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Economia

Caso Magalu evidencia barreira a negros: em só 5% das empresas eles chegam a presidência

Nos conselhos de administração, são apenas 2%. Nas dez maiores empresas em valor de mercado do Ibovespa, eles também são minoria em altos cargos
Loja do Magazine Luiza do Shopping Vale Sul, em São Paulo Foto: Lucas Lacaz Ruiz / Agência O Globo
Loja do Magazine Luiza do Shopping Vale Sul, em São Paulo Foto: Lucas Lacaz Ruiz / Agência O Globo

RIO — Uma rede varejista abre processo seletivo para contratar trainees — profissionais nos quais a empresa pretende investir para que no futuro ocupem cargos de liderança — com salário de R$ 6.600 e benefícios. A diferença é que apenas candidatos negros podem se inscrever nesta edição.

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O anúncio do Magalu repercutiu nas redes sociais no fim de semana, com elogios, críticas e até ameaças de representação contra a iniciativa no Ministério Público, mas, segundo especialistas, evidencia o abismo no mercado corporativo que separa negros e brancos das posições de chefia.

. Foto: Criação O Globo
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O próprio Magalu justificou a decisão como uma forma de ampliar o total de negros em cargos de liderança. Hoje, na companhia, são 16%. Levantamento da consultoria Talenses/Insper com 532 empresas mostrou que 95% delas têm profissionais brancos como presidentes.

Nos conselhos de administração, de 615 homens, apenas 14 são negros, ou seja, 2%. Entre as mulheres, a discrepância é maior: entre 348, apenas três são negras.

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— Os números mostram a falta de representatividade no topo da pirâmide. Os vice-presidentes estão na faixa dos 40 a 45 anos, até 55 anos. Eles entraram no mercado há 20 anos, quando as empresas recrutavam jovens das faculdades de ponta, com uma segunda língua. Estes jovens negros vão passar por esse processo para que no futuro possam ocupar cargos mais altos. Hoje, o número ainda é irrisório — afirmou Rodrigo Vianna, diretor do Talenses Group.

. Foto: Criação O Globo
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Há outras iniciativas em curso. A Bayer também abriu um programa de trainee só para negros. E a Ambev lançou um programa de estágio com 80 vagas para negros. Recebeu 25 mil inscrições e selecionou 96 universitários.

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Uma busca aos relatórios anuais das dez empresas de maior valor de mercado na Bolsa mostra resultado similar. Nem todas apresentam os dados. Entre elas, a maior presença de negros no número total de funcionários é caso isolado. E nos mais altos cargos, estes profissionais são minoria.

Para Cris Kerr, presidente da CKZ Diversidade, a repercussão do programa do Magalu ocorreu por funcionar como um caminho rumo a funções de comando, o que mexe com a estrutura das empresas.

— Diversas companhias lançaram programas de estágio exclusivos para negros e não houve esta comoção. O estágio é a base. O trainee é o caminho mais curto para chegar a uma gerência, por exemplo.

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No segundo trimestre, a taxa de desemprego entre trabalhadores de cor preta era de 17,8%, quase o dobro da dos brancos, de 10,4%. Liliane Rocha, CEO da Gestão Kairós, consultoria de sustentabilidade e diversidade, teme que as reações contrárias freiem o processo de inclusão racial no mercado corporativo:

— Falar de diversidade racial é um tabu no Brasil e nas empresas. As companhias têm insegurança para tratar do tema.

'Acho que demorou'

. Foto: Criação O Globo
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Na avaliação de Ana Lúcia Melo, diretora adjunta do Instituto Ethos, as empresas já não negam o problema. Em 2016, relatório com as 500 maiores companhias não continha medidas para fomentar a subida de hierarquia e contratação. Levantamento preliminar feito ano passado com 96 firmas mostrou que 46% delas adotam alguma ação afirmativa.

Analítico : Por que o Magalu abriu uma seleção só para trainees negros?

— Ainda há um afunilamento nos níveis hierárquicos mais altos, e a população negra vai diminuindo — afirmou, lembrando que o aumento da escolaridade de jovens negros nos últimos anos ainda não se reflete integralmente na inserção no mercado de trabalho nem nas grandes empresas.

Para quem ingressou no ambiente corporativo muito antes das ações afirmativas, as iniciativas são sinal de alento, mas refletem mudanças da própria sociedade.

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— Lembro muito do meu pai falando “Você tem que trabalhar e estudar o dobro. Fazer mais que todo mundo, com muita disciplina e integridade. E fazer de uma vez só. Você não pode errar”. Cresci com esse mantra. No Brasil, existe um racismo estrutural e institucional — afirmou Deives Rezende Filho, executivo de 58 anos, que passou por grandes bancos ao longo da carreira e atualmente está à frente da Condurú Coaching. — Muitas vezes, eu era o único negro em uma sala de reuniões com executivos. O mundo mudou, as organizações e empresas precisam mudar também. Eu acho que demorou.