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Cultura

Usuários repensam presença em redes sociais após vazamentos de dados, polarização e fake news

Enquanto isso, especialistas imaginam o futuro desses sites
Escândalos de dados e fake news mancharam imagem das redes sociais em 2018 Foto: Alvim / Agência O Globo
Escândalos de dados e fake news mancharam imagem das redes sociais em 2018 Foto: Alvim / Agência O Globo

RIO — Em época de resoluções, a promessa de um 2019 com menos tempo gasto em redes sociais parece surgir entre as tendências. Boa parte dos mais de 130 milhões de usuários no Brasil provavelmente viu em seus feeds algum amigo anunciar que está saindo do Facebook, Instagram, Twitter...

Até especialistas da área estão em debandada. Nesta semana, o veterano colunista de tecnologia americano Walt Mossberg avisou: depois de deixar o Instagram, vai deletar sua conta do Facebook. Antes dele, o bilionário do Vale do Silício Elon Musk e o cofundador da Apple, Steve Wozniak, também abandonaram o site. A diva Cher e o ator Jim Carrey fizeram o mesmo.

Todos eles dão como justificativa a falta de segurança. E não é exagero. De modo geral, 2018 manchou a imagem das redes sociais. De um lado elas provaram ser terreno fértil para a propagação de fake news (o WhatsApp que o diga). De outro, proliferaram as denúncias de vazamentos de dados pessoais de usuários ( leia mais abaixo ).

Por aqui, a fé na tecnologia caiu 10% neste ano, segundo o Indicador de Confiança Digital (ICD), da Fundação Getulio Vargas, que mede a perspectiva do brasileiro em relação à área. De abril a novembro, a sensação de segurança baixou de 3,9 para 3,4, numa escala de zero a cinco. E o motivo, segundo os entrevistados da pesquisa, foi a polarização extrema nas redes e a circulação de notícias falsas.

De 2016 a 2017, o número de brasileiros em redes sociais aumentou 7%, de acordo com o HootSuite, sistema americano especializado em gestão de marcas. A mesma pesquisa detectou: em todo o mundo, usuários estão diminuindo ou readequando o uso desses sites. Ou seja, a maioria não pretende deixar as redes por completo, mas não quer gastar tanto tempo nelas.

— O Brasil ainda é um dos países que usam redes sociais com mais intensidade — pondera André Miceli, coordenador do MBA de Marketing Digital da FGV. — Nos próximos anos, porém, acredito que vamos seguir os padrões mundiais, de diminuir e readequar.

CONSCIÊNCIA E CRITÉRIO

Para Miceli, as redes sociais não deixarão de existir — e dificilmente surgirá algo expressivo fora de grandes blocos como Facebook e Google. Mas isso não significa que elas não possam se reinventar, trazendo uma relação mais saudável, menos viciante e oferecendo mais privacidade.

— Quem dá o uso à tecnologia somos nós — afirma. — Talvez a demanda por privacidade permita novas configurações que determinem o quanto o usuário se expõe. Também há novos apps que alertam sobre o quanto se ficou conectado. Parece que as empresas vão ajudar nesse processo, para que os próprios usuários tenham mais controle do tempo que passam lá.

Autora de “Redes sociais na internet” (Sulina, 2009) e pesquisadora da Universidade Católica de Pelotas, Raquel Recuero acompanhou de perto seu surgimento e evolução. E sugere que já há uma mudança de uso bastante importante sendo desenhada.

— No início, as práticas valorizavam exposição e adição sem critério de amigos — diz ela. — Hoje, há movimentos inversos, de mais consciência dos riscos e critério na construção da própria rede. E há questões novas, como as trazidas pelas eleições, de questionar informações recebidas.

Sintoma disso tudo é o sucesso do livro “Dez argumentos para deletar agora suas redes sociais”, de Jaron Lanier, lançado este ano pela Intrínseca. Pioneiro da realidade virtual, o autor é hoje um dos maiores críticos das redes, e argumenta que, usando algoritmos e publicidade, elas estão mudando nosso comportamento sem que a gente perceba. Pesquisadora de mídias digitais e professora da Escola de Comunicação da UFRJ, Cristiane Costa decidiu deletar seus perfis após ler o livro.

Capa do livro 'Dez argumentos para deletar agora suas redes sociais' Foto: Divulgação
Capa do livro 'Dez argumentos para deletar agora suas redes sociais' Foto: Divulgação

— Sei que são 5 mil “amigos”, mas a política do próprio Facebook só me permite falar com eles se impulsionar meus posts via pagamento — argumenta. — Então, na prática, tanto faz ter 50 ou 5 mil. Fiz um detox de duas semanas e minha vida mudou. Começou a sobrar tempo para fazer as coisas e o humor melhorou. Se pudesse, fechava o zap também, porque é o maior ladrão de tempo do planeta.

E isso é só o começo. Cristiane argumenta que o efeito das redes é tão avassalador e novo que ainda não deu tempo de se raciocinar sobre ele.

—É do nosso engajamento que as redes se alimentam. Já fui grande incentivadora, mas hoje acho que o potencial positivo, autônomo, das redes está perdendo para a manipulação.

PRINCIPAIS ESCÂNDALOS DE 2018

- Em fevereiro, estudo experimental americano sobre Facebook, Snapchat e Instagram mostrou relação entre o tempo gasto nas plataformas e a diminuição do bem-estar. Também constatou que menos tempo nas redes significa menos depressão e solidão.

- Em meados de março, reportagens dos jornais  “The Guardian” e “The New York Times” revelaram que dados pessoais de 50 milhões de americanos foram obtidos de forma irregular no Facebook e usados pela empresa de consultoria Cambridge Analytica.

- No mesmo mês, as denúncias levaram à criação de uma hashtag #DeleteFacebook, logo adotada por personalidades da tecnologia (Elon Musk, Steve Wozniak) e Hollywood (Jim Carrey, Cher)

- Em outubro, a Polícia Federal abriu inquérito para apurar escândalo dos grupos de fake news no WhatsApp, que teriam propagado mensagens em massa durante a eleição presidencial no Brasil.

- Em dezembro, um novo relatório indica que o Facebook teria entregue a empresas de tecnologia um acesso aos dados dos usuários muito maior do que o determinado em suas políticas de segurança e privacidade.