Exclusivo para Assinantes
Cultura

Treze anos após último álbum, The Who prova que química resiste em ótimo disco de inéditas

Com lançamento marcado para sexta-feira, as 11 canções de 'Who' unem maturidade melódica e entusiasmo juvenil de Roger Daltrey e Pete Townshend
O guitarrista Pete Townshend e o vocalista Roger Daltrey, do grupo inglês Who Foto: Divulgação
O guitarrista Pete Townshend e o vocalista Roger Daltrey, do grupo inglês Who Foto: Divulgação

RIO - Quando o Who lançou o seu último álbum de inéditas, o irregular "Endless wire" (2006), os Strokes ainda reinavam no mundo do rock e a ideia de um disco novo de uma banda com mais de 40 anos de carreira — mesmo que fosse um monumento histórico como o Who — era vista com mais respeito do que entusiasmo pelas novas gerações, acostumadas aos fracos grunhidos de muitos dinossauros.

Esta sexta-feira, dia 6, depois de 13 anos, a banda volta com "Who" em uma situação bem-diferente: ultrapassados os 50 anos de existência e em constante (e energética) atividade, o grupo de Pete Townshend e Roger Daltrey tornou-se um sobrevivente do rock de fato necessário em um tempo em que nem os Strokes poderiam mais garantir algum alento. E quem ficou com um pé atrás quando Daltrey disse que este seria o melhor disco do grupo desde "Who's Next" pode se tranquilizar: "Who" não faz feio diante da obra-prima de 1971.

Aos 75 anos, o vocalista não irá mais se esgoelar como fazia nos bons tempos em “Won’t get fooled again”. Aos 74, o guitarrista e compositor Townshend até tenta, mas não consegue mais competir com o jovem que fazia moinhos de vento com sua guitarra. Mas como se viu no show do Rock in Rio de 2017 , eles ainda têm muita química no palco, com uma versão do Who bem próxima do espírito da original, com o baterista-dínamo Keith Moon (falecido em 1978) e o baixista John Entwistle (que morreu em 2002).

SOBE O MORRO: Baterista do Who e filho de Ringo Star, Zak Starkey vai à Rocinha gravar o rap do grupo Covil do Flow

Essa química resiste no novo disco, apesar do controverso método de trabalho que a banda combinou com o produtor Dave Sardy (de álbuns do Oasis ): Pete Townshend compôs as canções e as gravou com os atuais músicos do Who (o baterista Zak Starkey , o seu irmão-guitarrista Simon Townshend e o baixista Pino Palladino ) e depois deixou que Roger Daltrey resolvesse sozinho os vocais. No entanto, "Who" soa vivo e dinâmico, sem os defeitos dos discos protocolares dos grandes astros de rock, mas como uma espécie de resumo de tudo que a banda fez ao longo da carreira.

“Eu não me importo, sei que você vai odiar essa canção”, canta Roger Daltrey na faixa de abertura, “All this music must fade”, que é um legítimo rock do Who, com aquele misto de entusiasmo juvenil e maturidade melódica — um tipo de canção do qual Townshend parecia ter jogado a fôrma fora. Já em “Rockin’ in rage”, outro rocão da nova safra, o vocalista fala de uma certa irritação com a correção política dos atuais tempos: “se eu não puder falar a minha verdade / por medo de ser insultado / melhor ficar mudo”.

Detalhe da capa de "Who", álbum do grupo inglês Who Foto: Reprodução
Detalhe da capa de "Who", álbum do grupo inglês Who Foto: Reprodução

Cordas vigorosas conduzem “Hero grounds zero”, faixa em que Townshend antecipa a adapatação musical que está fazendo do seu romance “Age on anxiety”: é a cama em que Zak Starkey se deita para repetir com gosto o estilo do padrinho Keith Moon. Grandiosa, como boa parte do que o Who fez nos anos 1970, “Street song”, traz, por sua vez, alguns toques políticos, inspirados pelo incêndio na Grenfell Tower, de Londres, em 2017 (que matou 71 pessoas e provocou um debate sobre se a negligência com as habitações sociais da cidade teria sido a causa da tragédia). E não é só: em “Ball and chain”, Townshend fala dos suspeitos de terrorismo torturados pelos americanos na prisão de Guantánamo.

CLÁSSICO: 'Tommy', do The Who, chega ao Rio em musical derivado do filme de Ken Russell

Um lado mais leve do disco se apresenta em “Don’t want to get wise”, rock fino sobre os desafios ao se chegar a uma idade, digamos, avançada (involutariamente ecoando a ancestral “My generation” do "quero morrer antes de ficar velho"). “Detour” (com uma deliciosa e jazzy segunda parte), “Beads on one string” (com visões de Townshend sobre o Brexit) e a balada soul “I’ll be back” (de fazer inveja a Paul McCartney , cantada pelo guitarrista) dão um bom respiro ao disco, junto com o folk “Break the news”, composição de Simon Townshend.

No fim das contas, "Who" é um daqueles bem-vindos discos que descem redondo. O trabalho de uma grande banda de rock que, aparentemente, não acreditou nessa história de que é preciso sofrer para produzir algo digno de nota depois de tanto tempo longe dos estúdios.

Cotação: Ótimo