Cultura

Termo, o 'Wordle brasileiro', conquista público e gera até ameaças de morte em dias de palavras difíceis

Criador do game garante que manterá jogo gratuito e lamenta intimidações: 'As pessoas precisam comunicar suas frustrações de outro jeito'
Caça-palavras: jogo Termo, inspirado no Wordle, propõe desafio diário Foto: Arte de Gustavo do Amaral / Agência O Globo
Caça-palavras: jogo Termo, inspirado no Wordle, propõe desafio diário Foto: Arte de Gustavo do Amaral / Agência O Globo

A regra é simples. Em até seis tentativas, deve-se adivinhar uma palavra de cinco letras. À medida que o jogador faz os palpites, o sistema oferece dicas, como se vê na imagem abaixo: em cinza/preto, aparecem as letras que não pertencem ao vocábulo (no caso, COURO); em amarelo, as que fazem parte do termo em questão, mas não estão em posição correta; em verde, as que compõem a palavra e já aparecem no lugar certo.

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Todo dia, pelo menos três milhões de pessoas seguem a mesma cartilha. Criado em novembro de 2021 pelo engenheiro de software nova-iorquino Josh Wardle — como um presente de aniversário para a namorada —, o jogo Wordle se tornou, de repente, o maior fenômeno digital da última década, segundo analistas americanos. Comprado pelo New York Times por um valor “na casa dos sete dígitos”, como revelaram representantes do jornal, o game movido a um desafio diário, o mesmo para todos os jogadores, inspira um sem-número de versões mundo afora. O Brasil, claro, não ficou de fora.

Criado nas férias

Jogo Termo: adivinhação de uma palavra por dia na internet Foto: Reprodução
Jogo Termo: adivinhação de uma palavra por dia na internet Foto: Reprodução

Principal responsável pela disseminação dessa febre em solo tupiniquim, Fernando Serboncini estava de férias, em janeiro, quando resolveu inventar uma versão lusófona para o Wordle. Funcionário do Google, o paulistano que há cinco anos mora em Montreal, no Canadá, buscava maneiras de se divertir com vocábulos em português e, em três dias, criou o Termo (disponível neste site ). Há exatos dois meses, enviou o link do jogo para a mulher, o irmão e três amigos. Uma hora depois, notou que 20 mil pessoas acessavam o site. Nas semanas seguintes, nomes como o humorista Marcelo Adnet, o streamer Casimiro e a colunista do GLOBO Malu Gaspar usavam as redes sociais para dizer que estavam viciados naquilo.

Hoje, mais de 600 mil falantes de língua portuguesa — 85% de brasileiros — jogam o Termo diariamente, normalmente à meia-noite (quando é liberado o desafio) ou entre 9h e 10h, enquanto tomam café. Após a resolução do enigma, compartilham o próprio desempenho por meio do WhatsApp ou do Twitter, e é nesse momento que mais gente embarca na brincadeira.

— É interessante, pois não estamos mais sozinhos jogando uma palavra cruzada. Agora, temos a possibilidade de trocar os resultados. Isso impulsiona o jogo — diz o humorista Marcelo Adnet, entusiasta do game .

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Especialistas explicam que não é difícil identificar a razão para a nova mania. O Wordle e todas as suas derivações são popularmente citados como “joguinhos” porque têm a medida exata para a rotina célere do século XXI. Exigem pouco tempo (a rigor, apenas alguns minutos), só podem ser jogados uma vez ao dia, divertem e, sim, funcionam como exercícios cognitivos, tal como palavras cruzadas , sudokus e afins.

— Estamos na era do imediatismo, em que praticidade é sinônimo de economia de energia. A simplicidade atrai — ressalta o neurocientista Fabiano de Abreu. — Esses são jogos que exigem raciocínio lógico, imaginação e criatividade e, por isso, promovem a neuroplasticidade, essencial para o desenvolvimento neural.

Não à toa, muita gente sugere que seja lançada uma versão “premium” do Termo, em que o jogador possa pagar para entreter-se mais de uma vez ao dia. Serboncini, o “pai” do Termo, não esconde a satisfação com a repercussão positiva. Mas com limites, como diz. Ele não ganha um centavo com o jogo, que pretende manter como um hobby.

— No começo, foi meio chocante. Pensei: “What the fuck, vou ter que gastar tempo com isso?” — brinca ele, que tem negado propostas de anunciantes e solicitações para a compra do jogo. — A coisa cresce de um jeito maluco. Na minha família, várias pessoas jogavam o Termo sem saber que eu era o criador. Não houve um plano.

Dueto e Quarteto

Fernando Serboncini diz que tenta “viver normalmente” após o sucesso repentino do Termo. Todos os dias, o brasileiro gasta três horas de seu tempo livre para pensar como incrementar o game e responder as centenas de mensagens — elogios, ofensas e intimidações — que tem recebido.

— As pessoas me escrevem para falar de tudo, muitas vezes para reclamar das palavras do dia. Quando começaram a me mandar ameaças de morte, falei: “Ah, gente...” Sei que não é de propósito. Acho que ninguém quer me matar. Mas as pessoas precisam comunicar suas frustrações de outro jeito — conta ele, que, na última semana, lançou o Dueto e o Quarteto, versões mais difíceis do Termo, em que é preciso encontrar simultaneamente duas ou quatro palavras. — Isso virou parte da minha vida. Talvez me irrite eventualmente, mas por enquanto tenho achado legal.

Os termos a serem adivinhados são escolhidos ao acaso por um sistema vinculado a um acervo com cerca de 18 mil vocábulos, algo gestado pelo próprio Serboncini. Como não há dicionários em português que ofereçam bases de dados gratuitamente, o programador elaborou um algoritmo para garimpar vocábulos em 28 fontes na internet, como posts do Facebook e até súmulas do Supremo Tribunal Federal (STF).

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Dessa grande sopa de palavras, ele pescou pouco mais de três mil termos, deixando submersos substantivos e adjetivos insólitos. Nas partidas do Termo, para realizar os chutes, o jogador pode até usar palavras incomuns, como a expressão regional “ambuá” (que designa animais como lacraias), mas jamais verá vocábulos assim coloridos de verde. Palavrões, nomes próprios e conjugações de verbos são vetados.

— Dei uma filtradinha. Quando o negócio foi crescendo, bateu uma pequena preocupação. É como se estivesse gritando uma palavra para 600 mil pessoas. Existe alguma responsabilidade aí. Não achei legal ter “foder”, por exemplo, na palavra do dia. Talvez seja bobagem... E tirei “seios” só porque minha mãe pediu — revela, aos risos, Serboncini, que atualmente prevê uma validade de quatro anos para o jogo, até que as charadas passem a se repetir.

A engrenagem é parecida no Letreco , outra versão brasileira do Wordle que angaria um número crescente de jogadores. Diferentemente de Serboncini, o jovem Gabriel Toschi, que criou o game também em janeiro, escolhe manualmente as palavras a serem descobertas. Na véspera da estreia do “Big Brother Brasil 22”, o termo correto era “espiã”.

— Quem quiser jogar Letreco pela próxima década vai ter uma palavrinha ali todo dia — promete Toschi, de23 anos, designer de jogos de tabuleiro recém-formado em Ciências da Computação pela USP.

'Servidorzinho de R$ 50'

A depender do engajamento do público, Wordle, Termo, Letreco e outros incontáveis genéricos — a maioria com códigos abertos para profissionais que desejam recriá-los — terão vida longa. No caso do Termo, o jogo é um dos assuntos mais comentados da internet manhã sim, outra também. Até agora, a palavra com menos acertos foi Oxalá — “que caiu numa sexta-feira (dia do orixá) por uma escolha de Oxalá, só pode”, brinca Serboncini.

Do outro lado do Atlântico, portugueses se interessam, cada vez mais, pela brincadeira. E fazem barulho nas redes quando deparam com palavras estranhas a eles, como “miojo”, “mamãe”, “sachê”, “turnê”...

— O Termo é um pequeno milagre. Esses joguinhos bestas se transformaram no “algo a mais” de um ciclo que estava fechado há dez anos. Hoje, as pessoas pegam o celular para usar o Twitter, o Instagram, o YouTube e... o Termo. E olha que essas empresas têm um infinito de dinheiro. Eu tenho só um servidorzinho de R$ 50 — diz Serboncini. — Isso dá esperança para voltarmos a ter uma internet mais diversa.