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Cultura

Troca de acusações abala meio literário nos Estados Unidos

Associação pune uma das autoras envolvidas e membros da diretoria renunciam
A americana Kathryn Lynn Davis, acusada de racismo em livro Foto: Reprodução
A americana Kathryn Lynn Davis, acusada de racismo em livro Foto: Reprodução

NOVA YORQUE - Autores best-sellers criticaram abertamente a Romance Writers of America (R.W.A), poderosa associação de ficcionistas, com mais de nove mil membros, por conta do desfecho envolvendo as acusações trocadas entre as autoras Courtney Milan e Kathryn Lynn Davis. O barulho foi tanto que a maioria dos integrantes do conselho renunciou nos últimos dias de 2019. Na segunda-feira passada, a R.W.A informou que contratou um escritório de advocacia para conduzir uma auditoria do processo. O motivo da disputa foi o tratamento recebido por Milan, ex-membro do conselho e do comitê de ética da R.W.A. No Twitter, ela chamou o romance “Somewhere lies the moon”, de Davis, de “bagunça racista”.

Courtney Milan que, por sua vez, é acusada de ciberbulliyng Foto: reprodução
Courtney Milan que, por sua vez, é acusada de ciberbulliyng Foto: reprodução

Milans, que é chinesa-americana, incomodou-se com a representação de mulheres chinesas do século XIX no livro. Ela citou a descrição de “olhos desnivelados de amêndoa” e a fala de um personagem que descreve as mulheres chinesas como “recatadas e quietas, como nossas mães nos ensinaram”. “A crença de que as chinesas são submissas é um estereótipo racista que estimula a violência contra as mulheres”, tuitou Milan.

Davis, membro honorário da R.W.A., discordou e disse que seu livro é historicamente preciso e baseado em anos de pesquisa. Ela se queixou ao comitê de ética, alegando que os comentários de Millan eram “cyberbullying” e que, por conta deles, perdeu um contrato editorial.

Em resposta à queixa, Milan disse que o código de ética da R.W.A não se aplica a discussões nas redes sociais e acrescentou:

— Estereótipos negativos de mulheres chinesas impactaram a minha vida e as vidas de minha mãe, de minhas irmãs e de minhas amigas.

Milan foi suspensa da R.W.A e não poderá mais ocupar posições de liderança na organização. Ela chamou sua punição de “traição” e compartilhou documentação sobre o processo com a escritora Alyssa Cole, que a publicou no Twitter.

— Se banir um autor já marginalizado por criticar um livro é a política da R.W.A., acho que todas as pessoas marginalizadas na organização devem saber disso — disse Milan.

Outros autores best-sellers, como Nora Roberts e Cynthia Eden, vieram a público em apoio a Milan. A R.W.A reverteu o julgamento, mas oito membros do conselho renunciaram, como a ex-presidente Carolyn Jewel.  Começou também a circular pela internet um abaixo-assinado exigindo a renúncia do novo presidente Damon Sued.

Em uma mensagem enviada anteriormente aos membros, a R.W.A. chamou o incidente de “ponto de virada”. “Nós temos perdemos a confiança de nossos membros e da comunidade literária e precisamos recuperá-la”, disse, reiterando seu comprometimento com “a diversidade, a igualdade e a inclusão”.

Há anos, a ficção comercial é cobrada por mais diversidade. Autores e seus personagens são predominantemente brancos. Editores já disseram querer publicar mais livros escritos por autores não brancos.

Davis, que prestou a queixa, afirmou estar “estupefata”. Ela disse que a punição de Milan foi excessiva e que tudo o que queria era “um pedido de desculpas”.

– A organização e as pessoas que tomaram essa decisão não são as mesmas coisas – disse Milan. – A resposta dos membros deve encorajar todos aqueles que se importam com diversidade na R.W.A e na ficção.