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Economia

Com alta do preço do petróleo, é hora de retomar leilões no país, diz diretor-geral da ANP

Ao GLOBO, Rodolfo Saboia diz que limitar produção não é o melhor caminho para transição energética: ‘Não há nada que substitua a indústria do petróleo’
Rodolfo Saboia, diretor-geral da ANP Foto: Rafael Wallace / Divulgação
Rodolfo Saboia, diretor-geral da ANP Foto: Rafael Wallace / Divulgação

RIO - “A hora é agora.” A afirmação de Rodolfo Saboia, diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP), dá o tom da urgência com a qual trata a exploração dos campos do pré-sal, o que incluiu três áreas além das 200 milhas náuticas que podem ter reservas de 2,45 bilhões de barris.

Em entrevista ao GLOBO, ele lista diversos fatores para o país voltar a realizar os leilões de concessão: a maior seletividade das empresas, os preços da commodity em recuperação, a oferta de campos com grande potencial em outros países e a transição energética.

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As ações para a redução das emissões de carbono para conter o aquecimento global foram aceleradas com a chegada do presidente dos EUA, Joe Biden, à Casa Branca, que retomou o ativismo americano na agenda ambiental.

Vários países aumentaram o compromisso com a descarbonização de economias, e um relatório da Agência Internacional de Energia (AIE) supreendeu ao defender que não sejam feitas mais concessões para a exploração de campos de exploração e produção de petróleo.

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Plataforma de produção da Petrobras em águas profundas Foto: Divulgação
Plataforma de produção da Petrobras em águas profundas Foto: Divulgação

Para Saboia, este não é o melhor caminho para a transição energética, já que poderia causar aumento nos preços dos combustíveis:

- Se você interrompe de repente a capacidade de investimento da indústria de petróleo, o que você vai ter é a explosão do preço - diz. A seguir, os principais trechos da entrevista:

O preço do petróleo está subindo. Como ficam as expectativas para as próximas rodadas? As empresas globais estão interessadas?

O preço do petróleo passou por um processo de recuperação e a indústria sofreu muito na pandemia, com preço negativo nos EUA. Mas isso ficou para trás. Existem ainda muitas incertezas, pois as empresas sofreram nesse período. E elas estão passando por um processo de capacidade de investimento. Estão muito seletivas.

Temos ativos no pré-sal que são de classe mundial. Temos oportunidades e manifestações explícitas de companhias grandes no excedente de cessão onerosa. Mas temos ainda a 17º rodada e o terceiro ciclo de oferta permanente. E isso tudo ocorre nesse cenário de bastante incerteza por conta da seletividade. Por isso, temos a necessidade de sermos competitivos.

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Temos concorrentes próximos a nós oferecendo oportunidades, como Guiana e Suriname. Eles estão oferecendo leilões com condições positivas. Existe ainda o processo de transição energética que ocorre concomitantemente e contribui para que esse cenário de incerteza fique ainda mais nebuloso.

Teve o relatório recente da Agência Internacional de Energia (AIE), que mencionou a necessidade de interromper a prospecção de petróleo.

E como o senhor analisa esse relatório da AIE?

Longe de questionar a necessidade ambiental, mas a gente sempre coloca em dúvida de como isso seria possível. Se você interrompe de repente a capacidade de investimento da indústria de petróleo, o que você vai ter é a explosão do preço do petróleo.

Você tem que atuar não restringindo a oferta, mas acomodando a demanda ao cenário da transição energética. Hoje você não tem nada que substitua tudo aquilo que é movimentado pela indústria de petróleo. A produção tem que acompanhar a demanda e não o contrário.

Eu entendo a importância desse cenário que a AIE apresentou, mas tem que se transportado para o cenário real. Ainda haverá interesse pelo petróleo até que seja possível essa substituição, que não será apenas por uma solução energética.

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E o Brasil nesse processo de transição?

Cada país fará isso de uma maneira. Os desenvolvidos conseguem estabelecer metas ousadas para redução do uso de combustíveis fósseis, com proibição de carros a partir de uma certa data. No Brasil, por exemplo, há vocação para os biocombustíveis, que terão papel importante nessa transição.

Hoje, 60% dos nossos recursos de gás não são monetizados como fonte de energia. E o gás terá um papel importante nessa transição. Isso tudo tem que ser considerado. Em 2050, serão 10 bilhões de habitantes no planeta e terá que ter energia para isso.

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O senhor disse que 60% do gás brasileiro não é aproveitado. Como reverter isso?

Esses 60% de gás são reinjetados porque não há viabilidade econômica do aproveitamento. Com a nova Lei do Gás, já começamos a ver agentes econômicos se interessando.

É difícil hoje fazer uma estimativa com base em prazo de quanto seria possível monetizar. Mas já verificamos que as oportunidades dos gás natural estão ficando claras, com os estados que estão adequando sua regulação estadual à lei federal.

E ainda há o impacto da venda de ativos da Petrobras (como subsidiária Gaspetro e refinarias).

A 17ª rodada tem um perfil variado, com três áreas na Bacia de Santos que estão além das 200 milhas náuticas e reserva de sete bilhões de barris in place , número que pode representar até 2,45 bilhões de barris recuperáveis, o que é quase metade dos 5 bilhões da cessão onerosa. Essas áreas serão as grandes estrelas do leilão?

Temos uma expectativa para saber o quanto de interesse essas áreas vão despertar pelo seu ineditismo. São áreas que estão próximas do pré-sal. Os agentes que conversam com a gente demonstram interesse.

É uma região que tem um grau de incerteza ainda porque é uma nova fronteira exploratória. Há ainda a forma como vai se dar o pagamento à autoridade dos Fundos Marinhos. Ainda há uma discussão de como esse pagamento vai acontecer.

Essas áreas podem abrir uma nova frente de desenvolvimento no Brasil?

As petroleiras estão se recuperando e por isso serão mais seletivas. A janela de oportunidade para exploração de novas fronteiras é agora. As empresas sabem disso por conta da transição energética. É agora que esse risco se justifica, pois o preço do petróleo já ronda os mais de US$ 75. A hora é agora.

É uma fronteira promissora e uma região geológica com potencial elevado. Tenho esperança que vá despertar interesse, mas é uma novidade. Só colocando o dedo na água para saber a temperatura.

Do ponto de vista legal, é uma região inédita. A convenção marítima internacional prevê que, na extensão da plataforma continental, a gente possa ir até 350 milhas náuticas da costa e é a primeira vez que isso acontece. A expectativa geológica é muito boa.

Sede da Petrobras, no Centro do Rio Foto: Reuters
Sede da Petrobras, no Centro do Rio Foto: Reuters

E quantas empresas podem se habilitar nesse cenário?

As majors (como são chamadas as grandes multinacionais do petróleo) que operam no Brasil são empresas que têm interesse em ativos como os do pré-sal. É difícil fazer uma estimativa.

Os custos de produção serão mais caros que os do pré-sal, por conta da distância, mas os custos de exploração não deverão ser mais altos que os do pré-sal, porque já temos curva de aprendizado.

Além da 17 rodada, teremos o leilão do excedente da cessão onerosa, com Sépia e Atapu. Qual é a reserva dessas áreas?

Atapu e Sépia têm 12 bilhões de barris de volume in place , o que considera a área como um todo. Os dados das reservas só do excedente são considerados confidenciais.

Como o conteúdo local entra nessa discussão, já que acabou de se abrir um grupo de trabalho para analisar o tema. O que pode podemos esperar?

É uma questão importante. E percebemos isso nas perguntas dos investidores sobre o conteúdo local, que já foi ajustado em 2017. Esse é um dos fatores muito olhados pelos investidores. O conteúdo local é um dos casos em que a diferença entre o remédio e o veneno é a dose.

O conteúdo local tem que ser usado com sabedoria para atingir o propósito dele, que é beneficiar e estimular a indústria brasileira sem roubar a competitividade do país com atração de investimento. É uma questão que sempre está sendo olhada e atualizada para enxergar as melhores adequações.

Um dos ativos intangíveis do Brasil é um parque industrial que é capaz de sustentar uma parcela considerável do setor de exploração e produção. E nesse momento que recebemos essa quantidade de investimentos é aproveitar a oportunidade para incentivar a indústria. E essa dosagem é muito importante e deve estar 100% atualizado.

O grupo de trabalho é para dar linhas de orientação. É um tema que precisa ser discutido para ver se precisamos ajustar nossa competitividade. Ainda não sabemos o que esperar de resultado dessa discussão.

Mas, então, poderia aumentar ou reduzir o conteúdo local?

Otimizar não é necessariamente aumentar, é ajustar da melhor maneira. Recentemente, aprovamos uma mudança que reverte multas por descumprimento de conteúdo local em investimentos através de termos de ajustamento de conduto. A estimativa de investimentos para fase de exploração é entre R$ 1 bilhão e R$ 2 bilhões.

E já tem definição para a 7ª Rodada do pré-sal?

A 7ª Rodada rodada deve ser no ano que vem, mas não há previsão de data ainda. Está na agenda do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE).

Que mudanças a ANP fará para monitorar os estoques de combustíveis, com a venda de ativos da Petrobras?

Mais de 95% do refino hoje é da Petrobras e esse número vai cair para cerca de 50%. E isso será uma transformação muito grande. E temos que desenvolver as ferramentas para monitorar e garantir o abastecimento em todo o país. Estamos vendo como isso será feito.

Vamos precisar dessas informações porque, hoje, a gente contata a Petrobras e o problema estaria resolvido. Então, será o monitoramento de estoques das empresas com informações em tempo real. Isso inclui também o estoque em movimento e não apenas o que está armazenado. É essa dinâmica que será analisada.

Não podemos correr o risco de ter regiões afastadas com carência de produtos. A previsão é montar esse painel com previsões futuras de entrada e saída de produtos. E isso vai acender alertas e ver iniciativas para mitigar possíveis faltas.

Além disso, gerou polêmica a proposta de que os postos teriam que ter uma das bombas sem bandeira. Ainda está de pé?

São propostas contidas em estudos. Algo que está presente na nossa sociedade é a noção de que os preços dos derivados no Brasil estão associados pela administração desses preços pelo governo. E hoje não é mais assim.

O que queremos é promover um mercado competitivo e mais dinâmico. E o que for cabível podermos incluir. É normal e esperado que cada um coloque sua posição. Essas mudanças têm relação com um mercado mais aberto.