Cultura Teatro e Dança

'Promover o renascimento do teatro brasileiro é nossa missão agora', diz Roberto Alvim

Diretor teatral assume nessa quarta-feira o Centro de Artes Cênicas da Funarte denunciando 'marxismo cultural'
Roberto Alvim convocou artistas para criar uma 'máquina de guerra cultural' Foto: NELSON ALMEIDA / AFP
Roberto Alvim convocou artistas para criar uma 'máquina de guerra cultural' Foto: NELSON ALMEIDA / AFP

RIO — "Deus vult" é a expressão que aparece no contato de WhatsApp do premiado diretor de teatro Roberto Alvim , nomeado nesta quarta-feira para o Centro de Artes Cênicas (Ceacen) da Funarte . O dito em latim significa "Deus quer", referência às Cruzadas, movimentos militares cristãos para dominar Jerusalém.

Com esse espírito de cruzado, Alvim, que chegou a convocar artistas conservadores para criar uma máquina de guerra cultural , assume o Ceacen , centro responsável por políticas públicas direcionadas paras as áreas de circo, dança, teatro e ópera. Sob administração do órgão estão algumas casas de espetáculos como o Teatro Dulcina (Rio), o Teatro de Arena Eugênio Kusnet (São Paulo), o Teatro Plínio Marcos (Brasília) e os espaços da Funarte MG, em Belo Horizonte.

Importante nome das artes cênicas no Brasil, o diretor encenou peças como "Triptico Samuel Becket", "Caesar" e "Leite derramado" — esta última uma montagem do livro de Chico Buarque, de quem era amigo pessoal. Também foi professor de dramaturgia no Sesi de Curitiba e desde 2007 realizava oficinas e espetáculos no Club Noir, em São Paulo. Tudo acabou, segundo Alvim, quando ele se converteu ao conservadorismo e virou apoiador do presidente Jair Bolsonaro.

Em entrevista por WhatsApp ao GLOBO, Alvim promete lutar "pela preservação dos princípios, valores e conquistas da civilização judaico-cristã, contra o satânico progressismo cultural". Ao mesmo tempo, garante que não boicotará artistas que sejam de esquerda: "não peço as credenciais ideológicas de um artista para julgar sua obra".

Em linhas gerais, quais os principais projetos que o senhor pretende implementar no Centro de Artes Cênicas da Funarte?

Vou revitalizar a rede de teatros federais, fomentando a criação de companhias residentes, através da nomeação de diretores artísticos para cada espaço. Também vou implementar, em cada um destes teatros, oficinas permanentes de dramaturgia, encenação e atuação, oferecidas gratuitamente à população.

Em Brasília, vou dirigir uma companhia estável de repertório clássico, que fará temporadas por lá, para em seguida excursionar pelo Brasil. A estreia se dará com "Os demônios" de Dostoiévski em 2020. E também vou criar uma escola de âmbito nacional, para a formação de uma nova geração no teatro brasileiro, norteada pelo rigor, pela excelência artística e pelo amor aos clássicos.

Como vê a produção do teatro brasileiro hoje? O que enxerga de valor na produção nacional?

Desmazelada, pautada radicalmente pela agenda progressista, com obras que são puro veículo de propaganda ideológica esquerdista, em sua imensa maioria...

O conceito de obra de arte foi substituído pelo ativismo político mais rasteiro. As obras não desvelam a complexidade da condição humana, mas reduzem as pessoas a categorias ideológicas. O marxismo cultural impera.

O senhor critica o modernismo e sua influência no teatro brasileiro. Pode explicar?

Critico o uso da arte como mero veículo de propaganda ideológica, com obras sem nenhum rigor estético, que só se preocupam em professar discursos progressistas em sistemas formais anódinos... A grandeza das obras dos mestres do passado vem sendo apagada deliberadamente da cena contemporânea nacional. E é apenas através do conhecimento e amor profundo por essas obras que podemos criar trabalhos de complexidade semelhante em nosso tempo.

O senhor prometeu nas redes sociais organizar artistas conservadores para criar uma máquina de guerra cultural...

O que fiz foi criar uma associação de artistas alinhados ao conservadorismo em arte, visando estabelecer uma rede de contatos entre eles, para que troquem ideias, experiências e, talvez, criem futuros projetos. Fiz isso como cidadão, não como membro do governo. Procurei dar voz a artistas que vêm sendo perseguidos e obliterados em seus trabalhos, exatamente como eu mesmo fui.

Quanto à guerra cultural: não a inventei. Fui uma vítima dessa guerra assimétrica, travada de forma feroz pela esquerda. Desde que declarei meu apoio ao Presidente Bolsonaro, fui linchado em redes sociais, difamado de forma brutal, e todas as instituições fecharam as portas pra mim. A classe artística tentou acabar com minha carreira e com minha vida por sua intolerância violentíssima com vozes discordantes. A esquerda sempre tenta destruir os que pensam diferente e ameaçam sua hegemonia.

Esse projeto vai ser levado para dentro da Funarte?

Exerci meu direito constitucional de formar uma associação. Isso, repito, não tem nada a ver com minha função no governo.

Após essa declaração, pessoas do setor da cultura afirmaram que esse discurso mostra uma tendência de um possível “dirigismo” e “revanchismo” na pasta que o sr. vai assumir. Como responde a essas críticas?

O mesmo dirigismo que a esquerda perpetrou durante décadas no poder? Não sou como eles... Meu interesse é pela criação de mais e melhores obras de arte. Um governo de direita apoia obras de arte. Um governo de esquerda apoia panfletagem política.

Sobre a definição de “conservadorismo em arte” o sr. faz uma distinção entre arte de "direita" e "esquerda". De direita seria uma arte que “revela a complexidade do ser humano” e de esquerda seria “doutrinação”. Pode explicar essa distinção e citar exemplos?

Fiz essa distinção para estabelecer uma tipologia. Na verdade, não existe obra de arte de esquerda. A esquerda faz apenas um uso sórdido e manipulador da ideia da arte. Toda obra de arte é essencialmente polissêmica, isto é: múltipla de significados. Obras de arte não são propaganda ideológica. São sistemas de relações formais que desvelam a complexidade da condição humana e emancipam poeticamente o espectador, ampliando sua sensibilidade em caminhos estéticos imprevistos através de narrativas simbólicas extremamente elaboradas, e que tem como finalidade a dignificação da vida.

O problema no Brasil é que a esquerda fez um uso da arte como mero veículo de panfletagem revolucionária, de modo similar à URSS. Isso foi a morte da arte brasileira e, no campo do teatro, promoveu o desmazelo abissal em que nos encontramos.

Artistas que sejam ideologicamente de esquerda e montem peças de obras clássicas poderão ser contemplados por políticas públicas voltadas para o “conservadorismo em arte”, seguindo essa lógica?

Claro que sim. Ao contrário da esquerda, não peço as credenciais ideológicas de um artista para julgar sua obra.

Alvim, em foto de 2004, quando ainda era de esquerda e ateu Foto: Camilla Maia / Infoglobo
Alvim, em foto de 2004, quando ainda era de esquerda e ateu Foto: Camilla Maia / Infoglobo

Como vai combater a hegemonia da esquerda na cultura? A intenção é substituí-la por uma hegemonia conservadora?

Nem que eu quisesse. A quantidade de aparelhamento esquerdista em Editais e Instituições de apoio à Cultura é imensurável... Minha ambição é equilibrar um pouco esse jogo.

O senhor já declarou que vai lutar como um “cruzado para redefinir a cultura brasileira no teatro”. Essa inspiração religiosa guiará as políticas que vai propor para o teatro no Brasil?

Tudo o que eu faço é para a glória de Deus. Minha luta se relaciona com as Cruzadas na medida em que os guerreiros cristãos lutaram no passado para impedir a destruição de nossa civilização por invasões muçulmanas. De modo análogo, eu luto hoje pela preservação dos princípios, valores e conquistas da civilização judaico-cristã, contra o satânico progressismo cultural.

A direita liberal, que ocupa espaço importante no governo Bolsonaro, costuma ser contra o investimento estatal em arte. Como enxerga a função de políticas públicas voltadas para a cultura?

Proporcionar a fruição estética de tesouros da humanidade como as peças de Shakespeare, Ésquilo, Sófocles, Racine, Marlowe, Ibsen, Strindberg, Nelson Rodrigues, à população, é, sim, uma obrigação do governo, posto que esta ação é o que forma a mentalidade de um povo, fomentando o amor aos princípios e valores mais nobres.

Pensemos na Grécia do século V a.C., e de como o governo ateniense patrocinava o teatro e o oferecia com total acessibilidade ao povo, e de como isso foi crucial para a grandeza da civilização grega. Ou, de modo similar, pensemos no teatro inglês do período elizabetano, e na pujança criativa imensurável que o apoio governamental proporcionou. O mesmo se deu com o classicismo francês, entre muitos outros exemplos.

O governo tem, sim, essa obrigação, para o bem de seu povo e de sua nação. Quando a arte adoece, o povo adoece junto. Promover o renascimento do teatro brasileiro é nossa missão agora, e isso só pode ser feito com os meios materiais e estruturais fornecidos pelo governo.

O senhor  já encenou “Leite derramado”, peça de Chico Buarque que é de esquerda e apoiador do PT. Voltaria a encenar essa peça ou é uma obra que renega?

Basta dizer que não o faria hoje. Quando a dirigi, eu pensava de modo muito distinto... Mas a conversão ao cristianismo, que se desdobrou num alinhamento ao conservadorismo e, por último, na adesão à direita no campo político, transformou completamente a mim e à minha obra.