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Cultura

Yuval Harari: 'Brasil pode contrabalançar poder de EUA e China'

Vindo ao país pela primeira vez, autor de ‘Sapiens’ fala em entrevista sobre riscos da tecnologia e onda antiglobalização
Yuval Noah Harari em Amsterdam, 24 de abril de 2018 Foto: Olivier Middendorp
Yuval Noah Harari em Amsterdam, 24 de abril de 2018 Foto: Olivier Middendorp

RIO — Yuval Noah Harari chegou ao Brasil em 2015 — não pessoalmente, mas na lista de livros mais vendidos. Foi com “Sapiens: Uma breve história da humanidade” (L&PM), best-seller mundial que combinava paleontologia, neurociência e biologia evolutiva em um texto com ritmo de thriller e recheado de anedotas. Desde então, o título segue no ranking, assim como “Homo Deus: Uma breve história do amanhã” (2016) e “21 lições para o século 21” (2018) , ambos da Companhia das Letras. Este ano, finalmente, o autor desembarca por aqui, onde já vendeu um milhão de livros.

Harari, 43 anos, participa de uma série de encontros em São Paulo e Brasília em novembro. Entre eles está o Evento Cidadão Global, dia 6/11, na capital paulista, parceria do banco Santander com o jornal “Valor Econômico” em que terá a companhia do biólogo americano Jared Diamond, de “Armas, germes & aço” — obra que o israelense cita como grande inspiração.

Direto da comunidade próxima a Jerusalém onde vive com o marido, em entrevista respondida por computador (ele não usa smartphones), Harari fala dos choques da tecnologia, da reação mundial à globalização, de veganismo e da vinda ao Brasil, que considera peça-chave para o futuro.

A que você atribui o interesse duradouro dos leitores brasileiros em seus livros?

Os brasileiros sabem que seu destino depende dos acontecimentos locais, mas também questões globais, justamente os temas que abordo e tornam meus livros populares. Em décadas recentes, o Brasil ganhou muito com a globalização, mas agora uma guerra comercial mundial pode destruir sua economia. O aquecimento global ameaça a ecologia do seu país. A revolução da inteligência artificial (IA) pode trazer desigualdade sem precedentes, beneficiando outros países em detrimento do Brasil.

Qual sua expectativa para a primeira vinda ao Brasil?

Espero que minha visita me permita compreender melhor o Brasil. É um dos países mais importantes do mundo, pode ajudar a contrabalançar as tendências perigosas que vemos agora nos EUA e na China. Então, estou muito interessado em aprender como os brasileiros estão lidando com a atual crise global.

O escritor israelense Yuval Noah Harari Foto: Divulgação/ EMILY BERL / NYT
O escritor israelense Yuval Noah Harari Foto: Divulgação/ EMILY BERL / NYT

Em “Sapiens” você diz que, desde a pré-História, não temos estilo de vida natural, mas escolhas culturais. Qual deve ser nossa próxima grande escolha cultural?

Vamos enfrentar decisões difíceis sobre a maneira de usar IA e aprimoramentos do corpo possíveis com a biotecnologia. Será que todos vão se beneficiar destas novas ferramentas? Ou estes avanços serão usados para construir ditaduras que empoderam apenas uma pequena elite e escravizam todo o resto? Isso depende das escolhas que fizermos nas próximas décadas.

Você fez uma escolha pessoal: tornou-se vegano. Em “Homo Deus” você até menciona que humanos e animais partilham várias sensações. A pesquisa o levou a mudar seus hábitos ou foi o contrário?

Não sou estritamente vegano, mas tento limitar minha ligação com indústrias que infligem sofrimento desnecessário aos animais. E sim, sou motivado pelo que descobri em minha pesquisa científica. Bilhões de animais domesticados são tratados pelas indústria alimentícia não como criaturas vivas, com emoções complexas, mas como máquinas. A julgar pela quantidade de dor que causam, a pecuária e a agricultura modernas são provavelmente um dos maiores crimes da História. Qualquer ação que reduza o consumo de produtos animais é um passo de compaixão na direção certa.

Em “21 lições para o século 21”, você imagina a civilização em um evolução conjunta. Movimentos como o Brexit e o isolacionismo de Trump são tendências em contrário?

Estamos realmente vendo uma reação contra a globalização. Se o isolacionismo triunfar, será uma catástrofe. Sem cooperação global, a humanidade não terá como prevenir mudanças climáticas. Nenhum governo vai poder controlar os novos poderes da tecnologia sozinha, porque nenhum controla todos os cientistas e engenheiros do mundo.

Há um equilíbrio entre nacionalismo e globalismo?

Espero que sim. O nacionalismo ainda tem um papel positivo no mundo, mas não precisa se opor à cooperação mundial. Nacionalismo não é odiar estrangeiros, é amar os seus compatriotas. E, no século XXI, para garantir a segurança e prosperidade dos seus compatriotas, você deve cooperar com os estrangeiros.

Como você acha que a comunidade científica deve agir no momento em que forças obscurantistas chegam ao poder?

É preciso informar o público e ter muito cuidado com o poder. Especialmente quando estiverem desenvolvendo novas tecnologias, eu pediria aos cientistas que pensassem no político que mais temem e se perguntassem: “o que ele pode fazer com a tecnologia que eu estou desenvolvendo?”.