Cultura Celina

Variedade de autoras marca programação da Flip 2019

As 17 convidadas do evento, que começa nesta quarta, chamam a atenção pela diversidade de olhares e refletem um mercado editorial mais interessado na produção feminina
Atrações da Flip, da esquerda para a direita: a brasileira Maureen Bisilliat, a nigeriana Ayobami Adebayo, a portuguesa Grada Kilomba e a venezuelana Karina Sainz Borgo Foto: Divulgação / Agência O GLOBO
Atrações da Flip, da esquerda para a direita: a brasileira Maureen Bisilliat, a nigeriana Ayobami Adebayo, a portuguesa Grada Kilomba e a venezuelana Karina Sainz Borgo Foto: Divulgação / Agência O GLOBO

RIO — Uma repórter venezuelana que se converteu em romancista para narrar a desintegração de seu país. Uma psicóloga e artista plástica portuguesa que abraça a interdisciplinaridade para refletir sobre as cicatrizes coloniais. Uma ficcionista argentina que usa a literatura de terror para abordar a insegurança nos grandes centros urbanos. As mulheres da programação principal da 17ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) impressionam não apenas pelo talento, mas pela diversidade de olhares. O evento começa nesta quarta-feira, 10, às 19h, com a mesa de abertura em que a crítica Walnice Nogueira Galvão relembrará a trajetória do autor homenageado, Euclides da Cunha ( Confira a programação completa ).

No total, são 17 autoras de dez nacionalidades, que transitam entre diferentes estilos e formas de expressão, da fotografia ao ensaio, passando por ficção, jornalismo e artes. O rico cardápio, que estará dividido entre as 21 mesas do evento, é um reflexo de um mercado editorial cada vez mais interessado em escritoras nos últimos anos.

Desde 2013, movimentos por mais mulheres no mundo dos livros (e em eventos literários como a própria Flip) tem provocado um maior interesse de editores e leitores. Uma dessas leitoras é Fernanda Diamant, atual curadora da festa de Paraty. A jornalista diz que já era atenta a autoras de qualidade na época em que era editora da “Quatro Cinco Um”, revista literária da qual se afastou este ano para comandar a programação do evento pela primeira vez.

— Acredito que essa presença feminina forte na programação se deve a uma combinação de duas coisas: a um mercado de fato mais interessado em escritoras, mas também a um olhar de curadoria — diz Fernanda. — Ter mais autoras, mas também mais resenhistas escrevendo sobre elas na imprensa, acaba direcionando o nosso olhar para este lugar.

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Esse interesse, porém, vai muito além do ativismo, avisa a curadora. Ela lembra que as autoras convidadas chamam a atenção por explorar temas que capturam o calor do momento.

A canadense Sheila Heti, por exemplo, faz um relato original sobre a experiência de ser mãe. Seu livro “Maternidade” (Companhia das Letras) mistura ficção e ensaio, numa análise íntima e corajosa sobre o assunto.

A argentina Mariana Enriquez, por sua vez, dá um novo gás a um gênero conhecido e popular, o conto de terror. Em seu livro anterior, “As coisas que perdemos no fogo”, ela usava sua vivência como mulher em uma grande cidade latino-americana no registro assombrado do cotidiano. Sua nova obra, “Este é o mar”, que lança na Flip, cria uma mitologia própria para falar sobre a insólita relação entre astros de rock e seus fãs por uma perspectiva da literatura fantástica.

A venezuelana radicada em Madri Karina Sainz Borgo é outra a abordar um tema quente . Em “Noite em Caracas”, sua primeira incursão no romance, a jornalista descreve o cenário desolador da Venezuela em uma história de reinvenção de identidade.

— Temos autoras explorando gêneros literários tradicionalmente associados ao masculino — observa Fernanda. — Com isso, expandimos os estereótipos.

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A intersecção de gêneros e formas entre as autoras também chama a atenção. Ciência, memorialismo, artes plásticas e cinema se confundem na programação. Uma fusão que norteou a curadoria e que combina com o homenageado desta edição, Euclides da Cunha. A obra seminal do autor, “Os sertões”, é um exemplo de não ficção que rompe as barreiras do gênero. Já foi analisado por estudiosos sob uma perspectiva poética.

— Euclides dá esse gancho para uma conversa entre gêneros na programação — diz Fernanda.

NOSSAS APOSTAS NAS MESAS PRINCIPAIS

11/7, quinta-feira

17h — Mesa 5: Bom Conselho. Autora de “Cat person”, conto publicado pela revista “New Yorker”, que viralizou em 2018 e foi incluído em coletânea de mesmo nome, a americana Kristen Roupenian (foto)conversa com Sheila Heti, uma das principais escritoras canadenses, que lança “Maternidade”.

19h — Mesa 6: Serra Grande. Conhecida por transformar em imagens o universo de autores como João Guimarães Rosa e Euclides da Cunha, a fotógrafa inglesa Maureen Bisilliat fala sobre o seu trabalho.

12/7, sexta-feira

12h — Mesa 9: Angico. Revelações literárias em seus países, a isralense Ayelet Gundar-Goshen encontra a nigeriana Ayobami Adebayo, pupila da ícone feminista Chimamanda Ngozi Adichie

19h — Mesa 12: Mata da Corda. Lançando em Paraty o seu livro “Memórias da plantação”, a portuguesa Grada Kilomba revive o passado colonial em experiências multidisciplinares.

13/7, sábado

12h — Mesa 15: Monte Santo. Um encontro entre o crítico Ismail Xavier, um dos maiores pensadores do cinema novo, e Miguel Gomes, um dos mais originais cineastas portugueses.

17h — Mesa 17: Vila Nova da Rainha. Novas experiências femininas com o sertão da cordelista Jarid Arraes e a “ficção esquisita” de Carmen Maria Machado.

14/7, domingo

10h30 — Mesa 20: Santo Antônio da Glória. No último dia, espaço para a literatura fantástica, com o brasileiro Braulio Tavares e a argentina Mariana Enriquez.