulista mantida por Lígia Cortez. O pai, que só cursou o ensino fundamental até a quarta série, acreditava que a arte afastaria o filho de alguns males. Tinha razão. De lá pra cá, Clayton vem enfileirando uma série de trabalhos como ator, entre os quais uma montagem com a Royal Shakespeare Company, em que interpretou o personagem Malcolm, no clássico “Macbeth”.

Racismo em foco. Clayton Nascimento, em "Macacos", que lhe rendeu Prêmio Shell de melhor ator — Foto: Divulgação / Mariana Ricci
Racismo em foco. Clayton Nascimento, em "Macacos", que lhe rendeu Prêmio Shell de melhor ator — Foto: Divulgação / Mariana Ricci

Em agosto, o rapaz poderá ser visto em seu primeiro papel na TV. Em “Fuzuê”, próxima novela da TV Globo das 19h — com assinatura de Gustavo Reiz —, interpretará Caito, figura bem-humorada, apaixonada por teledramaturgia e que realiza shows se travestindo como Ruth e Raquel, referência às gêmeas do folhetim “Mulheres de areia” (1973/1995). Nos bastidores da produção inédita que sucederá “Vai na fé” — o elenco capitaneado por Marina Ruy Barbosa e Giovana Cordeiro começou a rodar algumas cenas anteontem —, Clayton é recorrentemente citado como “aquele que faz a peça ‘Macacos’, sabe?”. A referência é mesmo incontornável.

— No começo, ninguém o conhecia direito. Agora, todo mundo diz: “Nossa, preciso ver sua peça” — afirma Fabrício Mamberti, diretor artístico de “Fuzuê”, que já havia trabalhado com Clayton em 2022, quanto o ator participou de um episódio da série “As five”, do Globoplay. — Clayton Nascimento virou uma estrela da noite para o dia. Não que já não fosse uma estrela, porque ele cultiva uma carreira. Mas há um momento em que a luz brilha mais forte... Acho incrível isso acontecer, porque ele tem uma força muito rara.

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