Cultura Teatro e Dança

Única primeira-bailarina do Municipal rebola para driblar a crise no teatro

Depois de ir às ruas brigar por salários, Claudia Mota agora une colegas para dançar pelo país
Claudia Mota, primeira-bailarina do Theatro Municipal Foto: Leo Martins / Agência O Globo
Claudia Mota, primeira-bailarina do Theatro Municipal Foto: Leo Martins / Agência O Globo

RIO — Única primeira-bailarina do Teatro Municipal em atividade hoje, Claudia Mota viu o papel que desempenha há dez anos mudar com a crise do estado, que atrasou três salários seguidos (dois permanecem não pagos, novembro e dezembro, além do décimo terceiro do ano passado).

Servidora do teatro há 21 anos — fora o período em que estagiou lá —, em 2017 desceu das sapatilhas de ponta, orçadas em R$ 900 e mantidas graças a um patrocínio, para protagonizar outros atos. Do alto de seus 1,67m e 49 quilos (a idade ela não conta), foi para a rua protestar, levou spray de pimenta na cara e deu entrevistas para chamar a atenção para o drama de colegas de que mal tinham dinheiro para chegar ao local de trabalho.

É dura a vida da bailarina. Como em qualquer espetáculo, expôs-se a aplausos e a críticas. Mas vem se mantendo firme em sua posição de não abandonar o teatro, assim como outros colegas que teimam em não sair de cena:

— O cargo que represento é de muita responsabilidade. Não é só vir ao palco e liderar um corpo de baile. Tudo que conquistei eu devo ao Municipal. Chegou a hora de retribuir. Não critico quem vai para fora, mas quero espalhar a arte pelo Brasil.

O modo que encontrou de fazer isso chama-se Ballet Gala Brasil. No mundo da dança, a gala é um espetáculo que reúne trechos de peças dos repertórios clássico e contemporâneo. A ideia é reunir bailarinos da casa para viajar o país se apresentando em festivais, por exemplo, de forma a mantê-los dançando e recebendo por exercer a profissão. A princípio, nove profissionais estão envolvidos na empreitada — no grupo, além dela, há três membros de sua família: o marido Edfranc Alves, a irmã Priscilla e o cunhado Rodrigo Neri, todos primeiros solistas. No programa, trechos de “O quebra-nozes”, “O lago dos cisnes” e “Dom Quixote”, além de duas obras contemporâneas, que Negri vai coreografar.

— São bailarinos incríveis e versáteis, prontos para levar o nome do teatro também para fora. Mas este é um projeto pessoal meu, não tem nada a ver com o Municipal. Quando o teatro voltar, estaremos aqui — explica ela, que busca patrocínio e negocia oportunidades de apresentações em São Paulo, Belo Horizonte e Natal. — Chamei os bailarinos que sei que já têm um repertório pronto. Mais para a frente quero agregar mais gente.

CORTANDO "LUXOS" COMO JANTARES FORA

Filipe Moreira, um dos primeiros-bailarinos do Municipal que chegou a dirigir um Uber para poder pagar as contas, faz parte do grupo.

— A Cláudia é extremamente profissional e tem uma grande capacidade de lidar com a pressão que o cargo impõe — diz ele. — Na hora da crise, colocou a cara a tapa. Quando vem com uma ideia como essa, não tem como não abraçarmos.

Claudia e Edfranc também vêm enfrentando dificuldades. Começaram cortando “luxos”, como viagens e jantares fora. Pediram empréstimos e a ajuda da mãe dela (que faz roupas de balé), para pagar o aluguel atrasado. Também receberam cestas básicas angariadas pelo movimento S.O.S Teatro Municipal:

— Eu tinha uma reserva, que acabou. Foi quando pensei: tenho que dançar para ganhar dinheiro. Até para me manter em forma.

Segundo Ana Botafogo, codiretora do Corpo de Baile do Municipal, que já chegou a dividir papéis com Claudia, a questão da forma está sob controle:

— Ela é experiente, já fez os grandes clássicos e está sempre pronta para dançar. Mesmo na crise, se mantém em forma. Os primeiros-bailarinos são referência para nosso corpo de baile, que tem integrantes muito jovens. São os responsáveis por manter a chama acesa.