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Cultura Artur Xexéo

Um oásis de delicadeza

Com a novela 'Bom sucesso' garanto minha dose diária de bom gosto, bom humor e bons modos

Já avisei até dona Candoca. Não adianta me telefonar, mandar mensagem gravada, passar e-mail, bater na porta. Se for na hora da nova novela das sete, não atendo, não ouço, não leio, não abro. É só Zeca Pagodinho e Tereza Cristina começarem a cantar “O sol nascerá”, de Cartola, anunciando o início de cada capítulo, para eu ficar atento e garantir minha dose diária de bom gosto, bom humor e bons modos. É um ótimo antídoto contra o mau gosto, o mau humor e os maus modos que andam assombrando o cotidiano brasileiro.

Por que “Bom sucesso” é uma novela tão boa? São muitos os motivos. Pra começar, quantas vezes você ouviu um samba de Cartola na abertura de uma novela? É sempre bom ouvir Cartola todos os dias, mesmo que seja sempre o mesmo samba. E tem Grazi Massafera, no auge da graça e da versatilidade, como protagonista. Não é fácil ser protagonista de novela. É ela quem tem mais cenas para decorar, é ela quem grava em todos os cenários e ainda tem que ter carisma suficiente para convencer o espectador a acompanhar sua trajetória. E Grazi não deixa a peteca cair. Tá bonita, simpática e convencendo no papel da mãe suburbana que se vira nos 30 pra criar sozinha os três filhos.

“Bom sucesso”, como qualquer novela, tem um núcleo adolescente, os alunos do Colégio Dias Gomes. Diferentemente de outras novelas, porém, os adolescentes de “Bom sucesso” se parecem, falam e se comportam como adolescentes de verdade. Como qualquer novela, “Bom sucesso” se sustenta nas idas e vindas de um triângulo amoroso, com Grazi (Paloma) se dividindo entre os personagens de David Júnior (Ramon) e Rômulo Estrela (Marcos), dois atores que têm a rara qualidade de aliar pinta de galã com talento. Aparentemente, não há vilões neste triângulo. A vilania da novela foi concentrada na dupla Sheron Menezes e Armando Babaioff. Seria repetitivo dizer que eles também estão esbanjando talento. Na verdade, o que não falta na escalação de “Bom sucesso” são atores talentosos, todos abençoados pelo veterano Antonio Fagundes, que dá show até dirigindo uma cadeira de rodas.

Mas o que vem transformando “Bom sucesso” na melhor novela em cartaz ar é o texto impecável da dupla Rosane Svartman e Paulo Halm. Craques do roteiro, com experiência no cinema e outra novela das sete no currículo (“Totalmente demais”, de 2015), desta vez, eles escolheram, um tema difícil, a morte, aparentemente pouco adequado para o horário. Mas eles encararam o desafio com disposição e o resultado está no ar: uma novela leve, divertida, que trata com poesia um assunto que poderia ser depressivo.

De quebra, os autores recheiam seus diálogos com boa literatura (uma editora de livros é um dos cenários da trama), incluindo trechos de “Alice no País das Maravilhas”, “O mágico de Oz”, citações de Clarice Lispector, referências a Jorge Amado... tudo de maneira apropriada, sem didatismo. “Bom sucesso” vem falando de delicadeza num país que parecia conformado em aceitar a vulgaridade que chega diariamente de Brasília. Faz a gente acreditar que, com o ensina Cartola no samba de abertura, “finda a tempestade, o sol nascerá”.