Cultura

Uma versão resumida da Era do Rádio

Publicado em 1996, livro do jornalista Sérgio Cabral sobre a história do veículo ganha nova edição caprichada

Carmen Miranda entre Dorival Caymmi e Assis Valente: três dos principais nomes da Era do Rádio
Foto: Foto de arquivo
Carmen Miranda entre Dorival Caymmi e Assis Valente: três dos principais nomes da Era do Rádio Foto: Foto de arquivo

RIO - O rádio foi mais importante para a música popular brasileira do que qualquer outro meio de difusão surgido depois, inclusive a televisão. Esta é uma das conclusões a que se chega com a releitura de "MPB na Era do Rádio", livro do jornalista, pesquisador e historiador Sérgio Cabral, que a Companhia Editora Nacional acaba de lançar. Claro, antes do rádio havia o disco, mas foi através das ondas radiofônicas que as antigas bolachas de 78 rotações por minuto, até então ao alcance de poucos, começaram a chegar ao grande público. E ao vivo, pois praticamente todo artista — dos menos conhecidos aos mais famosos, como Carmen Miranda e o Rei da Voz, Francisco Alves — divulgava em programas de rádio os sambas, marchas e valsas que tinha gravado em estúdio.

O livro é reedição revista, aumentada e mais caprichada da publicada em 1996. Na nova, Cabral suprime a introdução da anterior, em que defendia a música e o futebol como nossas manifestações mais bem-sucedidas. Uma e outra, segundo enfatizava, "por conta do povo e não das elites", restando a estas, as elites, "o preconceito contra" as duas.

Já a partir do primeiro capítulo, dedicado aos pioneiros, Cabral reafirma seus pontos de vista como profundo conhecedor do assunto. Faz mais do que se limitar à história do rádio, cujo primeiro capítulo se dá em 1922, com a pioneira transmissão (o presidente Epitácio Pessoa discursando sobre o centenário da Independência, e 80 receptores, em Rio, São Paulo, Niterói e Petrópolis, captando árias de óperas encenadas no Teatro Municipal e no Teatro Lírico). E o segundo, mais importante, em 1923, com Roquete Pinto e Henrique Morize inaugurando sua Rádio Sociedade.

Cabral traça as sucessivas etapas atravessadas pela radiofusão: a Rádio Clube do Brasil surgindo em 1924; as duas emissora funcionando por algumas horas, em dias alternados, uma e outra descansando no domingo; Getúlio Vargas e a Revolução de 1930; o controle do rádio por uma comissão nomeada pelo presidente; e a assinatura, em 1 de maio de 1932, da lei que autorizava as emissoras a veicular propaganda comercial em seus programas.

Quando se diz que Cabral faz mais do que se limitar à história do rádio, é porque ele parte justamente desse último fato — que tira o rádio de seu amadorismo cultural para a profissionalização de cantores, músicos, atores, locutores, técnicos, produtores — e acaba por fazer um estudo da música popular em geral, ainda que limitado a 143 páginas e a uma fase que termina quando a bossa nova surge.

Esse estudo, sempre muito resumido, já vinha do capítulo dos pioneiros, no qual são discutidos os gêneros musicais dos tempos do fonógrafo, ou seja, do começo do século XX até o advento do rádio e, pouco depois, do então moderno sistema de gravação elétrica que as fábricas de disco adotaram no fim da década de 1920. Mas o panorama se amplia quando se aproxima da chamada Época de Ouro, os anos 1930, quando a música popular brasileira realmente passa a acontecer.

A partir desse ponto, há lugar para tudo: o cinema falado, os espetáculos de palco e tela prestigiados pelos maiores cartazes do rádio, o samba do Estácio, esse mesmo samba se afirmando como música nacional, a marchinha e o carnaval, o Estado Novo e a presença da ditadura Vargas, o rádio, a música, o artista. Segue-se o período da Política da Boa Vizinhança, Carmen Miranda e o samba de exportação, a Segunda Guerra, o baião, os novos tempos de paz e, neles, pelo caminho inverso, a influência da música americana sobre o samba-canção de Dick Farney e seguidores. Na nova edição, há um capítulo sobre o papel único que Dorival Caymmi desempenhou. como baiano e como carioca adotado.

Por fim, algumas palavras sobre a perda de espaço do rádio para a televisão, cujo papel, porém, só foi marcante na época dos festivais, competições musicas que resultaram na primeira geração de talentos depois da bossa nova. Esta é também focalizada, mas já então o rádio tem pouco a ver com seu êxito, sobretudo no exterior. Afinal, Sérgio Cabral deixa claro quais são os seus limites para o que considera princípio e fim do rádio no Brasil. O princípio, o mesmo que outros historiadores reconhecem, a transmissão de 1923 e a Rádio Sociedade do ano seguinte. O fim, o dia 11 de janeiro de 1958 (pouco antes da chegada da bossa nova), quando Henrique Foreis, o Almirante, "o maior radialista brasileiro de todos os tempos", sofre um derrame, perde o controle da fala e sai de cena.

O livro, como todos da já expressiva bibliografia musical do autor, é informativo, de leitura leve, clara, objetiva. Mas deixa, em quem quer saber mais sobre a História da música popular brasileira, o desejo de que Sérgio Cabral venha a trabalhá-lo para ser, em vez de um resumo, obra maior.