Cultura

Viúva de Jorge Luis Borges critica novo livro sobre argentino: 'Escatológico. Horrível'

Em 'Borges and me', previsto para 2021, americano Jay Parini mostra escritor bebendo cerveja e fazendo amizade com dona de pensão escocesa
Obra descreve viagem à Escócia feita pelo escritor argentino Jorge Luis Borges, entre outras passagens Foto: AFP
Obra descreve viagem à Escócia feita pelo escritor argentino Jorge Luis Borges, entre outras passagens Foto: AFP

"É uma coisa escatológica. É horrível". É assim que a escritora María Kodama, viúva de Jorge Luis Borges, classifica o livro "Borges and Me", onde o acadêmico americano Jay Parini narra uma viagem do argentino à Escócia na qual, supostamente, o acompanhou. Em entrevista concedida semana passada ao jornal "La Nación", Parini citou episódios que, segundo Kodama, não são verdadeiros. Ela afirma que, caso a obra seja publicada, terá que "agir de alguma forma ".

— Claro que me lembro daquela viagem, já que estava com Borges. Foi em 1971. E este homem nunca se aproximou, nem eu o conheci, nem nada parecido. Nenhuma das coisas que ele diz é verdade. Evidentemente, é algo que ele inventou, e o fez quase 50 anos depois — afirma a viúva.

Acostumada a traficantes de poemas apócrifos e a usurpadores de memórias, Kodama se surpreendeu com algumas das confidências reveladas por Parini. No livro, o acadêmico conta, por exemplo, que Borges bebeu grandes quantidades de cerveja na viagem.

— Ele nunca bebeu cerveja. Uma vez me disse que, quando era jovem, bebia vinho, mas parou depois de um coquetel em que ouviu alguns amigos do pai comentando: "Que pena, se o filho do Borges continuar assim, vai ser um beberrão". Foi aí que ele parou de beber vinho, embora não se embebedasse — conta Kodama.

A viúva recorda também outro episódio envolvendo Borges e bebidas alcoólicas.

— Me lembro que Di Giovanni (Norman Thomas Di Giovanni, tradutor das obras de Borges para o inglês) costumava lhe servir uma tacinha de vinho antes de conferências, por causa da tensão. Como Borges havia sido gago, eu sofria porque tinha medo de que o vinho o impedisse de falar bem. Um dia, estávamos caminhando e ele me perguntou se eu não me incomodava que ele me reproduzisse a palestra que estava preparando. Quando terminou a fala, me disse o seguinte: "Ai, María, que maravilha: fiz o discurso sem tomar álcool. Não preciso dele". Eu lhe respondi: "Creio que não precisa, mas faça como você quiser".

A escritora lembra que Borges sugeriu, então, que ela se sentasse ao seu lado durante a conferência, mas o pedido foi negado.

— Eu lhe disse: "não, não, quando você dá uma palestra, tem que estar sozinho". A resposta dele foi: "Vou pedir que te reservem o lugar bem na frente de onde eu estiver falando. Vou dar a palestra para você". E não bebeu mais. Isso (que Parini descreveu) é uma infâmia.

Kodama também nega outros episódios relatados pelo americano, como, por exemplo, a vez em que Borges e ele caíram juntos na água, enquanto estavam em um bote no Lago Ness.

— Isso sem contar o trecho em que ele diz que Borges fez amizade com a dona da pensão e os dois contam que seus pais morreram no banheiro. É uma loucura. Esse homem não bate bem da cabeça, ou é igual a tanta gente, que a mim me dá pena de verdade, porque tentam se escorar no nome de Borges para ter um momento de glória.

O selo Emecé, que pertence ao Grupo Editorial Planeta, estima o lançamento do livro de Parini para março ou abril de 2021. Kodama ameaça "agir de alguma maneira", caso a obra seja publicada.

— Suponho que a Emecé, que publicou a obra de Borges, não vai lançar um disparate desses, e espero que não o faça. Se chegar a sair, terei que agir de alguma maneira porque não posso permitir isso. É um verdadeiro horror. Meu pai me educou como um homem japonês: a ética é algo que eu tenho que respeitar e fazer respeitar — conclui.