Economia

Bombril é acusada de racismo nas redes sociais por chamar esponja de aço de Krespinha

Internautas protestam no Twitter contra o produto, apresentado pela empresa numa embalagem como ideal para 'limpeza pesada'
Reprodução da página da esponja no site da Bombril. Foto: Reprodução do Twitter
Reprodução da página da esponja no site da Bombril. Foto: Reprodução do Twitter

RIO - A Bombril foi acusada de racismo nas redes sociais devido à promoção de uma esponja de aço inox chamada Krespinha. O produto foi descrito no site da companhia como destinado para "limpeza pesada", de acordo com as críticas postadas em redes sociais desde terça-feira e que se intensificaram nesta quarta-feira.

O produto foi removido do site oficial da Bombril. Ao se fazer uma busca no Google, um link era encontrado para a esponja em questão, mas, ao cllicá-lo, o usuário chegava apenas à página geral de produtos da companhia.

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No fim da tarde desta quarta-feira, a Bombril informou que a marca não é nova, mas integra o seu portfólio desde os anos 1950. Entretanto não era objeto de publicidade há muito tempo. A partir de agora, a empresa diz que vai tirar a marca de seu rol de produtos.

No Twitter, vários internautas condenaram a companhia. A hashtag #BombrilRacista aparecia em mais de 40 mil tuítes nos Trending Topics, que aponta os assuntos mais comentados, por volta das 17h desta quarta.

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O nome do produto foi denunciado pelos internautas como uma referência à associação entre cabelos crespos e esponjas de aço que faz parte do repertório de ofensas racistas que ainda existe no país, apesar da previsão legal dos crimes de racismo. Esse tipo de ofensa atinge principalmente meninas ainda na infância e adolescência.

No Instagram, a atriz Zezé Motta foi uma das primeiras a condenar o caso. "O mundo vem se tocando e passa por um processo de conscientização com as nossas crianças para compreender a beleza da nossa raça, nisso vem a empresa @bombriloficial transparecer o racismo estrutural existente. Respeito, por favor!", escreveu a atriz.

"Acabei de tirar esse print do site da @BombrilOficial e estou extremamente ofendida e chateada com isso, é inacreditável que em pleno século 21 ainda de encontre esse tipo de coisa. #bombrilRacista", dizia um dos tuítes de internautas que se manifestaram na rede.

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Segundo o antropólogo e sócio fundador da consultoria Consumoteca Michel Alcoforado, num momento em que os protestos antirracismo tomam conta do planeta após a morte do cidadão negro George Floyd por um policial branco nos Estados Unidos, a iniciativa da Bombril é no mínimo um anacronismo. Lançar um produto com esse nome em 2020 é não entender a conjuntura atual, disse:

- Impressiona-me muito uma marca que sempre esteve bem conectada com a sociedade brasileira, e especialmente com a mulher, cometer um erro grave desses.

O especialista em consumo continuou:

- A esponja (de aço que dá nome à empresa) foi originalmente lançada em 1952, em São Paulo, e hoje não é mais possível fazer esse tipo de associação de duplo sentido com o cabelo das pessoas negras. O momento que vivemos, inclusive, é de empoderamento da relação de homens e mulheres negros com seus cabelos. Não sei o que estava pensando a equipe de marketing da empresa.

Contexto social mudou

Segundo o advogado Carlos Affonso Pereira de Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS-Rio), a questão da mudança de percepção do nome da esponja de aço ao longo dos anos não foi levada em conta pela Bombril.

- Lançaram um produto com um nome muito antigo, dos anos 1950. A própria marca falha em entender a transformação da conjuntura - comentou Souza.

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Segundo o especialista, os produtos e seus nomes estão inseridos dentro de um contexto social que se apropria desses nomes para transformá-los em nomes comuns (a própria palavra "bombril" se tornou sinônimo de palha de aço) e incorporá-los ao imaginário.

Entretanto, numa nova realidade esses nomes podem ser repudidados pela sociedade, não sendo mais considerados pertinentes ao novo momento.

-- No Brasil de hoje, espera-se uma conscientização maior da questão racial, até porque houve transformações legais, e a discriminação por raça é hoje um crime. Legislou-se sobre isso. Reintroduzir uma marca do passado sem atentar para essas questões sociais é correr o risco de ofender pessoas e ser alvo de processos judiciais -- afirmou Souza.

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Racismo estrutural

Luana Génot, diretora-executiva do Instituto Identidades do Brasil (ID_BR), que promove políticas de igualdade racial junto a empresas e organizações, a escolha do nome do produto reflete o racismo estrutural no país:

- A ação da Bombril é absolutamente racista, que reproduz o nosso racismo estrutural, ou seja, ações que são reverberadas no dia a dia e que não necessariamente as pessoas categorizam como racismo. Algumas vão dizer que é brincadeirinha, que é uma sutileza. Mas quem sofre isso na pele, quem passou a vida inteira sendo chamada de "cabelo de Bombril" por ter um cabelo crespo, entende a violência desse tipo de título para um produto.

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Publicitária, com pós-graduação em marketing e mestrado em relações em étnico-raciais, Luana avalia que esse tipo de erro reflete também a falta de diversidade nos núcleos de tomada de decisão nas empresas:

-- Infelizmente, uma ação como essa não nos espanta, especialmente vinda de  agências e empresas que são compostas, na sua maioria, por pessoas brancas. Ainda não entenderam o quanto elas estão perdendo de dinheiro por reproduzirem o racismo estrutural e institucional, por não se conectarem profundamente com a maioria da população, que é negra.

O crescimento dos movimentos antirracistas tende a expor cada vez mais empresas que incorrem em equívocos como este. Para a diretora do ID_BR, que também é colunista da Revista Ela, do GLOBO, apenas pedir desculpas não é suficiente:

-- Precisamos discutir isso mais profundamente. Não adianta a Bombril se retratar. A Bombril precisa ter políticas de igualdade racial e investir na pauta.

A resposta da Bombril

No fim da tarde, a Bombril emitiu um comunicado sobre a questão, anunciando a retirada do produto de seu portfóllio.

"A Bombril decidiu que vai retirar, a partir de hoje, a marca Krespinha de seu portfóllio de produtos", afirmou a empresa.

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"Diferentemente do que foi divulgado (...), não se tratava de lançamento ou reposicionamento do produto. A marca estava no portfólio há quase 70 anos, sem nenhuma publicidade nos últimos anos, fato que não diminui nossa responsabilidade."

"Mesmo sem intenção de ferir ou atingir qualquer pessoa, pedimos desculpas a toda a sociedade".

Segundo a empresa, cada vez mais, em todo o mundo, "as pessoas corretamente cobram das empresas e das instituições o respeito e a valorização da diversidade. Não há mais espaço para manifestações de preconceitos, sejam elas explícitas ou implícitas. A Bombril compartilha desses valores."

"Em função disso, vamos imediatamente rever toda a comunicação da companhia, além de identificar ações que possam gerar ainda mais compromisso com a diversidade."

Ao longo do dia, vários tuítes com a hashtag denunciando o caso da Bombril também instavam os internautas a denunciarem a companhia ao Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária (Conar).

Procurado para comentar, o órgão preferiu não se manifestar sobre o caso. A assessoria explicou que sua política de divulgação se restringe aos casos em que um processo de fato é aberto contra uma peça publicitária (mas lembrou que a embalagem de um produto também é considerada como uma peça dessa natureza).

*Colaborou Alexandre Rodrigues