“A Igreja deve permanecer vigilante e pronta para individuar novas obras de misericórdia e implementá-las com generosidade e entusiasmo”, escreveu o Papa Francisco na carta apostólica “Misericordia et misera”, em novembro de 2016. Em abril do ano seguinte, o pontífice argentino inaugurou em Roma uma lavanderia destinada a atender moradores de rua. A iniciativa continua de pé e foi repetida mais tarde em cidades como Turim e Gênova.
Imagine que o Papa, em pessoa, se encontra com São Francisco de Assis dentro da lavanderia do Vaticano. Esta é a premissa de “Entre Franciscos”, peça escrita por Gabriel Chalita que estreia nesta sexta, às 19h, no Teatro Domingos de Oliveira, no Planetário da Gávea, na Zona Sul do Rio.
Chalita conta que teve a ideia do espetáculo quando estava andando com um amigo pelas ruas de uma grande cidade e viu um senhor conversando com um morador de rua. A cena o comoveu.
— Era bonita. De atenção, de cuidado, de respeito — diz o professor paulista, autor de 84 livros. — Cuidar daqueles de quem poucas pessoas se dispõem a cuidar é uma marca de São Francisco, e é uma marca do Papa Francisco. Imaginei, então, um diálogo entre os dois. Na peça, o Papa, cansado dos barulhos e das sujeiras do mundo, entra na lavanderia para descansar. E lá encontra um homem, das ruas, dos tempos, das dores da Humanidade. Um homem, irmão seu, irmão de todo mundo, Francisco de Assis. Desse encontro imaginário a narrativa e a trama da peça acontecem.
Dupla afinada
Os atores Paulo Gorgulho e César Mello dão vida no palco ao líder da Igreja Católica e ao santo, respectivamente, no espetáculo dirigido pelo gaúcho Fernando Philbert. Para o diretor, a química entre os dois foi tanta que o desafio foi “parar de dirigir” pois, do contrário, “seria uma estrada sem fim”.
— O encontro entre Paulo Gorgulho e César Mello foi como o de velhos amigos que não se viam de longa data — avalia Philbert. — Desde o primeiro dia se fez um clima de bom humor, escuta e liberdade entre eles, e assim nossos ensaios eram como isso: um encontro de velhos amigos. Aproximamos o caráter dos dois personagens do nosso caráter. Desejos, batalhas, medos, alegrias. A pergunta na sala de ensaio era: o que atravessa o Papa e São Francisco que também nos atravessava? Busquei o estado de cada personagem e o que fazia o coração deles bater assim feito o nosso.
Primeiro Papa nascido na América e no Hemisfério Sul, Jorge Bergoglio escolheu homenagear São Francisco de Assis quando foi eleito para liderar a Igreja, em 2013, sucedendo ao Papa Bento XVI. À época, Bergoglio disse em discurso que a escolha se deu por se tratar de um santo “da pobreza, da paz”. “Como eu gostaria de uma Igreja pobre, como eu gostaria de uma Igreja junto aos pobres”, disse Francisco.
— Eles têm em comum a consciência do seus papéis no mundo. O compromisso com a causa do amor. O amor que não é apenas sentimento, é movimento, é ação. É ação concreta que prega e que vive, que ninguém é superior a ninguém, que ninguém é inferior a ninguém — diz Gabriel Chalita.