Economia Energia

Após criticar política de preços da Petrobras, Bolsonaro troca comando da pasta de Minas e Energia

Bento Albuquerque foi exonerado dois dias após alta do diesel e será substituído por secretário de Guedes. Em live, presidente disse que lucro da estatal era 'crime'
O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil / Agência O Globo
O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil / Agência O Globo

BRASÍLIA E RIO - Depois de chamar de "crime" a política de preços da Petrobras , o presidente Jair Bolsonaro trocou, nesta quarta-feira,  o comando do Ministério de Minas e Energia. No lugar do almirante Bento Albuquerque, assume Adolfo Sachsida , até então secretário de Paulo Guedes no Ministério da Economia. A preocupação com o impacto do preço dos combustíveis na popularidade do presidente, que tentará a reeleição em outubro, motivou esta mudança, segundo integrantes do governo.

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Segundo a edição de hoje do Diário Oficial da União (DOU), Bento foi exonerado a pedido do próprio , mas a troca foi sacramentada ainda na terça-feira. Entretanto, o ministro, que ano passado enfrentou o desafio de encarar a crise hídrica evitando o apagão energético no país, estava enfrentando críticas quase que diárias de Bolsonaro pela alta no preço dos combustíveis.

Em nota, o MME informou que Albuquerque reforçou que a decisão de deixar o comando da pasta foi de caráter pessoal e tomada em reunião entre ele e o presidente, de forma consensual.

A questão da alta dos combustíveis é considerada crucial no governo. Além de ser um dos principais motivos para a disparada da inflação, que está no maior patamar desde 1996 , os preços da gasolina, do diesel e do gás afetam diretamente a popularidade de Bolsonaro, que tenta a reeleição.

No governo o tema é considerado prioridade no núcleo político, que tenta formas de reduzir estas altas ou criar mecanismos para compensar os preços elevados, como alívio para os caminhoneiros.

Exoneração do ministro das Minas e Energia, Bento Albuquerque, no DOU Foto: Reprodução
Exoneração do ministro das Minas e Energia, Bento Albuquerque, no DOU Foto: Reprodução

Reajuste do diesel e lucro bilionário

Na live do último dia 5, Bolsonaro criticou o lucro da Petrobras, chamando-o de absurdo e abusivo. "O lucro de vocês é um estupro, é um absurdo", declarou o presidente.

A saída de Bento ocorre dois dias depois de a Petrobras anunciar um reajuste no preço do diesel nas refinarias em 8,87% . Este ano, o combustível já acumula alta de 47%. O preço da gasolina nas bombas também está em patamar recorde .

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A Petrobras registrou lucro de R$ 44,561 bilhões no primeiro trimestre deste ano , uma alta de mais de 3.700% em relação ao mesmo período do ano passado, quando a empresa ainda sofria os impactos da pandemia. A disparada do preço do petróleo por causa da guerra na Ucrânia tem feito petrolíferas do mundo inteiro a registrarem lucros recordes .

O Ministério das Minas e Energia também tem desafios também no setor de energia elétrica. Se Bento Albuquerque conseguiu evitar o apagáo na crise hídrica do ano passado, hoje tem de enfrentar uma disparada nos custos do setor.

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Muitas distribuidoras estão tendo reajustes na ordem de 20%, o que gera preocupação com impactos eleitorais. No Congresso, já há um movimento para tentar adiar estes reajustes, o que teria forte impacto econömico em 2023 e na imagem do país, que pode ser visto como uma economia que não respeita contratos.

Quem é o novo ministro

O novo ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida, está no governo de Jair Bolsonaro desde o início e é servidor de carreira do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O convite para assumir a nova pasta veio no fim da tarde da terça-feira.

Apesar de ser considerado um nome do mercado e de confiança de Guedes, Sachsida também é "Bolsonarista raiz". No 7 de Setembro do ano passado, por exemplo, esteve na Esplanada do Ministério para protestar contra o Supremo Tribunal Federal. Ele costuma usar suas redes sociais para divulgar seu apoio ao presidente.

Nos últimos anos, Sachsida mantinha o discurso de consolidação fiscal dentro do Ministério da Economia e defendia reformas pró-mercado com foco em aumento de produtividade.

Adolfo Sachsida, ex-secretário de Guedes, vai assumir o Ministério de Minas e Energia Foto: Agência O Globo
Adolfo Sachsida, ex-secretário de Guedes, vai assumir o Ministério de Minas e Energia Foto: Agência O Globo

Foi secretário de Política Econômica da pasta e, em fevereiro, assumiu a chefia da Assessoria Especial de Assuntos Estratégicos.

Doutor em economia pela Universidade de Brasília (UnB), ele tem pós-doutorado pela Universidade do Alabama, nos Estados Unidos, e também lecionou na Universidade do Texas. O novo ministro é advogado, com estudos na área de direito tributário.

Vale-gás e o preço dos combustíveis

Sachsida evitava tecer muitos comentários sobre assuntos que não eram ligados diretamente à sua área de atuação. Em evento da Frente Parlamentar de Empreendedorismo (FPE), na terça-feira, véspera de sua nomeação, não respondeu aos jornalistas sobre a alta mais recente do preço do diesel.

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Mas, em 4 de março, quando participou de entrevista coletiva sobre o resultado do PIB, Sachsida foi questionado sobre a expansão do vale-gás e disse que algumas medidas podem ter boas intenções, mas gerar resultado negativo.

— Algumas vezes as medidas têm boas intenções, mas terminam com resultado negativo. Temos de tomar muito cuidado para que as medidas tomadas não agravarem a situação. Por isso a economia se posiciona contra determinadas medidas, pois apesar da intenção ser boa, o resultado pode ser ruim. Temos de trabalhar para que o resultado também seja bom — disse ele na ocasião.

Na mesma entrevista, ele foi perguntado sobre a mudança na política de preço da Petrobras, que estabelece a paridade com a cotação do petróleo no mercado internacional, e a criação de um fundo estabilizador:

—  Se eu criar medidas que gerem receio sobre a consolidação fiscal, risco país sobe, real se desvaloriza, combustíveis sobem. Começa com uma medida para reduzir o preço do combustível, mas é equivocada. Vai ter o resultado contrário. Entendo a demanda do Congresso e da sociedade, mas cabe a nós mostrar que elas não vão ter o resultado esperado.

Bento estava no MME desde o início do governo

Almirante de esquadra brasileiro — a mais alta patente de oficial general das forças navais, Bento Albuquerque assumiu o Ministério de Minas e Energia em janeiro de 2019. Sua gestão foi marcada pelo desafio de evitar um apagão no país, devido à crise hídrica, e a alta dos preços dos combustíveis.

Defensor da política de preços da Petrobras, um de seus últimos compromissos foi uma reunião, na segunda-feira, com o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, sobre o reajuste de 8,87% no valor do diesel. A alta foi anunciada no começo do dia pela Petrobras.

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O novo aumento do diesel afeta diretamente os caminhoneiros, que fazem parte da base eleitoral do presidente Jair Bolsonaro. E, para piorar, contribui de forma significa para o crescimento da inflação no país. Esses dois fatores levaram Bolsonaro a fazer duras críticas à Petrobras nos últimos dias.

Outro problema enfrentado por Albuquerque é a possibilidade de aprovação de um projeto de lei, em tramitação no Congresso, que suspende o reajuste autorizado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) de uma concessionária do Ceará.

Em um seminário, o ex-ministro reforçou o papel da Aneel e disse que é preciso respeitar os contratos e prezar pela segurança jurídica.

Com a guerra na Ucrânia, o ministro anunciou que o Brasil aumentará em 10% sua produção de petróleo, o que gerou elogios dos Estados Unidos e da União Europeia.

Em nota, o MME informou que Albuquerque reforçou que a decisão de deixar o comando da pasta foi de caráter pessoal e tomada em reunião entre ele e o presidente, de forma consensual. "Por fim, participa que agradece a oportunidade e que se orgulha de ter participado do Governo do Presidente Bolsonaro que continua a contar com a sua lealdade, respeito e amizade", diz o texto.

Troca gerou surpresas

A queda de Bento gerou surpresas em grande parte do governo. Apesar das constantes críticas do presidente sobre o preço dos combustíveis, muitos imaginavam que ele, um dos poucos remanescentes do gabinete original do governo — juntamente com o general Heleno, Paulo Guedes e Wagner Rosário — continuaria no governo, inclusive por sua origem militar. Mas a busca por uma solução ao preço dos combustíveis falou mais alto.

Na segunda-feira, Bento esteve na Casa Civil, em reuniao com seu colega Ciro Nogueira. Naquele dia, a ordem no Planalto era fazer todo o necessário para resolver a escalada do combustível que tem puxado a inflação. Essa é  a maior preocupação da campanha do presidente. A avaliação do grupo político é que a economia tem impedido Bolsonaro de avançar nas pesquisas.

Além disso, Bento estava muito desgastado com  Bolsonaro por causa das confusões da última troca no comando da Petrobras. O Planalto não gostou da repercussão negativa em torno dos nomes indicados por Bento para conduzir a empresa, de Rodolfo Landim e de Adriano Pires. Eles não foram confirmados por contrariar as normas de governança da estatal, devido a conflito de interesses com outras empresas do setor.

A troca tão rápida  — Um dia após um novo reajuste do diesel —  indica, para integrantes do governo, que Bolsonaro quer uma solução rápida para o preço dos combustíveis. Ao colocar um nome de confiança de Guedes na pasta, mas que é considerado um “bolsonarista raiz” —  a ponto de ter participado de manifestações contra o Supremo Tribunal Federal — o presidente indica que vai tentar qualquer meio para criar alívio nos preços.

Alguns interlocutores do presidente viram, também, vantagem extra na troca nesta quarta-feira: ela ocorreu no mesmo dia da divulgação da maior inflação para abril desde 1996. Muitas das trocas do governo ocorrem em dias de notícias ruins para Bolsonaro, dividindo a atenção pública.

E não era apenas Bolsonaro que estava com problemas com Bento.  O almirante se posicionou contrário à pressão do Centrão para liberar os gasodutos com recursos do pré-sal, em uma conta estimada em até R$ 100 bilhões. Bento almoçou com um ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) há cerca de três semanas, quando o assunto foi tratado. No encontro, ele disse, segundo interlocutores, que não daria a autorização ao Brasduto, justificando que a medida só faria sentido em caso de alta inesperada no preço da energia elétrica, o que não ocorre. Ele buscou tranquilizar o TCU que estava de olho na articulação dos parlamentares.