Cultura Teatro e Dança

Solo de Marcos Veras mistura humor e críticas ácidas à busca pelo sucesso

Ator contracena com nove bonecos em ‘Acorda pra cuspir’

No novo espetáculo, Marcos Veras abandona o bom mocismo e abraça seu lado mau
Foto:
Divulgação
No novo espetáculo, Marcos Veras abandona o bom mocismo e abraça seu lado mau Foto: Divulgação

RIO — ‘Qual é o teu signo?’, perguntou Rogéria ao conhecer Marcos Veras. Ao ouvir que ele, nascido em 9 de maio, era taurino, sentenciou: “nunca serás pobre”, e foi embora.

O ator lembra a história para falar sobre José Silva, personagem que leva ao palco da Sala Fernanda Montenegro, no Teatro do Leblon, desde sexta-feira. “Acorda pra cuspir” é um solo escrito pelo americano Eric Bogosian no qual um homem (o próprio Eric, no original) leva as cobranças por sucesso profissional e financeiro da sociedade contemporânea a extremos.

— Dinheiro é muito bom. Eu adoro, inclusive — diz ele, rindo. — Mas o José Silva passa por cima da família, dos amigos e até dele próprio para chegar ao sucesso; ele se torna uma figura insana. E o que pode parecer ficção, na verdade, é muito real: as pessoas identificam conhecidos e até a si mesmas. Nova York é um pouco isso: as pessoas trabalham, trabalham, e não param para serem felizes.

No dia da entrevista, no início desta semana, o ator acabara de voltar de uma curta viagem aos Estados Unidos com a mulher, a atriz Júlia Rabello. A pausa de apenas uma semana foi o que Veras conseguiu encaixar na atribulada agenda: só em 2016, seis filmes que o trazem no elenco chegam aos cinemas, incluindo “Contrato vitalício”, que estreou em junho. Até o fim do ano, virão “Um namorado para minha mulher”, “Desculpe o transtorno”, “O filho eterno”, “O Shaolin do sertão” e “Os saltimbancos trapalhões: Rumo a Hollywood”. Em outubro, fim da temporada carioca da peça, ele parte para São Paulo, onde filma “Restô”, de André Pellenz, com quem fez “Festa da firma”. A estreia é prevista para junho de 2017.

— Recebo muitos convites para filmes, novelas etc., mas faço questão de sempre ter um ou dois projetos meus. Quando o artista tem seus projetos pessoais, ele se torna dono de sua carreira, e, com isso, ganha muito mais liberdade e independência — afirma a o ator.

CUSPARADA

“Acorda pra cuspir” começou a ser gestado três anos atrás, quando Veras e o produtor Rodrigo Velloni decidiram trabalhar juntos. Depois de assistir a dois outros textos de Eric Bogosian com versões brasileiras, “Sexo, drogas e rock’n’roll”, com Bruno Mazzeo, e “Talk radio”, dirigido por Maria Maya, ele imergiu no universo criado pelo ator e escritor americano até chegar a “Wake up and smell the coffee”, expressão que, traduzida de forma literal, significa “acorde e cheire o café”.

— A gente achou que “Acorda para a vida” soaria como autoajuda. E “Se liga!” ia ficar muito jovem, meio teen. “Acorda pra cuspir” é mais denso, mais provocador — explica.

Coincidentemente, o espetáculo estreou em São Paulo justamente no dia em que o deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) lançou uma cusparada em direção a Jair Bolsonaro (PSC-RJ), na sessão da Câmara que decidiu o afastamento da presidente Dilma Rousseff. Aos comentários de que teria sido visionário, ele responde que o nome já estava escolhido há tempos, mas essa não foi a única coincidência. Durante as gravações da novela “Babilônia”, Juliana Alves chamou sua atenção usando justamente a expressão:

— Olhei para ela e disse: “Ju, por que você falou isso?”. E ela: “Ué, eu sempre falo isso”. “É o nome do meu próximo espetáculo!”

Embora tenha sido escrito em 2002, Veras afirma que o texto cai como uma luva em um momento político conturbado, em que agressões virtuais se tornaram comuns e posts indignados são compartilhados mesmo sem terem sido devidamente lidos:

— No espetáculo, mostramos como a gente gosta de ver tragédia na televisão. Todo mundo vai parar para assistir, torcendo para haver imagens da queda de um avião, da decapitação de uma pessoa. É o show da morte. Nós, os “normais”, também podemos ser vilões. Acorda pra cuspir!

UM LADO PERVERSO

Embora a mensagem seja forte, o ator famoso por fazer rir plateias das mais diversas (o show “Falando a Veras”, por exemplo, teve espectadores dos 14 aos 80 anos) não abandonou a comédia em seu novo solo. Mas ele avisa que o trabalho atual mexe com um registro muito diferente do estilo que o consagrou. Descrevendo a si mesmo como uma pessoa otimista, um de seus maiores desafios foi quando o diretor Daniel Herz lhe pediu para abandonar a imagem de bom moço e abraçar seu lado perverso, fazendo o que chama de uma “comédia suja”.

Reforçando o tom crítico do texto, o cenógrafo Fernando Mello da Costa criou bonecos vestidos com o mesmo figurino do personagem de Veras.

— Eles representam bem a repetição de discursos que vemos hoje — diz Veras, revelando que, antes de cada função, dá um tapinha no rosto e deseja “merda” a cada um dos nove companheiros de palco.

SERVIÇO

“Acorda pra cuspir”

Onde : Teatro do Leblon — Rua Conde de Bernadotte, 26 (2529-7700).

Quando : Sex. e sáb., às 21h. Dom., às 20h. Até 2/10.

Quanto : De R$ 60 a R$ 80.

Classificação : 14 anos.