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Por Gustavo Cunha — Rio de Janeiro


O bailarino e coreógrafo Zebrinha, jurado técnico do quadro Dança dos Famosos, do programa 'Caldeirão com Huck' — Foto: Fábio Rocha/TV Globo/Divulgação
O bailarino e coreógrafo Zebrinha, jurado técnico do quadro Dança dos Famosos, do programa 'Caldeirão com Huck' — Foto: Fábio Rocha/TV Globo/Divulgação

José Carlos Arandiba avisa que não gosta muito de "ostentar essas coisas" ao confirmar que, sim, já dançou ao lado de nomes como Frank Sinatra, Liza Minnelli, Tina Turner e Elton John. Destaque no corpo de jurados técnicos do "Dança dos famosos", quadro do programa "Domingão com Huck", o bailarino e coreógrafo apelidado de Zebrinha — ele não revela, por nada, a origem da alcunha — avalia a própria carreira como fruto de um "transe", como ele diz.

— Quando passo por um estado criativo, acho que recebo alguma entidade. Por isso, não me lembro bem das coisas — ri ele, que há três décadas é diretor artístico do Bando de Teatro do Olodum e do Balé Folclórico da Bahia. — Minha saga na dança é muito longa e muito doida.

A trajetória profissional de Zebrinha realmente impressiona. Não à toa, o baiano de 67 anos, que divide o júri do "Dança dos famosos" com Ana Botafogo e Carlinhos de Jesus, é constantemente reverenciado pelos participantes do reality show. "Zebra é um cara fundamental para a dança brasileira, para a dança afro, para a dança moderna, e muita gente não sabe disso", enalteceu a atriz Jéssica Ellen, às lágrimas, na estreia da atração, em abril.

O bailarino e coreógrafo Zebrinha, jurado técnico do 'Dança dos famosos' — Foto: Fábio Rocha/Divulgação
O bailarino e coreógrafo Zebrinha, jurado técnico do 'Dança dos famosos' — Foto: Fábio Rocha/Divulgação

O coreógrafo afirma que lida "quase todos os dias" com reações parecidas. E fica feliz, sem modéstia, por ter se tornado uma referência aos mais jovens. Há cerca de 30 anos, ele roda o país para ministrar oficinas em diferentes cidades ("Minha profissão hoje é essa: sou simplesmente um professor de dança", ele diz).

— Sou famoso nas comunidades pretas desse país todo. Agora, por estar com a cara na TV aos domingos, as pessoas me abordam até quando estou de máscara nas ruas... Fico muito inibido e desconfortável, porque não é mais o reconhecimento pelo respeito sobre o que faço, mas pelo glamour, o que a mim não diz muita coisa hoje em dia — ressalta ele, que finaliza um documentário, com previsão de lançamento para novembro, sobre figuras importantes para a história da dança preta na Bahia. — Percebi, um dia, que as pessoas que me inspiraram não estão nos livros de dança, nas rodas de conversa, nos colóquios universitários... São artistas fadados a desaparecer. É essa a razão pela qual estou fazendo esse filme.

'Ninguém fomentou isso dentro de mim'

Zebrinha deu seu primeiro grande passo de dança no fim da adolescência, na escola estadual onde era aluno, no bairro da Liberdade, em Salvador. Junto com outros colegas, apresentou, numa aula de química, uma coreografia para explicar o funcionamento das moléculas de água. Os professores o elogiaram pela performance e prometeram, entre si, que "fariam alguma coisa com aquele menino".

Depois disso, o jovem que sonhava prestar vestibular para Veterinária viu-se levado pelo o que ele define como a "arte de de escrever histórias com o próprio corpo". Ingressou no Grupo de Dança Contemporânea da Universidade Federal da Bahia e, "acordando do tal transe", como recorda, deu-se conta de que a vida já estava direcionada para certo ritmo.

O bailarino e coreógrafo Zebrinha em sua passagem pela Europa, na década de 1980 — Foto: Reprodução/Arquivo pessoal
O bailarino e coreógrafo Zebrinha em sua passagem pela Europa, na década de 1980 — Foto: Reprodução/Arquivo pessoal

Antes de completar 20 anos, Zebrinha conquistou uma bolsa integral para estudar no renomado Alvin Ailey American Dance Center, em Nova York. Nos anos subsequentes, mudou-se para a Holanda, onde se formou em Pedagogia da Dança e concluiu um mestrado, sempre com bolsas integrais em espaços de ensino consagrados. Antes de retornar ao Brasil na década de 1990, viveu em Paris, trabalhando com grupos africanos. Nesse período, aprendeu cinco idiomas: inglês, holandês, alemão, francês e espanhol.

— Minha vida foi realmente fora da curva: tive a chance de frequentar as melhores escolas e cursos do mundo. E nunca se falou em arte dentro da minha casa, na Bahia. Ninguém fomentou isso em mim. A única coisa que minha família fazia era alimentar seus filhos dignamente — rememora ele. — Eu nem sabia que a arte poderia ser uma saída. Para mim, as pessoas já nasciam Caetano Veloso, Gilberto Gil, Elizabeth Taylor...! Eu nem pensava que era preciso começar do zero para chegar até lá (risos).

Ele chegou a lugares que jamais imaginaria ocupar. Em sua passagem pela Europa, Zebrinha foi contratado para dançar em festas beneficentes organizadas pela princesa Grace Kelly, de Mônaco. Ali, como integrante do Balé de Monte-Carlo, compôs o corpo de baile de shows de Frank Sinatra, Liza Minnelli, Elton John, Tina Turner... Certa vez, precisou pedir para uma das filhas de Grace se calar, já que ela estava incomodando bailarinos e músicos no ensaio.

— Às vezes não gosto de citar essas coisas, porque, pra mim, tudo era de uma normalidade grande. Normalidade, pra mim, era tanto viver dentro de uma casa pequena com 13 pessoas, na Bahia, como chegar a Mônaco e mandar uma das filhas da princesa Grace calar a boca. Tudo isso é normalzinho — afirma. — São coisas que parecem enormes, mas que eu merecia ter passado. Acho que precisei me alimentar disso para hoje repassar tudo para os meus alunos.

O coreógrafo Zebrinha e o ator Lázaro Ramos: professor e aluno são grandes amigos — Foto: Reprodução/Instagram
O coreógrafo Zebrinha e o ator Lázaro Ramos: professor e aluno são grandes amigos — Foto: Reprodução/Instagram

Os pupilos do Bando de Teatro do Olodum e do Balé Folclórico da Bahia, a quem ele chama de filhos, estão espalhados por todo o mundo ("Digo que já está na hora de fechar minhas trompas", ele brinca). Alguns se tornaram grandes amigos, como o ator Lázaro Ramos, que foi seu aluno aos 14 anos e hoje o trata como "segundo pai" — e com quem ele trabalhou, como preparador corporal, em produções como a novela "Lado a lado" (2012) e a série "Mister Brau" (2015). Zebrinha aparece, aliás, numa das cenas do recém-lançado "Medida provisória", estreia de Lázaro como diretor de cinema.

Hoje, o bailarino e coreógrafo acredita que todos os seus alunos e ex-alunos são profissionais "muito melhores" do que ele. E dá um suspiro profundo ao celebrar o fato de que a juventude preta está, cada vez mais, informada, organizada e combativa para enfrentar o racismo.

— Se eu tivesse esse letramento racial lá atrás, minha vida teria sido bem mais tranquila — reconhece. — Nunca havia prestado a devida atenção, por exemplo, para o que um amigo passou na adolescência. Ele foi posto para fora de uma sala de balé na Bahia, e as pessoas disseram que o lugar dele não era ali. Falaram que meu amigo era um preto fedorento, e que tinha que vender limão na feira. Qual a história dele? Saiu do Brasil e dançou nos maiores balés europeus. Também ouvi coisas parecidas... Antes de ir para os Estados Unidos, quando estava no Brasil, eu era chamado de "preto feio". Nesse período, só ria com as mãos sobre a boca, porque tinha vergonha dos meus dentes. Ao viajar para a Europa, virei o preto sujo. E quando finalmente voltei ao Brasil, passei então a ser o preto metido.

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