Teatro
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Por — Rio de Janeiro

Quarta-feira, dia útil, início de noite. Um grupo de quatro jovens na faixa dos 20 anos adentra o Teatro Glauce Rocha, no Centro do Rio de Janeiro, para ocupar os únicos lugares ainda vagos na plateia. “Como você soube dessa peça, hein?”, sussurra um deles, enquanto atravessa a fileira lotada, pedindo licença e ecoando desculpas até alcançar o assento. A amiga, logo atrás, responde baixinho: “Fica tranquilo, foi indicação de uma professora, e ela me disse que esse espetáculo já está em cartaz há 18 anos”. O rapaz rompe o silêncio da sala com uma interjeição e murmura que a colega deve ter entendido algo errado naqueles números.

Mas é tudo verdade. Monólogo interpretado pelo ator Julio Adrião, sob direção de Alessandra Vannucci, “A descoberta das Américas” acaba de atingir a maioridade. Sim, o espetáculo estreou em 2005, numa época em que celulares — aqueles extintos tijolões da Nokia (dê um Google aí, juventude!) — eram artigos de luxo no mundo. Desde então, entre temporadas mais ou menos espaçadas, o solo fincou raízes nos palcos. De lá pra cá, a montagem circulou, pelo menos duas vezes, por todos os 26 estados brasileiros. E mais. Aglutinou espectadores em teatros, auditórios, pátios, salas de aula, coretos, aldeias indígenas, assentamentos rurais. Aterrissou em Hong Kong, Macau, Angola, Cabo Verde, Portugal, Espanha, Inglaterra, Chile, Uruguai e Itália. Transformou-se em teses universitárias, uma delas recém-lançada em livro pelo jornalista Alanderson Machado. Nos últimos anos, chegou aos olhos e ouvidos de rapazes e moças — como os tais jovens citados no início deste texto — que eram bebês quando essa história toda começou.

— Ninguém faz um espetáculo pensando ficar 18 anos em cartaz. Sei que a peça é muito maior do que eu — afirma Julio Adrião. — Hoje me vejo mais como um guardião desse espetáculo, que é minha principal fonte de trabalho, direta ou indiretamente, há quase duas décadas. É um monólogo que depende basicamente de mim, e que já não é meu. A peça só está aí até agora porque fala mais alto. Quando isso acontece é porque a obra já pertence ao público. Passei então a cuidar disso.

Julio Adrião em cena da peça 'A descoberta das Américas' — Foto: Renato Mangolin/Divulgação
Julio Adrião em cena da peça 'A descoberta das Américas' — Foto: Renato Mangolin/Divulgação

Pois bem, nesta quarta-feira (27) e quinta-feira (28), lá estará o ator — em sessões às 19h — encerrando mais uma temporada da peça, no Teatro Glauce Rocha. Mas esse não será o ponto final. Enquanto houver fôlego (tanto para o artista quanto para a montagem), Adrião seguirá dando vida a Johan, protagonista da divertida e irônica dramaturgia do italiano Dario Fo (1926-2016).

A narrativa, criada pelo autor num ato de improviso, acompanha o périplo de um sujeito comum, que embarca numa das caravelas de Cristóvão Colombo, no século XV, para fugir da Inquisição na Itália. Em solo americano, a história de colonização do continente tido à época como Novo Mundo se descortina então sob viés alternativo, às avessas.

A trama é simples. Não é tão fácil, no entanto, levá-la aos tablados. Sozinho e sem o apoio de quaisquer elementos cenográficos, Julio Adrião se joga numa maratona exaustiva de pouco mais de uma hora. Desdobra-se em tipos variados e complexos — espanhóis, indígenas, animais, árvores —, lançando mão de códigos gestuais e vocais inventivos.

— Para mim, é essa energia física que puxa a memória da dramaturgia. Não consigo falar o texto da peça se estiver sentado. Tenho que levantar e me mexer. E aí o texto vem. Isso está ligado a uma memória muscular, que precisa de uma qualidade de intenção física — explica o ator de 63 anos. — A forma do espetáculo é esta: nua. Há ali uma grande contação de histórias. O que faço é teatro infantil para adultos. Tanto que as crianças também gostam! Tem muita bobagem, brincadeira, mímica, gestos físicos esgarçados. É como uma lente de aumento. Ou um desenho animado, um filme de ação... Essa estética, associada à história, mantém o espetáculo vivo e novo.

Quando pensa mais demoradamente na longevidade — e na trajetória fora da curva — de “A descoberta das Américas”, Adrião custa a encontrar uma explicação sucinta. A única certeza é que ele foi agraciado com muita sorte, como o próprio artista reconhece.

Aval de Barbara Heliodora

O fenômeno surgiu, a rigor, sem grandes pretensões. Na segunda metade dos anos 2000, uma década após retornar de um período proveitoso na Itália — onde foi estudante bolsista, integrou companhias de teatro de rua e deu aulas —, Adrião decidiu levar aos palcos uma tradução abrasileirada da dramaturgia de Dario Fo. Permaneceu um ano em processo de ensaio até estrear, enfim, num espaço pequenino, com apenas 50 cadeiras, e que já não existe, no Centro do Rio. Lá pelas tantas, deparou-se com o ator Sérgio Britto (1923-2011) na plateia. Na semana seguinte, avistou Barbara Heliodora (1923-2015), que publicou posteriormente uma crítica elogiosa aqui no Segundo Caderno. De repente, foi um estouro.

— Minha vida virou de cabeça para baixo. Ou de cabeça para cima, vamos dizer assim — ri o ator, que foi laureado com o Prêmio Shell de melhor atuação (pela peça, em 2005) e, desde então, enfileira trabalhos no cinema, como em “Tropa de elite 2” (2010), “Nise: o coração da loucura” (2015) e o inédito “A fúria”, de Ruy Guerra. — Hoje sei que não basta ter qualidade (para levar uma obra ao sucesso). Tem que ter um pouco de sorte. E eu tive essa sorte depois de ter o Sérgio Britto e a Barbara Heliodora na minha frente. Lembro de as pessoas me perguntarem, nesse período: “Mas onde você estava!?”. E eu respondia: “Ué, sempre estive aqui, fazendo teatro de rua, como muita gente faz”. É louco isso de ser descoberto do nada. Para quem? Por quem? Prefiro ser humilde... E rir dessas coisas.

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